O quarto dia do Tour, o primeiro integralmente corrido em solo francês, volta a ser dia de más notícias. Más notícias - mais dois nomes grandes que ficam pelo caminho - pelas piores razões: Sagan por um comportamento inaceitável e impróprio de um campeão, e Cavendish com uma clavícula fracturada.
Peter Sagan, o eslovaco bicampeão de mundo e um dos nomes maiors do Tour, tinha ganho na véspera, numa etapa que terminava à sua medida, num sprint depois de um a ligeira subida. Esta chegada à estância termal de Vittel era diferente, mais dirigida aos mais puros dos sprinters. Boa parte deles tinha ficado fora do momento de decisão, numa queda na última curva - que atingiu também o camisola amarela, Geraint Thomas - e Sagan já só praticamente teria que se haver com Mark Cavendish, ainda o maior dos maiores sprinters do Tour.
Propositadamente ou não - nunca se saberá - resolveu a coisa com uma cotovelada que mandou o britânico contra a vedação e daí para o hospital. Ficaria em segundo - ganhou o francês Arnaud Demare - mas por pouco tempo. Foi desclassificado e expulso.
E assim foi. Ou quase, já que o lituano Navardauskas consegui adiantar-se um bocadinho - sete segundos apenas - ao pelotão e ganhar, deixando os especialistas do sprint, onde voltava a faltar Kittel, mas também Greipel, a discutir o segundo lugar. Até se chegar ao contra-relógio onde, como se esperava, Tony Martin voltou a não ter rival. Ganhou categoricamente, com Nibali - que, sem qualquer pressão e totalmente à vontade na classificação, não terá naturalmente sentido necessidade de dar o seu melhor - a fazer o quarto tempo, com mais 1´e 58"!
Na disputa pelo segundo lugar Péraud, sétimo no contra-relógio com mais 2´e 27" que Martin, levou a melhor sobre Thibaut Pinot. Que ficou com o último lugar de um pódio com dois franceses, que há muitos, muitos anos se não via.
Quem voltou a ficar fora do pódio, naquela que terá certamente sido a sua última oportunidade, foi o espanhol Alejandro Valverde, atirado nos Pirinéus do segundo para o quarto lugar mas, ainda assim, com apenas quinze segundos para recuperar. Voltou a falhar, e os quinze segundos que tinha para o segundo lugar de Pinot, transformaram-se em 2´e 3" para o mesmo segundo lugar depois de Péraud.
Com tudo decidido correu-se ontem a etapa do champagne, com Kittel finalmente de regresso às vitórias, repetindo com o Arco do Triunfo à vista o mais apetitoso dos sprints vitoriosos. Foi por pouco, menos de meia roda sobre Kristoff, mas o suficiente para, depois daquelas três vitórias nas quatro primeiras etapas, e de mais de duas semanas como que desaparecido em combate, igualar as quatro de Nibali.
Este foi o Tour das quedas. Não sei se teve mais quedas que os anteriores, mas teve mais quedas com mais consequências. Só candidatos foram dois - e que dois: Froome e Contador. Mas também e ainda o papa-etapas Cavendish, o melhor sprinter mundial dos últimos anos!
Mas foi, acima de tudo, o Tour de Nibali. Ganhou com uma autoridade raramente vista, só ao alcance dos grandes campeões. Ganhou quatro etapas, e sempre as de maior grau de dificuldade. Nunca se deixou atacar. Para nunca ter de se defender, foi sempre ele a atacar. Impressionante!
Percebeu-se que se preparou para ganhar este Tour, e ganhou com mérito indiscutível, deixando a ideia bem clara que ganharia mesmo com Froome e Contador. Nunca ninguém o poderá provar, evidentemente. Deu para perceber, nas 10 etapas que Contador disputou, que o espanhol não estaria à sua altura. Froome ficou de fora logo na terceira etapa, mas mesmo aí já Nibali tinha ganho, na segunda. A verdade é que a superioridade que Nibali evidenciou deixa definitivamente uma pedra sobre este tipo de especulações!
Integra hoje o restrito grupo de seis corredores que ganharam as três grandes competições dociclismo mundial: Vuelta, Giro e Tour. E isso diz tudo!
A merecerem também referência neste Tour: desde logo os dois franceses do pódio, com Pinot ainda a ganhar o prémio da juventude. Também Tony Martin, um grande corredor. E mais dois jóvens de grande potencial - o francês Bardet, que o contra-relógio atirou para o sexto lugar, e o polaco Mayka, o rei dos trepadores.
Pela negativa referiria Joaquim Rodriguez, que se expôs e perdeu sempre. Mas também Peter Sagan, de quem muito se esperava em função da sua participação na edição anterior. Ganhou - e cedo, ficou bem cedo definida a camisola verde - a classificação por pontos, mas sem ganhar uma única etapa. E perdeu todos os sprints que disputou. Na mesma linha, se bem que num registo completamente diferente, Kwiatowski. O jovem polaco foi uma desilusão completa. Falhou naquela aqui tão referida etapa épica do Tony Martin, depois aproveitou uma boleia numa fuga bem sucedida na primeira etapa dos Pirinéus, e regressou ao top ten, para se afundar logo de seguida nos confins da classificação. E Richie Porte, que depois de no ano passado ter até deixado a ideia de poder contestar a liderança de Froome, este ano, com o líder a ficar logo de fora, falhou em toda a linha. E sempre!
Não há muito a dizer sobre os portugueses. Rui Costa teve de abandonar ainda antes dos Pirinéus. O Tiago Machado chegou a ser terceiro, por um único dia, o também dia único em que Nibali não teve a amarela vestida. Ironicamente teve na queda o seu dia de glória. O Sérgio Paulinho fez o seu papel, mas ficou também aquém do que parece que poderia ter feito, especialmente depois do abandono de Contador. É de resto o desempenho de muitos dos seus colegas de equipa, depois de libertos pela ausência do líder, que deixa a ideia de que também ele poderia ter tido o seu momento de glória.
Nelson Oliveira, também ele acidentado, e José Mendes reservaram para o contra-relógio as suas melhores prestações, ficando ambos nos vinte primeiros, com tempos que até tinham dado jeito, por exemplo, a Valverde.
A 99ª edição do Tour chegou hoje aux Champs Eliysés, onde precisamente acaba todos os anos. Nem sempre foi assim – embora tenha acabado sempre em Paris - mas é assim nos últimos largos anos!
Foi o dia da consagração final de Bradley Wiggins (na foto), o digno vencedor, mas também de Mark Cavendish, que ganhou a etapa que toda a gente quer ganhar e, ganhando-a, igualou com três vitórias os seus rivais do sprint que na fase inicial da competição: o eslovaco Peter Sagen – uma das principais revelações deste Tour – e o alemão Andre Greipel, e tornou-se no ciclista em actividade com mais vitórias (23) em etapas desta que é a maior competição mundial de ciclismo, ultrapassou Lance Amstrong – vencedor de sete edições do Tour e de 22 etapas – e ameaça o recorde de 34 vitórias do mítico Eddy Merckx. Ao fazê-lo pela quarta vez consecutiva, igualou este lendário belga - o Canibal, como ficou conhecido - também ele vencedor por quatro vezes em Paris.
Hoje a festa foi britânica: um inglês inscreveu pela primeira vez o seu nome na lista de vencedores do Tour, outro inglês foi o segundo classificado e ainda outro ganhou a etapa. Todos da mesma equipa, a Sky, também inglesa!
Foi o corolário normal e esperado de três semanas de competição que estes ingleses dominaram por completo. Um domínio que não foi ainda maior pelos contratempos de Cavendish na primeira semana da competição, quando duas quedas lhe retiraram a possibilidade de outras tantas vitórias. Este trio inglês é composto apenas pelo melhor contra-relogista e campeão mundial da especialidade (Wiggins), pelo melhor trepador, mas também o segundo melhor no contra-relógio (Froome) e pelo melhor sprinter e campeão mundial de velocidade. E todos na mesma equipa!
Wiggins é um justo vencedor deste Tour, aquele que aqui dávamos pelo mais aberto dos últimos anos: Lance Amstrong já arrumara a bicicleta, Alberto Contador estava ainda impedido de competir e Andy Schleck estava afastado por lesão. Cadel Evans vencera no ano anterior, mas nunca estaria à altura destas três super estrelas. Tinha vencido um Tour onde não estava nenhum deles. Nem Wiggins, vítima de queda na primeira semana.
É injusto retirar mérito à vitória de Cadel Evans na competição do último ano pelo seu desempenho na deste ano. Mas já não é a imagem do ano passado que subsiste. Essa está esbatida. Bem nítida é a da sua impotência para seguir na roda do seu jovem companheiro de equipa – Van Garderen - nas montanhas deste ano nos Alpes e nos Pirenéus. Ou a da dobragem por esse mesmo jovem no contra-relógio de ontem, que tinha partido 3 minutos depois.
Wiggins justificou a vitória essencialmente nos dois contra-relógios. Que ganhou, sempre com o seu colega Froome logo atrás. Mas ficará para sempre a dúvida se o que lhe ganhou nessas duas etapas seria suficiente se Froome tivesse podido atacar nas montanhas, onde deixou evidente ser bem mais forte. Mas Wiggins justificou ainda pelos elogios que soube dirigir a este seu colega, e pela forma como soube trabalhar para as duas últimas vitórias de Cavendish: hoje e anteontem.
As figuras neste Tour não se esgotam nestes nomes. Voeckler, o vencedor do Prémio da Montanha, é uma figura incontornável do Tour. Como o já referido Peter Sagen, o vencedor da classificação por pontos que, aos 22 anos, deixou indicações para o futuro. E mais três jovens de respeito: o americano Van Garderen, também já referido, o melhor – no sexto lugar, à frente de Cadel Evans, o líder da equipa, que tanto rebocou - e por isso o camisola branca, e ainda as esperanças francesas Pierre Rolland e Thibaut Pinot, os melhores franceses, que fecharam o top tem.
Dos portugueses não há muito a acrescentar ao que foi dito nas últimas edições. Sérgio Paulinho não justificou mais qualquer registo. Já Rui Costa esforçou-se por dar nas vistas nas três últimas etapas em linha, sucessivamente em fuga. Incluindo hoje, em plenos Campos Elísios, onde tentou ganhar a mais improvável das etapas. Andou na frente, primeiro num grupo de onze fugitivos e, depois, num trio que seria alcançado pelo pelotão já nos últimos três quilómetros. Acabou num 18º lugar da geral que, sabendo a pouco, está longe de ser uma desilusão.
Acabou o Tour número 99. Viva o Tour centenário!
PS: Uma nota para a cobertura televisiva da RTP Informação. Um trabalho excelente, com o saber e a capacidade de comunicação de Marco Chagas a merecerem nota alta. Um reparo apenas para o excesso de patrioteirismo colocado na avaliação do desempenho dos portugueses. Acho que não se justifica e prejudica o excelente trabalho produzido!
Está a chegar ao fim a primeira semana do Tour e, com ela, a primeira fase - dos traçados planos – feita para roladores e dominada pelos sprinters!
Em seis etapas de estrada apenas três vencedores: o inglês Cavendish, por uma vez, o alemão Greiphel, por duas e o eslovaco Peter Sagan – de apenas 22 anos e proveniente do BTT, a grande revelação da prova até ao momento (na foto) – por três vezes, a última das quais hoje.
Mas já com gente importante suficientemente atrasada para poder manter a candidatura à vitória final como, principalmente, o espanhol Alejandro Valverde e o luxemburguês Frank Scheleck - este ano sem o seu irmão mais novo que, sem lhe roubar protagonismo, lhe limita a ambição - ambos vítimas da queda colectiva de hoje.
Esta fase da prova foi acima de tudo marcada pelas quedas. Várias em todas as etapas, e sempre influentes no desfecho final das etapas. E não se pense que são aquelas quedas clássicas, em que os ciclistas são normalmente vítimas daquela mistura explosiva do pavée com a chuva. Nada disso, nem o piso nem a chuva tiveram nada a ver com as quedas que invariavelmente se sucederam em todos estes dias. Foram sempre quedas em bom asfalto, lá para o meio do pelotão. Ou porque a estrada afunilava, ou porque uma ou outra curva apertava mais, ou ainda sem razão à vista, como ontem e hoje.
As principais quedas aconteceram, nos dias anteriores, já nos últimos dois quilómetros e, por isso e face à regulamentação, ninguém foi particularmente penalizado pelo cronómetro oficial. Já o mesmo não sucedeu quanto à discussão da etapa. Anteontem foi Cavendish que, apanhado na queda, não pode discutir o sprint - onde é sempre um dos principais candidatos à vitória – que daria a primeira vitória a Greiphel. Ontem foi Sagan – o miúdo maravilha – que, numa chegada à sua medida, a subir, ficou para trás no meio de bicicletas e ciclistas por terra, impedido de discutir o sprint com o alemão, que repetiu a vitória perante um Cavendish ainda combalido da queda no dia anterior. Hoje chegou a altura de ser ele próprio vítima: diminuído pelo envolvimento na queda do dia – a 25 quilómetros da meta - não conseguiu, numa chegada em terreno plano, bem mais ao seu jeito, evitar que o eslovaco se superiorizasse e fizesse o tri.
Pior ficaram Valverde e Scheleck – este mesmo em mau estado, que se espera seja recuperável – que perderam mais de dois minutos. Tempo que dificilmente será recuperado, numa prova que nos últimos anos se vem decidindo ao segundo…
Cadel Evans é que tem sempre escapado destas quedas, fruto de um trabalho da sua equipa que lhe oferece sempre a protecção máxima bem na frente do pelotão, longe da confusão. Aqui no Tour, como afinal em tudo na vida, a sorte dá muito trabalho!
O australiano parte para esta fase crucial do Tour, que se inicia amanhã com a chegada da montanha e dos contra-relógios, a apenas 7 segundos do surpreendente Cancellara, o suíço que vestiu a camisola amarela no prólogo de sábado passado e que conseguiu manter até hoje – também ele imune às quedas, por gozar da protecção devida a quem viaja de amarelo – a vantagem aí conseguida. Irá cumprir uma semana de amarelo, coisa que nunca lhe terá passado pela cabeça.
Chegou agora a altura de a despir. Já amanhã, muito provavelmente!
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