No dia em que era notícia a entrevista - na verdade apenas a entrevista era notícia, nada do que disse o foi, nem o foi o seu alheamento do mundo real (chegou a parecer aquele condutor que, ao ouvir a notícia de um carro em contra-mão na auto-estrada, dizia que não era um, eram todos) - da actual PGR, Lucília Gago, a notícia é a morte da anterior, e primeira mulher a ocupar a função: Joana Marques Vidal.
A ideia que fica é que, por grande que seja a proximidade - ou as várias proximidades - entre ambas, é muito maior a distância que separa a forma como exerceram os seus mandatos. Tão grande que Joana Marques Vidal saiu pela porta grande, enquanto Lucília Gago irá sair pela pequena porta dos fundos. E empurrada!
A Senhora Procuradora Geral da República acha que não tem que se pronunciar sobre nada do que se relaciona com as suas funções e responsabilidades. Tem a casa a arder, mas não tem nada a ver com isso. E deixa arder...
No entanto, sobre o que lhe não diz directamente respeito, não se escusa a comentários. E se for para lançar gasolina para cima do que já está a arder, melhor ainda.
Não se lhe ouviu uma expressão de preocupação sobre os crimes que chocaram o país. Ouviram-se, em vez disso, palavras alinhadas com o discurso de ódio instalado, que alimenta a violência deste tipo de criminosos.
Já sabíamos de há muito que Marcelo se desbronca com facilidade. Agora ficou a saber-se que, para além de se desbroncar com facilidade, também se desbronca por heterónimo.
Não me parece que seja isto "o normal funcionamento das instituições". Mas é este o normal funcionamento da "instituição Marcelo".
Parece-me que é já evidente, com o que se conhece "nesta altura do campeonato", que a "operação influencer" é a demonstração mais clara do estado de degradação aque chegaram as instituições da nossa democracia. E que tem muito mais de "Golpe de Estado" do que de normal funcionamento das instituições.
Ficou hoje a saber-se que o tal último parágrafo - "No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente" - do comunicado da PGR naquele dia 7 de Novembro, que António Costa invocou para a demissão, foi escrito pela própria senhora procuradora-geral da República, Lucília Gago. Já se estranhara a sua nunca explicada deslocação a Belém, pelo meio das duas reuniões dessa manhã entre o primeiro-ministro e o presidente da República. Agora ficou a saber-se que fica pessoalmente ligada a esta relação causa-efeito, reforçando a ideia de um "Golpe de Estado" preparado durante quatro anos por alguns agentes do Ministério Público.
Aquele último parágrafo era desnecessário. Provavelmente, depois de todos os "casos e casinhos" que atravessaram este governo, teria bastado o envolvimento de pessoas tão próximas como o seu chefe de gabinete - e em especial o insólito caso do dinheiro guardado/escondido no gabinete -, ou o "seu melhor amigo", para António Costa se demitir. Soa, por isso, a estocada final da senhora procuradora-geral da República.
No momento certo?
Talvez se conheça a resposta a esta pergunta quando se souber o que foi a procuradora-geral da República fazer a Belém. Um dia se saberá. Por agora só sabemos que, vontade de deitar o governo abaixo, era coisa que há muito não faltava a Marcelo. E que só lhe faltava o momento, mesmo que não fosse o certo.
João Galamba demitiu-se, finalmente: "...para assegurar à minha família a tranquilidade e discrição a que inequivocamente têm direito”, justificou. Ou para não ser demitido amanhã, como estava mais que anunciado?
Parece-me mais isso. Mas isso é defeito meu, que por feitio nunca acredito em nada do que Galamba diga. O que não quer dizer que não me incomode a perseguição e as esperas que lhe têm feito à porta de casa.
Incomoda-me. Como me incomoda tanta coisa que está a acontecer por aí. Como me incomoda que se prendam pessoas para serem interrogadas. E que sejam libertadas depois. É tudo ao contrário. Normal seria, se fosse caso disso, que as pessoas fossem presas depois de interrogadas. Como me incomoda que, uma semana depois, se continue sem saber o que é que a Procuradora Geral da República foi fazer a Belém. Como me incomoda que um primeiro-ministro "fale ao país" para falar à Justiça. Que o Ministério Público troque nomes na transcrição de escutas. Ou que invoque portarias que nada têm a ver com o que evoca.
É estranho que ache estranhíssima a não recondução da ainda Procuradora Geral da República, sem achar estranhíssimo que continuem à solta todos os seus amigos do BPN. Sem achar estranhíssimo que a comissão de honra da sua segunda candidatura à presidência da República mais parecesse o quadro de honra da criminalidade financeira em Portugal. Sem achar estranhíssimo ter até feito deles Conselheiros de Estado. Sem achar estranhíssimo que, como Presidente da República, tenha exortado os portugueses a comprar acções de um banco falido, sem achar estranhíssimo que esse banco tivesse sido o maior e principal financiador da sua campanha. Sem achar estranhíssimo que tenha condecorado todos os que, é hoje claro e indesmentível, mais roubaram e mais destruiram neste país. Todos. sem lhe escapar um ( a excepção de Sócrates, só confirma a regra) ...
O que não é estranho é que o político (que mais poder teve no país), que não era político, não tenha vergonha na cara. Nem que esteja ainda convencido que o que diz tem alguma importância...
A nomeação da PGR e a decisão de não reconduzir Joana Marques Vidal, ganhou durante o fim-de-semana o espaço mediático que porventura lhe terá faltado de imediato, como na altura aqui referi, com Passos Coelho a falar sozinho. Não quer dizer que tenha sido o único a verdadeiramente contar com aquilo, quer dizer é que, para poder estar na linha da frente, já tinha a carta escrita.
A maior responsabilidade por essa surpresa, e pela falta de reacção imediata, é bem capaz de caber ao Expresso, com aquela primeira página no fim-de-semana anterior, que dava por certa a recondução de Marques Vidal. Da mesma forma que lhe cabe também, e ao grupo de comunicação que integra, a maior fatia de culpa pelo pique mediático do tema no fim-de-semana, todo ele passado a limpar o espalhanço completo daquela primeira página no fim-de-semana anterior.
Acabada a última aula, o professor regressou presidente para acabar de vez com a novela da recondução de Joana Marques Vidal. Explicou que era do entendimento que o mandato do Procurador Geral da República deveria ser único, como, de resto, era mais ou menos consensual no meio, e nomeou Lucília Gago, em contra-mão com o CDS e com o PSD, ou com o que dele resta, já que para o seu líder tudo o que viesse estaria bem.
Ora aqui está uma derrota política da direita, sem qualquer sombra de dúvida. Nunca percebi por que é que a continuidade de Joana Marques Vidal era uma questão de direita e esquerda. Continuo convencido que não é, mas a verdade é que a direita fez dela a sua casa. E tendo chamado a si a causa, perdendo-a, perdeu.
Mas não perdeu apenas aí. Perdeu, e aí com estrondo, quando apostou tudo nesta carta para abrir fracturas no entendimento reinante entre o primeiro-ministro e o presidente da república. E perdeu, finalmente e com não menos estrondo, quando, hoje, a única reacção negativa à nomeação é assinada por Passos Coelho, numa carta de despedida à ainda PGR publicada no Observador. Se calhar, quem menos se deveria ter metido nisso...
Hoje podia escrever sobre o tema do dia, em todas as primeiras páginas dos jornais, para dizer o óbvio: que a Ministra da Justiça caiu na esparrela e, partindo do entendimento generalizado no Ministério Público - donde ela vem - que o mandato do PGR é "longo e único", criou um problema ao governo e a António Costa, que teve de a desautorizar. Ou para dizer algo maquiavélico - de que a direita não desdenha - e mais rebuscado que, pelo contrário, António Costa mandou a Ministra da Justiça lançar o barro à parede, a ver no que dava. E ao ver no que deu correu logo a corrigir o tiro. Porque, no fundo, esta PGR não fez muito mais que incomodar o PS. Ou até para dizer que Joana Marques Vidal, a "Procuradora que enfrentou os poderosos", deixou passar em branco o caso Tecnoforma, depois de Bruxelas ter dito com todas as letras que tinha havido fraude; e nunca revelou qualquer preocupação em encontrar por cá, no "processo dos submarinos", a outra face da corrupção condenada na Alemanha.
Mas não escrevo. Vou escrever sobre outra coisa extraordinária que também aconteceu no debate quinzenal, quando António Costa acusou a EDP de se comportar de forma diferente com esta maioria, para não dizer com este governo. Não se sabe se haverá outras razões, ou se o primeiro-ministro retirava esta conclusão exclusivamente pelo facto de a empresa do Estado chinês, dirigida por António Mexia, com pagens espalhados pelos baronatos dos três partidos do arco da governação (com o PS a ser agora reforçado, com Luís Amado a tomar o lugar de Catroga) ter anunciado que iria deixar de pagar a taxa de contribuição extraordinária do sector energético. Tem que se admitir que haja outras razões, quer porque há muito que também a GALP deixou de a pagar, quer pelo próprio tom de vitimização que António Costa colocou na declaração. E essas serão certamente injustas, como ainda há pouco se viu quando, à última hora da aprovação do Orçamento de Estado, António Costa voltou atrás no corte nas rendas excessivas, traindo o acordo com os seus parceiros do Bloco...
Esperemos agora que o assunto siga o seu curso normal para os Tribunais. A não ser que se repita o que aconteceu com a Brisa com os 125 milhões de euros, que disse que não pagava e ... pronto. Não se passou nada...
Mas passa-se!
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