Assinala-se hoje o Dia Internacional da Mulher, e fala-se por isso das desigualdades de que as mulheres continuam a ser vítimas, num mundo organizado de forma marcadamente machista. Mesmo que sejam predominantes em muitas classes sócio-profissionais do topo da nossa sociedade, também em Portugal a desigualdade é flagrante. Porque não é uma andorinha que faz a Primavera, a assimetria entre homens e mulheres continua a marcar a nossa conservadora e muitas vezes desestruturada sociedade.
Mas fala-se também do sucesso do atletismo português nos campeonatos da Europa de pista coberta, que foi tão só a segunda melhor representação na competição disputada na Polónia, no melhor desempenho de sempre do atletismo nacional numa grande competição internacional, com três medalhas de ouro.
Os três novos campeões da Europa, e agora sérios candidatos a medalhas olímpicas nos próximos jogos do Japão, têm uma particularidade em comum: são portugueses que não nasceram portugueses. São portugueses que escolheram ser portugueses!
Patrícia Mamona (um espectáculo de elegância) nasceu angolana, e por força da História mais perto de Portugal. Pedro Pichardo nasceu em Cuba, e é português há três anos. Há tantos como Auriol Dugmo, que nasceu nos Camarões, e escolheu Portugal para encontrar futuro, e Fátima, pelo que consta da sua biografia. Por isso escolheu Leiria para viver e treinar.
Provavelmente não haveria oportunidade mais própria para esta exaltação da portugalidade nas pessoas de gente que escolheu viver connosco, e ser gente de nós. Quando uns tantos tentam espalhar xenofobia e racismo na sociedade portuguesa é bom encontrar estes portugueses de bem, com que irónica e cirurgicamente o Record enche a sua primeira página.
Com a devida vénia ao Record este título não podia ser outro.
Percebeu-se desde que foi anunciado que o actual confinamento era a brincar. Talvez pelas mesmas razões que a abertura dada para o Natal, que todos os partidos, e não só o governo, promoveram, mesmo que dias depois reclamassem contra a decisão. Mas não seria de esperar que os portugueses brincassem tanto com ele.
O que aconteceu no fim de semana, com os paredões das praias apinhados de gente, e as esplanadas cheias que nem um ovo com serviço ao postigo, como se não tivessem visto filas de ambulâncias à entrada dos hospitais, como se o país com mais infecções diárias da Europa, e o segundo do mundo, não fosse o nosso e fosse outro qualquer num outro recanto do planeta, é, no entanto e infelizmente, mais que de gente a brincar com o fogo. É mais que de gente ignorante e irresponsável, é de gente feita apenas de umbigo, indiferente a tudo o que se passa à volta e a qualquer noção de comunidade. É gente desprezível que despreza toda a gente!
E quando assim é, quando assim somos, bem podemos culpar governos e instituições... Podemos até culpá-los por sermos assim...
Apesar de tudo - das nossas queixas, de atropelos vários, dos políticos serem isto e aquilo, etc. - segundo o Relatório da Democracia de 20108, do Projecto Variedades da Democracia (V-Dem), desenvolvido por uma rede global de investigadores e peritos com sede na Universidade de Gotemburgo, Portugal é o décimo país mais democrático do mundo, como noticia o Público.
À nossa frente, num dos rankings que mais conta, ou que mais nos deve importar, só países com lugar cativo na vanguarda da democracia e da decência: Noruega, Suécia (sim, também já a contas com a extrema direita, como se viu nas eleições do fim-de-semana), Suíça, Dinamarca e Finlândia; a Estónia e a surpreendente (pelo menos para mim) Costa Rica; e as longínquas mas saudáveis Austrália e Nova Zelândia.
Curioso, e sem dúvida decepcionante, é que a este 10º lugar na geral - digamos assim -, e mesmo ao 11º na análise sectorial que recorre aos indicadores eleitoral, de liberdades e de igualdades sociais, corresponda um 38º lugar quando se chega a indicadores de participação politica. Não me quero precipitar, mas desconfio que isto quer dizer que a democracia de que desfrutamos, e com a qual somos tão críticos, nos dá as nozes. Nós é que não temos os dentes. Se calhar gastamo-los a dizer mal...
A semana arrancou com o desaparecimento de dois grandes portugueses, logo nos primeiros dias: António Arnaut, um notável activista da cidadania e da política, a quem foi atribuída a paternidade do Serviço Nacional de Saúde, na segunda-feira e, logo no dia seguinte, Júlio Pomar, uma das mais proeminentes figuras da pintura portuguesa, condição que nunca isolou da cidadania e do activismo político, particularmente na resistência à ditadura salazarista.
Portugal ficou mais pobre. Um país tão deficitário em grande gente fica sempre mais pobre quando perde os maiores!
Mas não é disso, dessa perda, que quero falar hoje. Nem da unanimidade nacional manifestada à volta de Júlio Pomar. O povo, se não sempre, na maior parte das vezes, protege os seus artistas, vendo-lhes no génio com que nasceram uma espécie de bênção dos deuses.
Quero falar de António Arnaut para ilustrar a nobreza da actividade política. Para demonstrar que é possível dedicar a vida à política, ter actividade política ou ser político, com honra. E como isso é apreciado pelos portugueses.
Bem sabemos que nós, portugueses, só gostamos de dizer bem das pessoas depois de mortas. E como esse princípio genético nos abriu as portas da hipocrisia, tão cara também à nossa maneira de sermos portugueses. A ponto de não termos grande pejo em, depois de morto, fazermos de qualquer meliante uma pessoa de bem e de bom nome. Mas a forma como ouvimos o país falar de António Arnaut, da direita à esquerda, não é mérito desse pouco meritório atributo dos portugueses.
É a prova que a honra, na política como em qualquer outra actividade, assenta na nobreza dos valores e na integridade com que se defendem. António Arnaut nunca fugiu ao combate político, como nunca fugiu das causas mais difíceis, ou mais fracturantes, como agora se diz. Soube sempre de que lado queria estar, e soube sempre lá estar… Íntegro, direito e hirto. E livre!
Mais do que o Serviço Nacional de Saúde, essa obra-prima do Estado Social que agora vemos agonizar, devemos-lhe o exemplo.
Ora aí está. Nisto somos mesmo bons, melhores que no futebol, se é que isso é possível, numa altura em que tudo o que mete bola no pé é connosco. Na relva, nos pavilhões ou na praia...
Pronto. Podemos não ser melhores a criar impostos que a jogar à bola, mas lá que somos muito bons, somos. É aquela criatividade inata, aquele movimento gingão, aquele drible (ao contribuinte) fatal... É o Cristiano Ronaldo das finanças...
A comissão europeia só tem que aproveitiar este nosso dom natural para fazer impostos como quem faz rebiangas, trivelas ou cabritos.
A proposta portuguesa de, para fazer crescer as receitas comunitárias, e atenuar os efeitos do brexit, ir ao bolso das plataformas digitais e das empresas poluentes não é descabida. Faz até todo o sentido. Pena é que para cá, para consumo interno, não tenham a mesma criatividade. Quando é cá para nós qualquer imposto sobre os combustíveis, imposto automóvel ou IVA serve!
O que por aí se vai vendo sobre os resultados eleitorais na Catalunha é verdadeiramente extraordinário. Os portugueses alinhados com a soberania catalã, exultam com a vitória inequívoca das forças independentistas e com o desaparecimento do PP de Rajoy do mapa político da Catalunha. Já os portugueses entregues de alma e coração ao espanholismo cantam a vitória clara dos constitucionalistas, e ignoram os resultados do primeiro-ministro espanhol, porque o que conta é o Ciudadanos.
Poderão estar neste momento a pensar que é sempre assim. Que já estamos habituados a que todos ganhem e ninguém perca. É verdade. Mas só é verdade por cá, deste lado da fronteira. Lá, em Espanha, não se passa nada disso. Os espanhóis, os interessados directos, não têm dúvidas nenhumas sobre os resultados das eleições. E muito menos sobre as complicações que eles trazem agarrados...
Os jornais, as televisões - a TVE foi pouco menos que escandalosa - e os comentadores espanhóis, que na campanha eleitoral foram tudo menos plurais, conhecidos os resultados, meteram a viola no saco. Por cá, isso é sempre mais difícil. Mesmo quando as coisas não nos dizem assim tanto respeito...
Francamente: não sei se esta estranha relação com os resultados eleitorais é uma idiossincrasia portuguesa, ou se é apenas o estado de futebolização a que o país chegou!
Não é apenas por falta de emprego que milhares de portugueses saem cada vez mais do país. Também é por coisas como as que se contam no texto anterior. E no anterior. E em tantos outros, por aí abaixo. É por tudo isto que, como o Jorge Fiel, cada vez mais portugueses têm vergonha de ser portugueses... E por isso desistem de Portugal. E também por isso partem, deixando os que cá ficam cada vez mais envergonhados disso!
Bem sei disto tudo, e bem sei quão difícil é perceber um país que isto tudo permite. Mas ninguém me consegue convencer que estas sondagens, efectuadas logo a seguir às autárquicas, não passam de mais uma escandalosa aldrabice!
A recente vitória de Rui Costa no campeonato do mundo de ciclismo de estrada de que aqui se deu na altura conta – a propósito, aqui fica a pitoresca narração em directo na televisão espanhola – prestou-se a que se instalasse de imediato uma nova discussão, a que uma certa parte do país dá muita importância: seria ou não já Rui Costa o melhor ciclista português de todos os tempos?
Bem nos lembramos que, ainda há poucas semanas, bastou que Cristiano Ronaldo marcasse três golos em Belfast, e atingir e bater uma velha marca de Eusébio - lograda em bem menor número de jogos, mas não é isso que interessa – para ser aberta idêntica discussão à volta dos dois futebolistas, que foi até levada muito a sério por muita gente. Desde logo pelos adeptos, e em particular pelos chamados notáveis, de Benfica e Sporting, mas também por Luís Figo, certamente sentido – e avisado da velha máxima portuguesa de que “quem não se sente não é filho de boa gente” – por o terem deixado de fora, que decidiu a contenda sentenciando que king só há um: Eusébio e mais nenhum!
O Eusébio do ciclismo é, como se sabe, Joaquim Agostinho. O benchmarking de Rui Costa faz-se pois com Joaquim Agostinho que, sendo uma figura tão nacional como Eusébio é, para os adeptos leoninos, o Eusébio do Sporting, o que não deixará de ser irónico à luz da discussão com Cristiano Ronaldo.
São discussões que não fazem sentido, porque não faz sentido comparar o que não tem comparação tal a distância, no tempo e em todas as envolvências que determina, que separa cada realidade.
É uma discussão que - mesmo quando bem conduzida, como os interessados aqui poderão ver - não deixa de ser estúpida. Mas que é muito frequente entre os portugueses, que precisam sempre de encontrar o melhor, o maior… Perdem-se nesses exercícios, sempre condenados à parvoíce, ao disparate, ao non-sense…
Quem não se lembra no que deu aquela do maior português?
Não nos preocupamos muito em honrar os verdadeiramente grandes. Nem em admirar sem condições os que dentre nós mais se distinguem. Parece que somos de coração pequeno, com apenas um lugar. Ali não cabe mais que um…
Isto poderá ter alguma coisa a ver com a nossa ancestral inveja, que nos condiciona no reconhecimento valor e mérito aos outros de nós. Se temos tanta dificuldade nisso poupamo-nos e reconhecemos apenas um – o maior!
Mas poderá também ter a ver com o individualismo e o espírito competitivo que se acentuou na sociedade portuguesa, particularmente nos últimos vinte anos. Tem sempre de se encontrar o melhor!
David Blanco será o vencedor da Volta a Portugal, pela quinta vez. Feito único na História, e previsível!
Depois da Serra da Estrela, com os dez primeiros separados por pouco mais de um minuto, e com David Blanco e Hugo Sabido, os dois primeiros, separados por oito segundos – ditados pela bonificação de 10 segundos do espanhol mais português do pelotão pela sua vitória na etapa de ontem - seria o contra-relógio de hoje a fazer a diferença. E fez: os dez primeiros são os mesmos que já o eram, mas o décimo ficou já a bem mais de 3 minutos do primeiro. E Davido Blanco, que foi hoje o quarto em Leiria – ganhou o espanhol Alejandro Marque, do Tavira que, perdendo o azarado Ricardo Mestre, vencedor do ano passado e dado como o mais forte adversário para Blanco, obteve a sua primeira vitória nesta Volta – ganhou 14 segundos a Sabido, ficando agora com 22 de vantagem.
Também o pódio ficou definido e como estava, com Rui Sousa a conseguir defender o terceiro lugar que trazia da Serra, onde já garantira a título de melhor trepador. Bem como o Prémio da Juventude, confirmado hoje pelo espanhol David de la Cruz.
Para definir na etapa de consagração de amanhã ficou a camisola dos pontos, que de Sérgio Ribeiro roubara ontem ao sul-africano Van Rensbur (segundo no contra-relógio) para lha devolver hoje.
E pronto. Cai amanhã o pano sobre esta 74ª Volta a Portugal: uma volta a Portugal de D. Afonso Henriques, que não chegou a ser rei de Portugal e dos Algarves, que assim explica porque é que há uma Volta ao Algarve e uma Volta ao Alentejo: porque a Volta a Portugal não chega lá!
Uma última nota marginal mas que me impressiona particularmente e que, de alguma forma, dá conta de um Portugal que é muito diferente do de há alguns anos. Refiro-me à facilidade de expressão dos ciclistas portugueses, na generalidade!
Nas sucessivas entrevistas exprimem-se com grande à vontade, num português escorreito e, com grande lucidez, dizem coisas. Não falam, não soltam banalidades e lugares comuns: dizem! Pronunciam-se sobre fisiologia, sobre os incidentes da corrida, sobre os aspectos técnicos, tudo com a propósito. Tudo com boa fluência, sem pontapés na gramática e com um vocabulário digno!
Como é diferente do futebol… Os jogadores de futebol, que ganham milhões, deveriam pôr os olhos (e os ouvidos) nestes atletas!
Finalmente, e porque vem a propósito – também a carapuça serve aos jogadores de futebol -, quero salientar o esforço dos ciclistas espanhóis em expressarem-se em português. É corrente, e praticamente geral, nos ciclistas que integram equipas portuguesas, mas mesmo nos que representam formações espanholas. Notável!
Mais notável só a parolice dos entrevistadores da televisão portuguesa, que os entrevistam em portunhol. Mais caricato que às perguntas em portunhol eles responderem em português, é - como ainda hoje se verificou na transmissão em directo do contra-relógio – o pivô da emissão, no caso o simpático João Pedro Mendonça, proceder à dobragem. Por cima, traduzir para português a pergunta em portunhol e a resposta do ciclista espanhol ... em português. Com sotaque espanhol, mas em português puro e claro!
Enfim: às vezes parece que há uns portugueses que querem andar para a frente enquanto outros insistem em não sair do mesmo sítio. O grave é que estes sejam os que têm mais responsabilidades!
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