O "Expresso" publica hoje um estudo de opinião sobre as preocupações dos portugueses à volta dos principais temas do Orçamento - que será apresentado na próxima semana - cheio de pormenores interessantes que porventura nos andavam a escapar.
Não surpreende que, à pergunta central, a maioria dos portugueses (dois terços) responda que deseja a descida dos impostos. A partir daí, e quando na equação são introduzidas as variáveis "défice orçamental" e "funções sociais do Estado", tudo surpreende.
Surpreende que apenas uma escassa minoria (7%) "caia" na utopia de desejar que os impostos e o défice baixem e as prestações sociais subam. Pela "vox populi" característica do país, que vemos reproduzida na maioria dos "foruns" que "dão voz ao povo", seríamos levados a concluir que grande parte dos portugueses quer mesmo é "sol na eira, e chuva no nabal". Afinal, não. Têm (93%) perfeita noção que baixar impostos implica baixar despesa, ou aumentar dívida.
Surpreende que, 74%, já não queira impostos mais baixos se isso implicar cortar na mesma medida nas despesas com saúde, educação e prestações sociais.
E surpreende que 62% não queira menos impostos, nem mais prestações sociais, à custa do aumento do défice.
Por tudo isto ser surpreendente não surpreende que António Costa ande tão tranquilo como, apesar de tudo, vai mostrando. E confirmou na enfadonha noite de televisão que a TVI/CNNP lhe ofereceu no início da semana.
Repare-se como, num dos períodos de maior degradação dos serviços públicos, em que a perda de qualidade é transversal a todos serviços prestados pelo Estado; em simultâneo com um dos de maior carga fiscal de sempre, os portugueses dão prioridade ao controlo do défice orçamental.
Imagine-se, por isso, como ficam quando ouvem falar de excedente orçamental, ano após ano!
Há vinte anos ninguém queria saber do défice para coisa nenhuma. Há 10 sentiu-se na pele. Hoje chamam-lhe "contas certas", e é o "anjo da guarda" de António Costa. E o diabo para toda a oposição. À direita, e à esquerda!
Os números da economia portuguesa têm sido amplamente destacados. Tanto pelo governo, que pretende encontrar neles a legitimidade que a governação lhe rouba, como pela generalidade da opinião publicada.
Em 2022 o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 6,7%, o maior crescimento anual deste século. E o crescimento homólogo de 2,5% no primeiro trimestre deste ano surpreendeu toda a gente, do governo à Comissão Europeia, e ao Fundo Monetário Internacional levando-os, todos, a rever em alta as suas previsões. Quase triplicaram, e já se aponta agora para um crescimento 2,6%, no final do ano.
O défice orçamental, mais que a dívida, - o "alfa e o ómega" da política económica do governo - também têm tido um comportamento elogiado, e elogioso. E no final do ano só não teremos superavit orçamental porque António Costa irá ter de "despejar" dinheiro sobre os problemas que ele próprio criou, para limitar os danos políticos de uma governação errática e desastrada.
É do senso comum que os portugueses não sentem nada destas melhorias no seu dia a dia. Que, pelo contrário, vivem cada vez com mais dificuldades. O próprio Ministro da Economia, António Costa Silva, diz que “a melhoria significativa da economia […] ainda não chegou ao bolso dos portugueses”. O problema desta declaração está na utilização do advérbio de tempo. "Ainda" não chegou, e dificilmente chegará!
Na realidade o crescimento de 2022 - o tal maior deste século - decorre da quebra provocada pela pandemia. Em 2020, no primeiro ano da pandemia, o PIB nacional teve uma quebra de 8,7%, e foi dos que mais caiu na Europa. E o fascinante crescimento deste ano está apenas alavancado no turismo.
Os "números dizem" que o PIB está a crescer pelo crescimento das exportações, e que o consumo privado, e o investimento, estão a cair. Os menos atentos poderão ser levados a pensar que não é bom que o consumo e o investimento caiam, mas que é muito bom que as exportações cresçam. Seria assim se as exportações não fossem pouco mais que o turismo.
Na realidade é este o modelo de "desenvolvimento" da economia portuguesa, onde a produção industrial - com a maior quebra da União Europeia - foi substituída pelo crescimento exponencial da actividade económica relacionada com o turismo. De baixo valor acrescentado, de baixos salários, e de trabalho precário.
O resto, já se sabe. São salários baixos, cada vez mais baixos e cada vez com menos peso no PIB, e preços altos. Pela inflação natural, pela especulativa, e pela que resulta da procura induzida, especialmente na habitação, pelo turismo.
Daí a ilusão do advérbio de tempo na declaração de António Costa e Silva.
Há perto de 10 anos, Luís Montenegro, então líder parlamentar de Passos Coelho, ficou famoso pelo "país está melhor, os portugueses é que não". Hoje, é o Ministro da Economia a dizer que a melhoria da economia não está a chegar aos portugueses. É este o drama de Portugal - um país que parece divorciado dos portugueses!
E tudo isto já sem falar na desigualdade (brutal, escandalosa, e inadmissível no domínio fiscal) com que trata os residentes estrangeiros e os nacionais!
Vem aí o 10 de Junho. Sabe-se que as comemorações só dão em festa e condecorações, mal amanhadas, tantas delas. Mas não ficaria nada mal darem também em reflexão...
Assinala-se hoje o Dia Internacional da Mulher, e fala-se por isso das desigualdades de que as mulheres continuam a ser vítimas, num mundo organizado de forma marcadamente machista. Mesmo que sejam predominantes em muitas classes sócio-profissionais do topo da nossa sociedade, também em Portugal a desigualdade é flagrante. Porque não é uma andorinha que faz a Primavera, a assimetria entre homens e mulheres continua a marcar a nossa conservadora e muitas vezes desestruturada sociedade.
Mas fala-se também do sucesso do atletismo português nos campeonatos da Europa de pista coberta, que foi tão só a segunda melhor representação na competição disputada na Polónia, no melhor desempenho de sempre do atletismo nacional numa grande competição internacional, com três medalhas de ouro.
Os três novos campeões da Europa, e agora sérios candidatos a medalhas olímpicas nos próximos jogos do Japão, têm uma particularidade em comum: são portugueses que não nasceram portugueses. São portugueses que escolheram ser portugueses!
Patrícia Mamona (um espectáculo de elegância) nasceu angolana, e por força da História mais perto de Portugal. Pedro Pichardo nasceu em Cuba, e é português há três anos. Há tantos como Auriol Dugmo, que nasceu nos Camarões, e escolheu Portugal para encontrar futuro, e Fátima, pelo que consta da sua biografia. Por isso escolheu Leiria para viver e treinar.
Provavelmente não haveria oportunidade mais própria para esta exaltação da portugalidade nas pessoas de gente que escolheu viver connosco, e ser gente de nós. Quando uns tantos tentam espalhar xenofobia e racismo na sociedade portuguesa é bom encontrar estes portugueses de bem, com que irónica e cirurgicamente o Record enche a sua primeira página.
Com a devida vénia ao Record este título não podia ser outro.
Percebeu-se desde que foi anunciado que o actual confinamento era a brincar. Talvez pelas mesmas razões que a abertura dada para o Natal, que todos os partidos, e não só o governo, promoveram, mesmo que dias depois reclamassem contra a decisão. Mas não seria de esperar que os portugueses brincassem tanto com ele.
O que aconteceu no fim de semana, com os paredões das praias apinhados de gente, e as esplanadas cheias que nem um ovo com serviço ao postigo, como se não tivessem visto filas de ambulâncias à entrada dos hospitais, como se o país com mais infecções diárias da Europa, e o segundo do mundo, não fosse o nosso e fosse outro qualquer num outro recanto do planeta, é, no entanto e infelizmente, mais que de gente a brincar com o fogo. É mais que de gente ignorante e irresponsável, é de gente feita apenas de umbigo, indiferente a tudo o que se passa à volta e a qualquer noção de comunidade. É gente desprezível que despreza toda a gente!
E quando assim é, quando assim somos, bem podemos culpar governos e instituições... Podemos até culpá-los por sermos assim...
Apesar de tudo - das nossas queixas, de atropelos vários, dos políticos serem isto e aquilo, etc. - segundo o Relatório da Democracia de 20108, do Projecto Variedades da Democracia (V-Dem), desenvolvido por uma rede global de investigadores e peritos com sede na Universidade de Gotemburgo, Portugal é o décimo país mais democrático do mundo, como noticia o Público.
À nossa frente, num dos rankings que mais conta, ou que mais nos deve importar, só países com lugar cativo na vanguarda da democracia e da decência: Noruega, Suécia (sim, também já a contas com a extrema direita, como se viu nas eleições do fim-de-semana), Suíça, Dinamarca e Finlândia; a Estónia e a surpreendente (pelo menos para mim) Costa Rica; e as longínquas mas saudáveis Austrália e Nova Zelândia.
Curioso, e sem dúvida decepcionante, é que a este 10º lugar na geral - digamos assim -, e mesmo ao 11º na análise sectorial que recorre aos indicadores eleitoral, de liberdades e de igualdades sociais, corresponda um 38º lugar quando se chega a indicadores de participação politica. Não me quero precipitar, mas desconfio que isto quer dizer que a democracia de que desfrutamos, e com a qual somos tão críticos, nos dá as nozes. Nós é que não temos os dentes. Se calhar gastamo-los a dizer mal...
A semana arrancou com o desaparecimento de dois grandes portugueses, logo nos primeiros dias: António Arnaut, um notável activista da cidadania e da política, a quem foi atribuída a paternidade do Serviço Nacional de Saúde, na segunda-feira e, logo no dia seguinte, Júlio Pomar, uma das mais proeminentes figuras da pintura portuguesa, condição que nunca isolou da cidadania e do activismo político, particularmente na resistência à ditadura salazarista.
Portugal ficou mais pobre. Um país tão deficitário em grande gente fica sempre mais pobre quando perde os maiores!
Mas não é disso, dessa perda, que quero falar hoje. Nem da unanimidade nacional manifestada à volta de Júlio Pomar. O povo, se não sempre, na maior parte das vezes, protege os seus artistas, vendo-lhes no génio com que nasceram uma espécie de bênção dos deuses.
Quero falar de António Arnaut para ilustrar a nobreza da actividade política. Para demonstrar que é possível dedicar a vida à política, ter actividade política ou ser político, com honra. E como isso é apreciado pelos portugueses.
Bem sabemos que nós, portugueses, só gostamos de dizer bem das pessoas depois de mortas. E como esse princípio genético nos abriu as portas da hipocrisia, tão cara também à nossa maneira de sermos portugueses. A ponto de não termos grande pejo em, depois de morto, fazermos de qualquer meliante uma pessoa de bem e de bom nome. Mas a forma como ouvimos o país falar de António Arnaut, da direita à esquerda, não é mérito desse pouco meritório atributo dos portugueses.
É a prova que a honra, na política como em qualquer outra actividade, assenta na nobreza dos valores e na integridade com que se defendem. António Arnaut nunca fugiu ao combate político, como nunca fugiu das causas mais difíceis, ou mais fracturantes, como agora se diz. Soube sempre de que lado queria estar, e soube sempre lá estar… Íntegro, direito e hirto. E livre!
Mais do que o Serviço Nacional de Saúde, essa obra-prima do Estado Social que agora vemos agonizar, devemos-lhe o exemplo.
Ora aí está. Nisto somos mesmo bons, melhores que no futebol, se é que isso é possível, numa altura em que tudo o que mete bola no pé é connosco. Na relva, nos pavilhões ou na praia...
Pronto. Podemos não ser melhores a criar impostos que a jogar à bola, mas lá que somos muito bons, somos. É aquela criatividade inata, aquele movimento gingão, aquele drible (ao contribuinte) fatal... É o Cristiano Ronaldo das finanças...
A comissão europeia só tem que aproveitiar este nosso dom natural para fazer impostos como quem faz rebiangas, trivelas ou cabritos.
A proposta portuguesa de, para fazer crescer as receitas comunitárias, e atenuar os efeitos do brexit, ir ao bolso das plataformas digitais e das empresas poluentes não é descabida. Faz até todo o sentido. Pena é que para cá, para consumo interno, não tenham a mesma criatividade. Quando é cá para nós qualquer imposto sobre os combustíveis, imposto automóvel ou IVA serve!
O que por aí se vai vendo sobre os resultados eleitorais na Catalunha é verdadeiramente extraordinário. Os portugueses alinhados com a soberania catalã, exultam com a vitória inequívoca das forças independentistas e com o desaparecimento do PP de Rajoy do mapa político da Catalunha. Já os portugueses entregues de alma e coração ao espanholismo cantam a vitória clara dos constitucionalistas, e ignoram os resultados do primeiro-ministro espanhol, porque o que conta é o Ciudadanos.
Poderão estar neste momento a pensar que é sempre assim. Que já estamos habituados a que todos ganhem e ninguém perca. É verdade. Mas só é verdade por cá, deste lado da fronteira. Lá, em Espanha, não se passa nada disso. Os espanhóis, os interessados directos, não têm dúvidas nenhumas sobre os resultados das eleições. E muito menos sobre as complicações que eles trazem agarrados...
Os jornais, as televisões - a TVE foi pouco menos que escandalosa - e os comentadores espanhóis, que na campanha eleitoral foram tudo menos plurais, conhecidos os resultados, meteram a viola no saco. Por cá, isso é sempre mais difícil. Mesmo quando as coisas não nos dizem assim tanto respeito...
Francamente: não sei se esta estranha relação com os resultados eleitorais é uma idiossincrasia portuguesa, ou se é apenas o estado de futebolização a que o país chegou!
Não é apenas por falta de emprego que milhares de portugueses saem cada vez mais do país. Também é por coisas como as que se contam no texto anterior. E no anterior. E em tantos outros, por aí abaixo. É por tudo isto que, como o Jorge Fiel, cada vez mais portugueses têm vergonha de ser portugueses... E por isso desistem de Portugal. E também por isso partem, deixando os que cá ficam cada vez mais envergonhados disso!
Bem sei disto tudo, e bem sei quão difícil é perceber um país que isto tudo permite. Mas ninguém me consegue convencer que estas sondagens, efectuadas logo a seguir às autárquicas, não passam de mais uma escandalosa aldrabice!
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