A expressão "preconceito ideológico" é usada para "chutar para canto" o contraditório em qualquer discussão. Atira-se com " isso é preconceito ideológico" e arruma-se com a questão.
A direita e a esquerda têm preconceitos, mas se forem ideológicos, aí, só há na esquerda. A direita, e em particular a direita liberal, rejeita "preconceitos ideológicos", e consegue até fazer do "preconceito ideológico" uma espécie de pára-raios, onde acaba por se espetar tudo o que contrarie as suas teses.
Era assim até ver escrito, na última edição do "Expresso", pelo seu director, que em Portugal não há investidores [capazes de deitar mãos à TAP] porque ... "décadas e décadas de impregnação na política de teorias bacocas da esquerda anticapital ajudaram a diabolizar o empresário português e nunca permitiram a criação de uma classe empresarial forte e com capacidade de investir no que de melhor temos".
Confirmando no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o preconceito é uma ideia ou conceito formado antecipadamente, e sem fundamento sério ou imparcial. Mas também é uma opinião desfavorável que não é baseada em dados objectivos. Ou, ainda, crença em coisas fantásticas, sem relação racional entre causa e efeito.
É isso. O João Vieira Pereira acredita nessa coisa fantástica que os empresários portugueses não têm capital, nem capacidade de investir, porque são diabolizados pela "esquerda anticapital".
Foi notícia em todo o lado, com reportagens em todas as televisões, o impedimento de uma miúda de 13 anos - nascida no Paquistão e residente em Tavira - participar num jogo de basquetebol, em Albufeira. Tudo porque, sendo muçulmana e usando hijab, usava por baixo do equipamento oficial peças de roupa que lhe cobriam as pernas e os braços, coisa que a equipa de arbitragem entendeu violar os regulamentos.
Parece no entanto que não. Os regulamentos da Federação Internacional de Basquetebol prevêem, desde há dois anos, a possibilidade de jogadoras muçulmanas cobrirem a cabeça e o corpo. Daí que apenas sobrem razões de ordem estética (que não podem, evidentemente, depender do critério da equipa de arbitragem, mas deixemos isso de lado), até porque não foi pela cobertura das pernas - com uns comuns collants, por muitas dúvidas estéticas que os calções também levantem - que o impedimento foi invocado. Foi pela cobertura dos braços, com uma inestética (mesmo assim menos que os calções) camisola de manga comprida por baixo da camisola de alças do equipamento usado comummente na modalidade.
Tudo apontaria para que aí estivesse mais um dos infindáveis casos de preconceito dos nossos dias. Não me parece. Parece-me mais qualquer coisa que se resolva com facilidade numa visita a uma loja da Nike. Que certamente já pensou nisto!
Regresso aos sinais dos tempos que vivemos. Tempos estranhos, carregados de preconceitos que subvertem os verdadeiros problemas do nosso mundo, particularmente nas sociedades desenvolvidas, autenticamente viradas do avesso.
Na semana passada fomos surpreendidos com um estranho autoflagelo do primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, uma das vedetas da actual política internacional. Em plena campanha eleitoral, também no Canadá, veio a lume uma fotografia de uma festa de finalistas, há para aí uns 30 anos, em que o jovem Trudeau surgia maquilhado de escuro, num disfarce de Aladino, logo usada pela paranóia instalada dos tempos que correm para ser acusado de racista.
Quando se esperaria uma reacção de denúncia da infundada e abusiva acusação, completamente contra-senso, foi o próprio Trudeau que veio de imediato assinar por baixo, publicamente mostrar arrependimento e pedir desculpa pelo acto cometido na juventude, e do qual se sentia profundamente envergonhado.
Aquele acto de contrição, de violento autoflagelo, era ainda mais paranóico que a acusação inicial. E por isso mais chocante!
Trudeau não pedia desculpa por um acto racista que ninguém de bom senso reconhece, e que bem sabe não cometeu. Reagia apenas ao medo que marca os tempos que correm, num acto de tremenda cobardia perante essa tenebrosa tribo do preconceito politicamente correcto. Trudeau não a combateu, como a condição de líder mundial lhe impunha, juntou-se a ela e deu-lhe ainda mais força.
Não admira por isso que no início desta semana tivemos assistido a mais uma demonstração desta força das trevas. Desta vez a desdita caiu que nem uma bomba em cima do Bernardo Silva, a estrela da selecção nacional de futebol e do Manchester City, e por sinal uma joia de moço. Limitou-se a uma brincadeira, no Twitter, com um seu colega de equipa e amigo, o francês Mendy – negro, evidentemente - prontamente correspondida pelo seu interlocutor, usando uma imagem de um boneco negro de uma conhecida marca de chocolates.
A turba não perdoou, e saltou em comentários enfurecidos e queixas e denúncias por todo o lado. O rapaz apagou o que escrevera, mas já não lhe valeu de nada. A Federação inglesa abriu um inquérito por comportamento racista. Diz-se que poderá ser castigado com 7 jogos de suspensão!
Está a decorrer em Angola o campeonato do mundo de hóquei em patins. Os jogos da selecção nacional, que procura recuperar o título há muito perdido, estão a ser transmitidos no canal 2 da RTP.
Há muito que, também para mim, esta modalidade perdeu o encanto e o interesse. E digo também para mim porque a verdade é que é cada vez menor o interesse que desperta, mesmo nas poucas regiões do mundo onde ainda tem expressão. As pessoas e as instituições que têm por dever preocupar-se com isso vão lhe introduzindo regras novas, com o objectivo, de melhorar o espectáculo e a competição e, assim, reverter o clima de perda em que o hóquei em patins há muito entrou. E novas configurações que tornem a modalidade telegénica, capaz de captar os interesses das televisões, que hoje sustentam todas as grandes competições desportivas.
Estes têm sido objectivos sucessivamente falhados, deve dizer-se. Não há muito a fazer quando uma modalidade não tem expressão global, e o hóquei em patins passou ao lado da globalização. Perdeu a beleza estética que os portugueses lhe emprestaram, em particular nas décadas de 60 e 70 do século passado e, com isso, a dimensão de espectáculo capaz de agradar aos olhos do espectador. E perdeu dimensão competitiva, se é que se possa falar de competitividade numa modalidade que em toda a sua história tem cinco campeões do mundo, três dos quais, pode dizer-se, contingenciais: a Inglaterra, que apenas ganhou os dois primeiros, nos longínquos anos de 1936 e 39, e a Itália (1953,86,88 e 97) e a Argentina (1978,84,95 e 97) por quatro vezes cada. Espanha e Portugal - que já não ganha há 10 anos e que neste século apenas ganhou por uma vez (2003, em Oliveira de Azeméis) – com 15 campeonatos do mundo cada, somam 30: praticamente 80% dos títulos!
Também por isso não é modalidade olímpica, embora já lá tivesse passado como modalidade de exibição, em 1992 – Barcelona, como não podia deixar de ser, e onde Portugal ficou fora das medalhas (Argentina, Espanha e Itália). E por isso um campeonato do mundo de hóquei em patins não tem, nem de perto nem de longe, nada que ver com uma qualquer grande competição mundial. E que, evidentemente, está a nos luz do futebol onde um Campeonato do Mundo, como do Brasil do próximo ano, é um acontecimento mundial que mobiliza milhões de pessoas por toda a parte.
Mas não foi para falar de hoquei em patins, nem de campeonatos do mundo, que iniciei este texto. Isso acabou por vir a talho de foice, porque, dizia eu, os jogos da selecção nacional estão a ser transmitidos na RTP2. Que ontem jogava precisamente com a selecção anftriã, num jogo que prometia - em causa estava justamente o apuramento da selecção angolana para os quartos de final - e que me obrigou a uma irresistível espreitadela. O relato estava a cargo do Paulo Catarro, agora correspondente em Angola da estação pública de televisão, que, como se a transmissão não fosse a cores, entendeu dar-nos os pormenores dos equipamentos das duas selecções: "a selecção nacional apresenta-se com o seu equipamento alternativo, de meias e calções azuis e camisola branca" (cores recuperadas das décadas douradas de 60 e 70) e "a selecção angolana com o seu equipamento habitual de camisola vermelha e calção negro".
Nunca na minha vida, tratando-se de equipamentos, tinha ouvido falar de calções negros. Sempre ouvi falar de calções pretos e, para mim, os calções se são pretos, são pretos, não são negros. As calças, se são pretas, são pretas. Não são negras.
Fiquei a saber que, para este correspondente da RTP em Angola, os calções são negros. Como o preconceito...
Ah! A selecção nacional ganhou por 5-1 e a de Angola ficou fora do seu mundial!
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