Cavaco voltou a fazer das suas. Provavelmente para assinalar a eleição do seu sucessor e associar-se, também ele, ao fim da longa noite cavaquista, com mais uma desnecessária afronta institucional e, mais uma vez, em flagrante violação da Constituição.
Pode simplesmente ter sido porque sim. Porque lhe está na massa do sangue. Mas, ao vetar as alterações à lei da interrupção voluntária da gravidez e a lei da adopção por casais do mesmo sexo, depois de esgotado o prazo que a Constituição lhe concede para o efeito, no dia seguinte às eleições, não ficam muitas dúvidas que, não querendo deixar de afrontar a actual maioria parlamentar, não quis que isso atrapalhasse a campanha de ninguém.
Mais uma cavaquice. Não terá sido certamente a última... Mas antes ainda vai ter que promulgar o que agora vetou!
Numa campanha propositadamente despolitizada, despida de conteúdo politico, em que Marcelo inovou transformando-a num case study, apenas Henrique Neto trouxe verdadeiro conteúdo para a discussão política. Mesmo pregando no deserto, e sem um discurso mobilizador e entusiasmente, apresentou ideias e fez propostas.
O eleitorado não valorizou nada disso, nem lhe reconheceu grandes méritos. Como não sou dos que entendem que a culpa está nos eleitores, teve que haver alguma coisa de errado na estratégia de comunicação de Henrique Neto. É o que sucede sempre que as ideias não passam... Outras vezes o problema está nas próprias ideias, que parecendo boas acabam sempre por ter qualquer coisa que as enrola.
Curiosamente, o que me parece que falhou em Henrique Neto foi mesmo a substância política. O maior erro esteve em enfileirar no regime despolitizado da campanha, acabando, ao fugir dos partidos, por fugir da política. Estar acima dos partidos é uma coisa, como bem mostrou Marcelo. Eliminar a política, esbater a ideologia, é outra. Incompatível com o debate de ideias, como também - e tão bem - Marcelo explicou!
Sem equadramento político e doutrinário as ideias, mesmo as melhores, perdem-se. Não valem de nada e acabam no esquecimento colectivo com o rótulo de populismo. O que é uma pena, especialmente quando há tão poucas!
Percebemos que há muito boa gente que não percebeu nada disto.
Maria de Belém, e boa parte do aparelho socialista, não percebeu nada disto. "Isto", no caso, é aquilo a muita gente chama "tempo novo". E, ao não perceberem nada disto, só mostraram como é fraca a poderosa ala direita do PS. E os equívocos do aparelhismo...
Para percebermos que também o PC, que costuma perceber tudo depressa, não percebeu nada disto, bastou uma frase. De Jerónimo de Sousa: "Podíamos arranjar uma candidata engraçadinha, mas não somos capazes de mudar". Pois não!
O PSD, não será o PSD profundo mas certamente o PSD mais papista que o Papa - que ainda é Pedro Passos Coelho - que se espalhou pelo comentário das televisões, também não percebeu nada disto. Não percebeu que não há vinganças, que a sociedade portuguesa já acomodou os resultados das legislativas, que Cavaco vai embora, e que Marcelo é outra coisa. Que não tem nada a ver...
Também não percebeu nada disto quem, onde voltam a estar este PSD e o seu permanente parceiro do lado, não percebeu ainda que António Costa nunca perde. O PS perdeu, mas o primeiro-ministro não. De maneira nenhuma, como se perceberia mesmo sem necessidade de o ouvir na noite de ontem.
Sem surpresa, a abstenção continua a crescer e a confirmar o divórcio dos portugueses com a coisa política. Nunca foi tão elevada em eleições (que não em reeleições) presidenciais, e só não se pode dizer que mais de metade dos portugueses desistiu já de participar com o seu voto, porque nestes mais de 50% de abstenção, uma boa parte - à volta de 17 - não é pessoas. É falta de decência técnica!
Sem surpresa, Marcelo ganhou à primeira volta e, sem surpresa, é o próximo Presidente da República. Sem supresa o resultado eleitoral de Sampaio da Nóvoa que, não fosse Marcelo, lhe daria para disputar a eleição à segunda volta. Sem surpresa, a não ser no grau, a severa derrota de Maria de Belém e da ala e dos equívocos que representa no PS. E ainda sem grande surpresa, Marisa Matias confirmou o resultado eleitoral do espaço político que representa, que inquestionavelmente se confirma como terceira força política do desgastado xadrez partidário do país.
Afinal, surpresas apenas duas: o desastre eleitoral do candidato do PC e o êxito eleitoral de uma figura como Tino de Rãs. Surpreendente, o primeiro, porque os comunistas costumam segurar bem os seus voltos. E parece que já não o conseguem... O segundo porque, apesar de fenómenos desta natureza acontecerem com frequência em muitas democracias, tem a surpresa de uma expressão ao nível das candidaturas de Edgar Sllva e de Maria de Belém. De outro campeonato!
Desta noite eleitoral fica sobretudo o insólito de, na RTP, terem sido os próprios candidatos a anunciar a vitória absoluta de Marcelo. Às oito da noite, com a pompa do count down, José Rodrigues dos Santos anunciava o resultado exclusivo da sondagem da Católica à boca das urnas, que, apregoava ele, acertava sempre ... Que afinal, com o seu intervalo de 49 a 52% dos votos para Marcelo, não acrescentava nada às sondagens todas das últimas semanas...
Depois, claro, já todos os candidatos davam os parabéns ao presidente eleito e ainda a RTP estava presa pelo limite inferior da sondagem.
Não é fácil tirar as subvenções vitalícias e a decisão do Tribunal Constitucional da ordem do dia. Porque o assunto choca, e já não é de agora, e pelo impacto político na campanha eleitoral em curso.
Mas também por outras razões. Já certamente repararam na muita gente que está a chamar a atenção para o facto dos que agora contestam esta decisão do Tribunal Constitucional serem precisamente os que, antes, aplaudiam as outras. Não há, evidentemente, nenhuma contradição nisso: ninguém está obrigado a concordar sempre com as decisões do Trinunal Constitucional. Está, sim, obrigado a acatar e a cumprir essas determinações. Nada mais que isso. Tudo o que se pretender que vá para além disso não passa de uma tentativa de manipulação da opinião pública, com o objectivo de limpar a governação anterior de todas as inconstitucionalidades e demais desgraças da sua acção.
Não sobrarão grandes dúvidas que, no contexto das presidenciais, é Maria de Belém quem sai mais penalizada. Não sei se a divulgação da notícia no dia do debate geral na RTP é mais que uma coincidência. Nem se ela própria percebeu logo que era o alvo, e se por isso se refugiou no pesar pela morte de Almeida Santos para evitar a presença no debate. Sei é que, se é Maria de Belém quem mais perde, quem mais ganha é Sampaio da Nóvoa. Que, como se viu, aproveitou a oportunidade. Mesmo que mal, acabando até por chamuscar os apoios presidenciais de que tanto diz orgulhar-se.
Entre os apoiantes de Sampaio da Nóvoa, além do mais mandatária para os assuntos constituicionais, está a deputada da mil e uma causas e de opinião desenvolta, Isabel Moreira. Que foi na altura - já lá vai mais de uma ano - quem precisamente deu a cara por tão chocante coisa. Ao lado de Pedro Passos Coelho, Marques Guedes, José Lelo e Couto dos Santos, e que por isso agora está calada. Talvez os portugueses não se esqueçam...
É curioso que ainda ninguém se tivesse lembrado que Marcelo se baldou à tropa. Que só agora o tema seja assunto. Normal, à época.
Não que fosse normal, na altura, escapar à guerra colonial. E muito menos à tropa, que sendo a mesma coisa, mas não era bem a mesma coisa... Toda a gente lá ia bater com os costados, sem apelo nem agravo. A não ser que desertasse. Ou que tivesse padrinhos...
E aí está. O que não faltava - não falta, nem nunca faltou - a Marcelo foi padrinho. Nem percebo porque se fala tanto do pai, simples ministro do Ultramar...
Mas, como bem se sabe, isso aqui não interessa nada. Lá para a América é que têm a mania de levar estas coisas a peito...
O diabo tem destas coisas. Marcelo, que tem andado a fingir-se de morto, a passar entre os pingos da chuva - e como tem chovido! - convencido que nada incomodaria o passeio triunfal que o haverá de levar a Belém hoje, frente a Sampaio da Nóvoa, teve de fazer pela vida.
Por ter entendido que este seria o seu principal adversário, ou porque simplesmente entendeu que não poderia continuar escondido por muito mais tempo, Marcelo teve hoje que sair da toca, na expressão feliz do infeliz - arruaceiro, seria mais bem dito - Jorge Jesus. E, imagine-se, saiu-se mal. As coisas não lhe correram nada bem, foi uma chatice. Uma maçada, diabo...
Afinal, o comunicador não é bem o tal comunicador. A velha raposa, é afinal muito velha e pouco raposa... Nem a memória é bem memória, quanto mais de elefante. Afinal esta coisa de anos de púlpito a versar sobre tudo o que seja tema, dá notoriedade mas também tem custos. Que só não são mais caros porque, em matéria de participação política, nós somos assim: não somos muito de nos incomodar com a aldrabice e apreciamos a pantomínia. E quando alguém nos cai em graça, pouco nos importa que diga tudo e o seu contrário.
Sorte tem Marcelo em ter-nos assim. Não fosse essa sorte, e o diabo seria bem capaz de as vir a tecer...
E quase ao fim de uma semana de debates televisivos conhece-se uma ideia de Maria de Belém: com Belém em Belém - que é como quem diz: com tudo no seu sítio - os chefes de Estado visitantes serão recebidos para jantar em lares de idosos.
A ideia - como diria o diácono Remédios - até é uma boa ideia. Mas é também de plástico...
Não sei - não faço mesmo ideia - como o país real está a seguir esta maratona de debates presidenciais com que o novo ano abriu. Admito que com grande indiferença! Provavelmente com a indiferença do costume, que nem o mau tempo que certamente prendeu mais as pessoas por casa, conseguiu contariar. Também, com alguma probabilidade, com a indiferença que o excesso provoca: uma tamanha dose diária de debates só não afasta quem, por dever, não possa afastar-se.
Viu-se de tudo o que se espera ver quando os candidatos são tantos. Dez, nunca houve tantos. Viu-se, logo a arrancar, um murro na mesa de Cândido Ferreira (na foto). Tão violento quanto justo. E justificável. E viu-se o inenarrável Tino a lançar foguetes e a fazer a festa, todo contente, com as canas. E a partir destes dois momentos altos viu-se claramente visto que Marcelo está ali para não ser incomodado - o que passa por não incomodar ninguém - neste seu passeio que pretende o mais descontraído possível. Nem que para isso tenha que se prestar a alguma figuras de que, de todo, se deverá orgulhar...
Se já se previa fácil e tranquílo esse passeio de Marcelo a caminho do plesbiscito do próximo dia 24, mais fácil se percebe pelo desempenho daqueles que supostamente seriam os seus principais adversários. Dos dois que, pelas sondagens, discutirão o segundo lugar, que numa forçada segunda volta lhes poderia abrir a janela da bipolarização, que na maior parte das vezes deixa entrar o ar da esquerda. Com maior - Maria de Belém - ou menor surpresa - Sampaio da Nóvoa - os dois maiores adversários de Marcelo não conseguiram fugir a prestações medíocres.
Ao contrário de Henrique Neto que, já com alguma experiência em televisão, e sabendo que o único caminho que tem pela frente é o do ataque, surge neste momento como vencedor do prémio da combatividade desta maratona, ainda com cheiro a S.Silvestre. Que Marcelo ganha sempre, sem precisar de fazer nada...
Marisa Matias tem discutido com Henrique Neto a primazia pela substância do debate, e Edgar Silva está ali apenas para segurar o eleitorado do PC, para aproveitar este palco para os ataques ao PS, que noutros são agora mais complicados.
Se alguém depositava altas expectativas em Paulo Morais, desiluda-se. Ao esgotar o seu espaço de intervenção no mono tema corrupção, numa abordagem muitas vezes demagógica, arrisca-se a banalizar um tema central da vida do país. E a pior maneira de enfrentar um grande problema é banalizá-lo!
Quando Cavaco, mais de três semanas depois de se conhecerem os resultados eleitorais, começa finalmente a dar os primeiros passos do protocolo para a indigitação do primeiro-ministro, coisa que depois de tudo protocolado deverá dar governo lá para o Natal, sabe bem lembrar que já dá para contar os dias que lhe restam em Belém.
Só por isso dá vontade de virar a agulha para as eleições presidenciais que aí vêm. Dizem os comentadores encartados que a pulverização de candidaturas presidenciais à esquerda facilita a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa logo à primeira volta. Não há nada que suporte esta tese, que não resiste aos primeiros testes de validação.
Como é facilmente demonstrável, e sem necessidade de recorrer ao velho axioma que a maioria do eleitorado é de esquerda, Marcelo, sendo quem é, e depois de preparar e conduzir a candidatura como fez, não estará neste momento muito longe daquilo que será seu potencial de votos. A sua margem de crescimento é naturalmente já bastante limitada.
Os votos que tem já por garantidos serão, ou não, suficientes para lhe garantir a preferência de mais de 50% dos eleitores que forem votar. E isto é independente do que são e de quem são os adversários. Mais ou menos candidaturas à esquerda, para esse resultado, não aquece nem arrefece. O que aquece ou arrefece, o que é determinante, o que pode ser a variável crítica dessa equação é a abstenção.
Evidentemente que quanto maior for a abstenção maior será a expressão relativa daqueles votos. Mais fácil será transformá-los numa expressão maioritária. A matemática não engana… Ninguém terá grandes dúvidas que a abstenção tende a variar na razão inversa do número de candidaturas. Quanto maior for o campo da oferta, quanto maior for o apelo, menos razões haverá para que as pessoas se abstenham.
Ora aqui que está o que será, mais que a resposta chave, a resposta dupla. Enquanto demonstra que a ideia é falsa, explica por que é que a querem fazer passar por certa!
Outra coisa é dizer que a proliferação de candidaturas à esquerda pode facilitar a vitória de Marcelo, sim, mas na segunda volta. Mas essa, como não serve os mesmos interesses, não faz caminho.
Não custa muito a perceber que se, em especial as candidaturas do Bloco e do PCP, fossem até às urnas, a candidatura promovida pela direita – não é a de Marcelo, é a que já transporta Belém no nome – com o apoio que tem no aparelho do PS, teria boas possibilidades de ser a segunda mais votada numa primeira volta. Circunstância – provavelmente única – que, na eventual segunda volta, asseguraria a eleição de Marcelo.
É o que se chama não dar ponto sem nó...
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