De vez em quando ouvia-se e lia-se que a nossa Presidência da República custava mais ao país que, por exemplo, a coroa espanhola. O nosso presidente era o austero Cavaco, o rei de Espanha era o esbanjador Juan Carlos, das caçadas e amantes...
Na semana passada foi notícia que o director do Museu da Presidência da República fora detido pela Polícia Judiciária. Todos os dias novas notícias acrescentam novas acusações ao rol inicial, na impressionante escalada de burla e crime a que o comendador Diogo Gaspar - já não há dúvidas que as condecorações de Cavaco passam a ser objecto de registo criminal - foi dando corpo ao longo de 16 anos.
Percebe-se como é que um austero e provinicano presidente de um pequeno país gastava bem mais que um cosmopolita monarca do seu vizinho do lado. Bem maior, por sinal. E talvez se perceba por que seja a Presidência da República o mais opaco organismo público em matéria de contratação. Ainda hoje. à Correio da Manhã é certo, é dada mais uma notícia de uma adjudicação directa do mesmo Diogo Gaspar, no passado 10 de Junho.
Ficou bem a Marcelo recusar o Mercedes que Cavaco lhe comprou. É simbólico, não encurtou gastos nenhuns, mas fica sempre bem. Não lhe fica menos bem pôr agora o Palácio de Belém na rota da decência na utilização dos dinheiros públicos. A começar pelo cumprimento da lei na contratação de bens e serviços.
Já não é feriado. Mas é domingo... O que, ao contrário do discurso do Presidente, dá para disfarçar...
E dia em que o maior país de língua portuguesa vai a voltos, à escolha de um presidente, que será presidenta. No país do samba, muitas vezes de uma nota só, exactamente como o discurso do presidente que em má hora por cá escolhemos.
Um discurso de uma nota só, a de um esgotado apelo ao consenso para o qual há muito perdeu legitimidade. Tanto mais quanto mais insiste em ignorar as suas imensas responsabilidades no estado a que o país chegou!
Para Cavaco todos são responsáveis pelo que de mau aconteceu e acontece no país. Menos ele próprio e o governo que apoia... Estranho!
O Presidente está a concluir a ronda de consultas pelos partidos políticos e parceiros sociais. Uma formalidade, uma mera formalidade de um presidente que se esgota em formalidades…
Os meninos não se entenderam e lá estão as coisas nas mãos de Cavaco… O tal que, já Portas tinha apresentado a demissão, a poucas horas de uma das suas mais tristes figuras, ainda dizia do alto da sua cátedra que o governo não responde perante o presidente…
Até pode não responder. Mas chegou a hora em que o presidente responde pelo governo. É uma chatice, não é?
O presidente merece isto. E muito mais. A chatice é que, o país, não. Ou será que também merece?
Ao que se vai sabendo, à medida que o que se lá passou vai sendo trazido cá para fora – porque há gente que lá está que faz disso modo de vida -, a reunião do Conselho de Estado esteve quentinha, e não correu nada ao jeito do Presidente, que só estava interessado no pós-troika. Bom, convergência e consenso também davam jeito…
De resto, se percebemos muito bem por que Marques Mendes convocou o Conselho de Estado - obviamente para alimentar três ou quatro dos seus programas televisivos: um a anunciá-lo e dois ou três a chibar-se sobre o que lá se passou – ainda não conseguimos perceber por que é que Cavaco confirmou essa convocatória. Para pagar dívidas, provavelmente…
A coisa foi de tal ordem que só faltaram cadeiras pelo ar, porque de resto houve de tudo. Até um comunicado final imposto pelo Presidente, que nada tinha a ver com o que lá se passara. Bonito… Sem dúvida. E bem demonstrativo do Presidente que temos …
Houve naturalmente quem não gostasse e tivesse liderado uma rebelião. E o Comunicado esteve por um fio…até que lá veio Marcelo Rebelo de Sousa, sempre conciliador, a pôr água na fervura. E a cozinhar aquela coisa do “adequado equilíbrio entre disciplina financeira, solidariedade e estímulo à actividade económica”. Ou do “enfrentem, com êxito, o flagelo do desemprego que os atinge e reconquistem a confiança dos cidadãos”. Sem dizer nada do que lá se tivesse passado: isso ficaria para si próprio e para o seu colega de partido e de ofício…
Não tenho grandes dúvidas que, por muito que Marques Mendes insista, Cavaco não voltará tão depressa a convocar o Conselho de Estado. Tenho é dificuldade em perceber por que é que toda aquela gente se aguentou lá aquelas horas todas sem bater com a porta e deixar o Presidente a falar sozinho, mesmo que sozinho nunca ficasse: dois deles ficariam sempre até ao fim, para poder contar tudo…
Não fiquem já a pensar que foi isso que fez Mário Soares. Esse apenas tinha que se deitar cedo…
O presidente apelou ao consenso, mas parece que pouco mais faz que quebrá-lo. Ou que avisar… Bem avisar!
O governo quer estender para fora o consenso que não existe lá dentro. Nos conselhos de ministros parece que já pouco falta para andar tudo à batatada… Até Vítor Gaspar apela ao consenso, e chama-lhe agora consenso esclarecido, quando o único consenso é correr com ele. Se forem capazes…
Consenso, consenso é no PS. O congresso deste fim-de-semana foi mesmo para mostrar ao Presidente e ao Governo que consenso é com eles. António José Seguro é ele próprio o consenso, eleito com mais de 96% dos votos. Na nova Comissão Política não podia haver mais consenso…
É até consensual que Seguro aplaudiu o discurso de Cavaco. Não aplaudiu de pé, é certo. Foi apenas sentado, o que - é consensual - faz toda a diferença. E não põe em causa o consenso no PS contra o discurso de facção do presidente…
Tem-se feito aqui eco da dificuldade em perceber a posição do Presidente da República em toda esta situação – como em tantas outras – que envolve a fiscalização do orçamento pelo Tribunal Constitucional. No último texto passava-se mesmo a barreira da dificuldade para a da impossibilidade: quer dizer, não era difícil, era impossível perceber como é que o presidente, evidentemente porque tinha dúvidas sobre a constitucionalidade, pede a fiscalização do orçamento e, vendo o Tribunal Constitucional confirmar as suas (parte das suas, como adiante se verá) e as dúvidas de muitos outros, num ambiente de claro esgotamento do governo, opta pela cumplicidade em vez de procurar uma solução que permitisse começar a juntar os cacos.
Esta perplexidade levou-me a esta teoria da conspiração, que não quis deixar de partilhar convosco. Conta-se em poucas palavras:
Com dúvidas sérias sobre a constitucionalidade de algumas normas do orçamento, o presidente poderia (e deveria) ter pedido a fiscalização preventiva. Teria assim resolvido, em tempo, o problema;
Não o fez, e optou pela fiscalização sucessiva. Que se arrastou – como sempre se arrastaria - até aqui, a este preciso momento que, como é sabido, coincide com o do apuramento da execução orçamental no primeiro trimestre;
Execução orçamental que, e disso ninguém tem dúvidas, só pode correr mal. A alternativa a correr mal é correr muito mal, o que significa mais um momento de rotundo falhanço do governo e em especial da dupla Passos/Gaspar. Que, e como já se viu com o discurso de Passos Coelho – era inevitável -, é completamente escondido por trás da decisão do Tribunal Constitucional. A partir de agora tudo o que falha é consequência daquela decisão, nunca de um orçamento falhado, sem pés nem cabeça, obviamente inexecutável porque todas as premissas e previsões em que assentou são erradas ou falsas;
A cereja no topo do bolo não foi posta pelo presidente, foi o líder (?) do PS quem lá a colocou, com aquela desastrada moção de censura. A declaração da inconstitucionalidade do orçamento já não fragiliza o governo, reforçado na véspera com a derrota de uma moção de censura. Um bónus, a provar que há apostas que valem a pena;
Como não há teoria da conspiração sem uma maldadezinha, lembraria que uma das normas que o presidente enviou para o Tribunal Constitucional (TC) – e que foi o único a fazê-lo – é a que fixa a sobretaxa de solidariedade de 3,5%. Que toca directamente nas suas reformas, as tais que, apesar de lhe não darem para pagar as despesas, trocou pelo seu vencimento de Presidente da República. E que, afinal, foi considerada constitucional, deitando por terra uma (outra) teoria que alguns por aí faziam circular segundo a qual o TC estaria ao serviço de um tal Filipe Pinhal...
É conspirativo. Mas, a haver explicação, não encontro outra!
Acompanhe-nos
Pesquisar
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.