Desde que é Presidente da República, e nessa função, seja em que eleições for, das autárquicas às legislativas, Marcelo encontra sempre maneira de cruzar algures, num evento qualquer ou por "mera casualidade", com o candidato do seu partido durante a respectiva campanha eleitoral. Ontem, na abertura da Bolsa de Turismo de Lisboa, uns imbecis atiraram uma lata de tinta a Montenegro, que teve de perder uma hora para tomar banho e tirar a tinta do cabelo - que não "a irritação na pele e na face" - fizeram gorar "a coincidência" e Marcelo já só encontrou Nuno Melo. E teve que se limitar a um simples "está tudo a correr bem?".
Que sim, à excepção de uma lata de tinta, respondeu o líder centrista. "Já ouvi falar" - respondeu!
E pronto. Não deu para mais. Pode ser que fique para a próxima...
O Presidente Marcelo, que era omnipresente, com tudo para comentar e palpites sobre fosse o que fosse, que todos os dias nos aparecia de todo o lado, quando há tanto para dizer, e mais ainda para fazer, desapareceu.
Diria que meteu os papéis para a reforma. Não sei é se por missão comprida, se por missão cumprida!
O caso do tratamento das gémeas brasileiras condensa num único volume tudo o que é o funcionamento da sociedade portuguesa.
Na verdade em Portugal a "cunha" é uma instituição, a subserviência é uma forma de vida, o poder não precisa de ser exercido, basta ser exibido, e a política é um "salve-se quem puder" à custa dos jogos de palavras e de descaramento.
Ontem, o Presidente Marcelo - a última das personagens da cena política nacional que se imaginaria apanhado nestes enredos - deixando-nos a ideia, de que já desconfiávamos, que em televisão o humor é mais temível que o jornalismo de investigação (Marcelo "falou" logo no dia a seguir a Ricardo Araújo Pereira ter "pegado no assunto" para dizer o que sempre recusou à TVI/CNN), confirmou-nos tudo isso.
Incluindo o desfaçatez de que ninguém o julgava capaz. De princípio a fim. Abriu a querer convencer-nos que o filho dele - ou de alguém - começa a falar com pai, seja do que for, por "mail". Como se, mesmo que por absurdo, isso tivesse acontecido, não conhecêssemos todos o Marcelo para saber que seria ele próprio a pegar de imediato no telefone a perguntar-lhe o que era aquilo. E fechou a querer convencer-nos que, ao remeter aquele processo - já depois de ter circulado por todas as entidades competentes, e ter sido dado por encerrado em resposta do Hospital de Santa Maria - para o Gabinete de o Primeiro Ministro, simplesmente fez o que faz com todos os milhares de pedidos que diariamente lhe chegam de todo o país.
Pelo que já se conhece, incluindo o que mesmo ainda se não conhecendo já é por demais conhecido, não fossem esses exageros de desfaçatez, e seria fácil concluir que Marcelo fora apenas vítima da utilização do seu nome. Assim, com tantos exageros, fica apenas mais fácil concluir que Marcelo mexeu em tudo com o cuidado de não deixar impressões digitais. Mas deixando-se enrolar num grande novelo.
Já sabíamos de há muito que Marcelo se desbronca com facilidade. Agora ficou a saber-se que, para além de se desbroncar com facilidade, também se desbronca por heterónimo.
Não me parece que seja isto "o normal funcionamento das instituições". Mas é este o normal funcionamento da "instituição Marcelo".
Passaram já 24 horas sobre a comunicação de António Costa a anunciar que tinha apresentado o pedido de demissão ao Presidente da República. E que este o tinha aceitado.
De bom grado. Não o disse, mas sabêmo-lo nós.
Passaram 24 horas, e Marcelo, que nunca está calado, que fala sempre e sobre tudo, nada mais disse do que falaria amanhã. Só que, como não é nada de deixar para amanhã o que pode dizer hoje, resolveu falar calado. E como falou, calado, em directo em todas as televisões, num inigmático passeio noturno por Belém!
Para "apanhar ar" - disse. E, como se os jardins do Palácio não tivessem ar, lá seguiu à frente da procissão de jornalistas até ao Beco do Chão Salgado. Beco que, como o próprio nome indica, não tem saída. Mas tem significado. De traição.
Mas também de "vingança". Que se serve fria. Tão fria como o frio da noite. E nestas coisas de traição, vingança, e frio, Marcelo é requintado!
Há já algumas semanas recebi a informação que estava em curso uma operação de investigação a membros do governo e ao próprio primeiro-ministro. Foi-me apresentada como uma bomba que estaria prestes a rebentar. E não era para menos.
A minha "fonte" era, para mim, de credibilidade máxima. O facto dessa informação permanecer durante semanas fora do circuito mediático, e mesmo do "boateiro", acrescentava-lhe, do meu ponto de vista, ainda mais credibilidade.
Por isso, as notícias das buscas e das detenções de hoje não me apanharam de surpresa. A surpresa foi que esta era a velha investigação do processo do lítio e do hidrogénio de Sines, que já vinha de 2019 e que tinha João Galamba, entretanto já constituído arguido, como figura principal. E que tinha sido há cerca de dois anos objecto de fugas de informação que, se tinham por fim atrasá-lo ou "meter alguma areia na engrenagem", foram bem sucedidas.
O primeiro-ministro, António Costa, que vai ser investigado, num processo autónomo, pelo Supremo Tribunal de Justiça, surge por envolvido por três vias: em primeiro lugar porque é o seu próprio gabinete a ser objecto de buscas, o que é inédito na democracia portuguesa; em segundo porque entre os detidos constam o seu chefe de gabinete, e o seu amigo, e provavelmente o mais influente do seu mais mais próximo círculo pessoal, Diogo Lacerda Lopes; em terceiro lugar porque o seu nome é evocado no processo como pessoalmente "desbloqueador" de actos alegadamente criminosos.
Se criminalmente isto é ainda, e apenas o início, do que será certamente um processo longo, como todos os desta natureza, politicamente não. E só não será o imediato fim político de António Costa porque se lhe reconhece uma resiliência absolutamente ímpar na política portuguesa. Circunstância que, desta vez, não lhe deve ir valer de muito porque, no centro de tudo isto, está João Galamba, a espinha que ele próprio encravou na garganta de Marcelo. Em que ainda há dias voltou a remexer, ao ecolhê-lo para encerrar o debate parlamentar do Orçamento.
Para já, hoje já foi chamado duas vezes a Belém. Diz-se que vai prestar esclarecimentos daqui a cerca de uma hora. Nessa intervenção se verá se está apenas ferido. Ou se mortalmente atingido!
O Presidente Marcelo vetou e devolveu ao Parlamento o diploma da privatização da TAP. António Costa respondeu que tomou boa nota das preocupações do Presidente, que serão ponderadas.
Tem sido assim muitas vezes. Marcelo tem vetado muita coisa; e António Costa tem sempre registado. Na maioria das vezes muda qualquer coisa para que tudo fique na mesma. Raramente não muda nada para que tudo fique na mesma. No primeiro caso - frequente -, Marcelo fica satisfeito. No segundo - raro - fica furioso.
Tudo indica que volte a ser assim, mesmo quando parecia que, desta vez, não poderia ser assim.
O que António Costa quer deste diploma é que tudo fique em aberto para tudo negociar no processo de privatização. Quer, por isso, que as regras sejam estabelecidas no caderno de encargos. O que o primeiro-ministro quer é que as regras para a privatização sejam as que vierem a ser negociadas. Ao referir-se à transparência, Marcelo quer dizer que as regras devem ser estabelecidas à partida, para que sejam iguais para todos.
Estas duas posições, mais que inconciliáveis, são antagónicas. Nessa medida não seria possível a António Costa mudar qualquer coisa para tudo ficar na mesma. Mas como Marcelo resolveu não ser claro, e transformar a questão fundamental da transparência em apenas uma de três - "pedindo clarificação sobre a intervenção do Estado, a alienação ou aquisição de activos e a transparência da operação" - lá volta a ser possível o que parecia impossível.
Que o Presidente Marcelo comenta tudo, sobre tudo e sobre nada, já não é novidade. Há muito que se sabe disso. Que nem sempre o faz cumprindo com os mínimos da sensatez e da elegância, também é sabido.
Que chegasse à deselegância de chamar gorda a uma mulher, ridicularizando em público a senhora a sentar-se numa cadeira, ("olhe que a cadeira pode não a aguentar") parecia o limite do intolerável que a Marcelo se tolera. Mas não, não era ali o limite. Ontem, na visita oficial ao Canadá, no meio de emigrantes que ali estavam, no país que os recebeu, os integrou e lhes deu a dignidade que nunca encontrariam no seu, em manifestação de apreço pelo presidente do país que tudo lhes negou, provavelmente à espera da selfie que é a imagem de marca do populismo que o alimenta, a fasquia subiu para níveis já intransponíveis.
De dedo em riste a apontar para o decote de uma jovem, advertindo-a que se poderia constipar, Marcelo não foi só infeliz. Nem ridículo. Foi deselegante, machista e bota de elástico salazarento. Tudo impróprio para um Presidente, mas de todo intolerável sabendo que, atrás do seu dedo estendido, seguiam as câmaras das televisões que iriam expor ao mundo não só o decote, mas a cara e o corpo de uma jovem que, provavelmente, apenas estaria ali porque a mãe, ou o pai, a teriam convencido a vir conhecer o mais alto responsável do país longínquo que, apesar de tudo lhes ter negado, continuam a amar.
PS: Claro que a fotografia que encabeça este texto nunca poderia ser a do decote da jovem.
O Conselho de Estado é um órgão consultivo do Presidente da República. Que o convoca precisamente para consultar as suas opiniões sobre decisões de supremo interesse do Estado que lhe competem.
Por isso é suposto que seja convocado em cenários de grandes decisões a tomar pelo Presidente da República. Do que se lá passa, nada deve passar para o exterior - as actas só poderão ser reveladas publicamente 30 anos depois do fim do mandato do respectivo Presidente como, bem, lembrou hoje António Costa. Para o público deve passar a (grande) decisão tomada pelo Presidente.
Era assim até o Presidente ser Marcelo. E passou a ser outra coisa. Passou a ser um circo, o espaço em que Marcelo transformou a política. Passou a convocá-lo, não para ser aconselhado, mas para alimentar a visão de espectáculo permanente que tem da política. Por isso convida quem quer, interrompe-o quando quer, retoma-o quando quer e utiliza-o para o que quer.
E, por isso, não admira que minutos depois de concluído seja conhecido tudo o que lá se passou. Se é para a palhaçada, que seja palhaçada!
Não nutro qualquer simpatia, antes pelo contrário, pela personagem João Galamba. É coisa que já vem de longe, dos tempos malditos de Sócrates, de quem, a par do actual Presidente da Assembleia da República, e do eurodeputado Pedro Silva Pereira, foi um dos principais escudeiros e, para mim, todos para sempre cúmplices.
Desses tempos guardei uma imagem de arrogância, de manipulação, e de desfaçatez. Neste tempo actual sugere-me pena. Dó. Que não é lisonjeiro.
Sobreviveu à primeira imagem, não sobreviverá a esta segunda.
Foram as mesmas arrogância, manipulação, e desfaçatez que o enfiaram no buraco onde está metido. São no entanto outros traços de carácter que não lhe permitem de lá sair, acabando na triste e penosa figura de marioneta no jogo de sombras que Marcelo e Costa resolveram disputar.
Marcelo decidiu desde cedo iniciar o "jogo" a brincar com o cutelo da dissolução. A folhas tantas trocou a dissolução pela remodelação. E surge João Galamba, que Costa lhe dava de barato, mas que não lhe bastava. Era demais, Costa "não se ficou" e fez de Galamba ... marioneta. Aceitou, provavelmente por excesso de vaidade e escassez de dignidade e lucidez, e hoje dá pena. Mete dó!
Prestou-se a tudo. Até a ser exibido nas comemorações do 10 de Junho onde a marioneta se fez de bombo da festa.
Sairá inevitavelmente na inevitável remodelação que, em vez de solução para o problema da governação, e do país, é apenas mais uma parte do jogo em que Costa e Marcelo continuam entretidos. Sem honra nem glória. Nem sequer compaixão. Como "ramo morto" caído da árvore e desaparecido no meio dos despojos.
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