Acho que ninguém em Portugal tem dúvidas sobre o interesse do país em manter um grande banco público. Pode até haver quem se esteja a chegar à frente e a levantar o dedo, mas isso isso é apenas um impulso irreflectido de mentes liberais mais empedernidas. Depois de tudo por que temos passado, e com o BES bem fresquinho na memória - tão fresquinho que até já andamos todos a fazer contas a quanto é que desta vez nos vai tocar (agora sim, é que se justificaria o tal simulador, que há uma semana tiveram tanta pressa em disponibilizar no site das finanças) -, não há alminha que, por mais enraizada que estivesse a ideia na sua cabeça, ache que a Caixa Geral de Depósitos deva ser privada.
E no entanto, mesmo assim, o primeiro-ministro não pensa noutra coisa. Sabemos que é uma ideia antiga, e sabemos que é um sujeito teimoso.
Argumenta - não argumenta, evidentemente, põe o seu exército de escribas e pensadores a intoxicar a opinião pública, porque é essa a receita de sempre - que os bancos privados, ao contrário do banco público, já devolveram, em parte ou na totalidade, os montantes da ajuda financeira que receberam através daquelas obrigações com aquele nome meio mal cheiroso, as CoCo bonds. Mas não diz, nem diz para dizerem, que o banco público não está em atraso com nenhum reembolso. Nem que a banca privada procedeu aumentos de capital para efectuar esses reembolsos, isto é, teve acesso a capital não remunerado para substituir capital altamente remunerado. Coisa para que o accionista da Caixa, que o sujeito precisamente representa, não está disponível. Nem diz que, assim, sem acesso a capital accionista, aqueles 900 milhões de euros das CoCo bonds são importantes para os rácios de capital da Caixa. E que, se calhar, é por isso e não por qualquer problema de liquidez, que a Caixa não procedeu ao reembolso antecipado, com fizeram ou estão a fazer os banco privados.
Esteja descansado senhor primeiro-ministro. Não tem mais motivos de preocupação com a Caixa do que com os outros bancos. Tem razões para se preocupar com o sistema financeiro, tem sim senhor. Mas isso é outra coisa. Disso o senhor não fala...
O senhor quer apenas aproveitar todo e qualquer pretexto para chegar ao seu porto de abrigo. E neste caso é - ou era? - apenas a mais apetecida das privatizações!
Foi a contra gosto que o primeiro-ministro recuou na TSU. Não foi por ter reconhecido o erro, e para o corrigir, que a medida foi parar ao caixote do lixo. Foi simplesmente porque foi obrigado a isso, a contra gosto. E amuado, como se viu!
Passos Coelho amuou, em particular com os empresários. Uns ingratos, acha convictamente. Daí que ontem, no almoço com banqueiros no Estoril – em mais uma penosa deslocação – lhes tenha deixado uma ameaça (a tal lição para o futuro que, em tom ameaçador, não quis concretizar) e uma acusação de cobardia. Foi por cobardia, acha ele, que muitos empresários se colocaram conta a medida. Porque tiveram medo dos seus trabalhadores!
O homem está perdido, não percebe nada do que à sua volta se passa. Mas nem tudo lhe corre mal: a privatização da Caixa Geral de Depósitos, que ainda há poucos dias, no debate quinzenal na Assembleia da República e interpelado por Seguro, era tabu – apesar de toda a gente saber que tinha sido assunto tratado com a troika – aí está, a fazer o seu caminho. Sem que ele tivesse de dizer uma única palavra…
Ainda há coisas que funcionam… Não são as que dependem da acção do governo, mas há sempre muita gente disponível para dar uma mãozinha!
Mãozinha é, de resto, coisa que não falta a este governo. Há sempre uma mãozinha para meter em tudo. Veja-se o rato que a montanha das fundações pariu. Quantas mãozinhas não andaram por ali?
Penoso. Cada vez mais penosos os últimos dias dos governos. De todos!
Miguel Cadilhe é um economista respeitável e respeitado que, não sei bem porquê, até é frequentemente apontado como o melhor ministro das finanças do país depois do 25 de Abril. Tenho – e teremos todos – imensas dificuldades em sustentar afirmações deste tipo: não faz sentido nenhum comparar desempenhos de ministros das finanças, mas passa a ser absurdo compará-los em diferentes momentos históricos, com diferentes circunstâncias políticas e diferentes conjunturas económicas e sociais, nacional e internacionalmente.
Mas não é apenas por achar a qualificação disparatada que não entendo onde é que poderão ir sustentar essa ideia, que sei que anda por aí e que fez o seu percurso. É que não consigo mesmo lembrar-me de nada que lhe possa justificar um lugar de relevo entre os não sei quantos ministros das finanças que o país conheceu nestas últimas quase quatro décadas. Se pedir a alguém que recorde um ou dois momentos que tenham marcado a passagem de Cadilhe pelo governo tenho a certeza que poucos se lembrarão da reforma fiscal dos impostos sobre o rendimento (é o pai do IRS e o IRC – que unificaram os impostos sobre o rendimento). Que ninguém se lembrará de qualquer outra iniciativa marcante e que, aí sim, muitos se lembrarão, teve de se demitir por uma acusação de fuga à SISA na aquisição do famoso apartamento das Amoreiras (para quem se não lembrar a SISA era o imposto municipal sobre as transmissões de imóveis – hoje IMT –, de fuga generalizada, que se transformaria nas décadas de 80 e 90 numa espécie de vírus que perseguia os políticos).
Mas pronto. Se não o tenho por um ministro das finanças por aí além continuo a achar que é um economista respeitado. E com sorte, que é coisa que nunca se pode negligenciar! Reparem na sorte que teve quando o governo de Sócrates - o outro mas na mesma com Teixeira dos Santos como responsável pelas finanças – lhe negou os 600 milhões de euros com que ele, então presidente do BPN, garantia resolver o problema do banco, para a seguir o nacionalizar!
Agora, quando se pede ao Estado que entre no aumento de capital dos bancos para resolver os seus desequilíbrios financeiros, quando do próprio programa de ajuda externa vêm 12 mil milhões direitinhos para a banca, vem dizer que a solução é privatizar a Caixa.
Qual será a substância técnica de uma ideia destas: privatizar o banco de sempre do Estado e pedir ao mesmo Estado para nacionalizar pedacinhos da banca privada?
E qual será a brilhante estratégia para privatizar a Caixa quando ninguém quer comprar bancos, nem de jardim?
Quando em Portugal não há dinheiro nem para mandar cantar um cego (peço perdão pela expressão, é apenas popular e não tem que ser discriminatória para os invisuais) e quando os bancos não valem patavina, privatizar a Caixa é oferecê-la de borla ao estrangeiro!
Olhe Dr Cadilhe, primeiro tire-se o Estado – privatize-se – de toda a banca privada, do BES e do BCP em particular. Retirem-se de lá - e dos seus accionistas - todos os apoios, empréstimos e participações que foram buscar à própria Caixa. Devolvam isso tudo. E olhe Dr Cadilhe, nós agradecíamos a sua contribuição era para ajudar a vender o BPN – sim, esse fardo que o Dr Teixeira dos Santos lhe tirou das costas para descarregar nas nossas – porque ainda não temos governo e estamos obrigados a privatizá-lo até ao fim do mês que vem!
Depois disso tudo, então sim. Venha explicar-nos melhor essa ideia de privatizar a Caixa!
Assim a jeito do que se passou com o problema da revisão constitucional no Verão passado, Pedro Passos Coelho (PPC) fala agora da privatização da Caixa Geral de Depósitos. Parece-me bem que o resultado irá ser o mesmo: não vai correr bem!
Claro que esta altura é bem diferente da de então. Agora estamos em pleno período pré-eleitoral e faz sentido falar destas coisas. Acresce que é preciso inventar dinheiro e, quando assim é, fala-se de privatizações e de aumento dos impostos. Por pouco tempo, é certo, mas ainda é possível falar destas duas coisas! Já não está longe o dia em que não há que privatizar. E em que, havendo impostos para aumentar - e isso há sempre - não há quem os pague!
Pertenço à velha escola que entende que há posições que o Estado deveria manter sempre que se trate de sectores da actividade que mexam com serviço público, entendendo o serviço público em sentido lato, isto é, alargado a tudo o que sejam serviços essenciais. Em tese, e apenas aí, permitiria ao Estado exercer a verdadeira regulação. E servir de referência de benchmarking!
Mas isto é escola. São teses que, infelizmente, nunca passaram na validação!
Porque nunca veio do Estado qualquer exemplo e, as coisas só não correram mesmo mal na gestão pública quando copiaram as empresas privadas congéneres. O modelo para o benchmarking esteve sempre do outro lado. O Estado apenas serviu para alimentar clientelas, criar e fazer crescer gerações que, de cartão na mão e influências nas costas, estabeleceram redes de interesses em vez de redes de competência.
Daí, e só por isso, que quando se fala de privatizar, ao mata-se eu responda com esfola-se!
E no entanto, se digo sim com palmas e tudo à RTP (há quantos anos deveria ter sido privatizada?) e à TAP, já sou completamente contra privatização da CGD. E especialmente nesta altura. Noutro tempo, noutra conjuntura, discuta-se. Agora, não!
Porque a CGD é precisamente um daqueles casos em que as coisas não têm corrido mal, que o benchmarking com o sector privado ajudou até correr bem. Porque acolhendo clientelas – como todos os outros e aqui até com regras tordesilheanas – os resultados não se têm ressentido disso, talvez porque, neste caso, a boa moeda – que também a há nas clientelas - tenha expulso a má moeda. E porque, como estamos fartos de ver, na hora do aperto (e não só) quando se trata da banca, é à porta do Estado que toda a gente vai bater.
Foi assim com a crise financeira internacional – a verdadeira, não a do Sócrates -, foi assim com o famigerado BPN e foi assim com as trapalhadas do BCP, que acabaram por levar a rapaziada da CGD, com Vara e tudo, para a sua administração. De resto, o episódio que esteve na origem da transferência da administração da CGD para o BCP – e as agora conhecidas vergonhosas e despudoradas condições da saída de Armando Vara – mostram que, no que toca a clientelismo, esta forte ligação entre a banca e o Estado não permite grande desfasamento entre público e privado!
Quero com isto dizer que, ao contrário do que se poderia esperar, hoje em dia não faz assim tanta diferença, e a privatização apenas teria a vantagem de produzir umas massas. Massas que, para reduzir a dívida, seriam pouco mais que uma gota de água. E que, nesta altura, seriam bem curtas!
Vender CGD agora seria um péssimo negócio. A actual conjuntura nacional não só desvaloriza as nossas empresas, e em especial os bancos, como desmobiliza os investidores. Com o banco, a quem a Fitch baixou hoje a notação em dois níveis, para BBB+, desvalorizado, e com os investidores virados para outro lado, a privatização seria ruinosa.
Há sempre aquela história dos pequenos aforradores, mas essa é uma daquelas que se contam para adormecer os meninos…
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