Tinha aqui dito que o Relatório da Inspecção Geral de Finanças sobre a privatização da TAP não trazia grandes novidades. A não ser que revelava provas de sinais de crime, o que era, afinal, central.
Mal sabia então eu que, "não ter novidades", seria precisamente o argumento de Luís Montenegro para tentar evitar a primeira crise política no seu governo.
O argumento de Luís Montenegro tem, no entanto, uma série de problemas. Pelo menos cinco!
O primeiro é que as "não novidades" eram conhecidas por terem sido divulgadas por toda a gente que denunciou a marosca daquela privatização de 2015. Mas desmentidas quer por todos os envolvidos na marosca quer pelos envolvidos na defesa desse governo, incluindo o próprio Luís Montenegro.
O segundo é que essa privatização foi feita à pressa, na última hora de um governo que não o chegou a ser, por não ter passado na Assembleia da República, e por isso ilegítimo.
O terceiro é que foi o então secretário de Estado das Infra-estruturas, Miguel Pinto Luz, e a então secretária de Estado do Tesouro, Isabel Castelo Branco que, literalmente pela calada da noite, se encontraram com David Neeleman e Humberto Pedrosa para estabelecer e assinar a venda ilegítima, mas também ilegal.
O quarto é que, sabe-se hoje, a ilegalidade (financiamento da empresa para compra das próprias acções) provocou um prejuízo directo na TAP de 444 milhões de euros (254 milhões pagos acima do preço de mercado para os 53 aviões A320, A321 e A330, entregues a David Neeleman; mais os 190 milhões do valor abaixo do preço de mercado por que tinha adquirido os A 350).
O quinto é que, há pouco mais de um ano, uma indemnização de 500 mil euros a uma administradora da TAP fez cair um secretário de Estado e um ministro, e abriu uma crise política no governo de que não mais recuperou.
Não fica fácil a Luís Montenegro fazer-se de desentendido, confirmar Maria Luís Albuquerque para a Comissão Europeia e entregar nova privatização da TAP a Miguel Pinto Luz.
O relatório da Inspecção-Geral de Finanças, solicitado pelo anterior ministro das finanças, Fernando Medina, por recomendação da Comissão Parlamentar de Inquérito à tutela política da gestão da TAP, foi hoje conhecido.
E não traz grandes novidades: diz que não houve racionalidade económica no negócio de entrada no capital da VEM Brasil, a empresa de manutenção da Varig, e isso já sabíamos (faltava a quantificação da perda, calculada em 906 milhões de euros); conclui que no negócio da privatização da TAP, David Neelman foi financiado com um empréstimo de 226 milhões de dólares da Airbus, em troca do compromisso da compra pela companhia aérea de 53 aviões, garantido pela TAP, que ficou ela própria obrigada a pagar os 226 milhões de dólares emprestados a Neelman, se não comprasse os aviões; daí tirando a conclusão, como há 10 anos muitos andamos a denunciar, que a TAP foi comprada com o próprio dinheiro da TAP.
Também não é absolutamente novidade que esta estratégia era do conhecimento da Parpública e do Governo da altura, de que Passos Coelho era primeiro-ministro e, Maria Luís Albuquerque, a ministra das Finanças.
Novidade é que o dá como provado. E que, perante as provas, a Inspecção-Geral de Finanças conclua que tal deve ser comunicado ao Ministério Público para investigação.
Estranho é que o documento não refira o nome de Miguel Pinto Luz, na altura secretário de Estado das Infra-estruturas, Transportes e Comunicações, e nessa qualidade responsável directo por toda a operação, e actualmente ministro com a tutela da TAP. Que vai voltar a privatizar!
O Presidente Marcelo vetou e devolveu ao Parlamento o diploma da privatização da TAP. António Costa respondeu que tomou boa nota das preocupações do Presidente, que serão ponderadas.
Tem sido assim muitas vezes. Marcelo tem vetado muita coisa; e António Costa tem sempre registado. Na maioria das vezes muda qualquer coisa para que tudo fique na mesma. Raramente não muda nada para que tudo fique na mesma. No primeiro caso - frequente -, Marcelo fica satisfeito. No segundo - raro - fica furioso.
Tudo indica que volte a ser assim, mesmo quando parecia que, desta vez, não poderia ser assim.
O que António Costa quer deste diploma é que tudo fique em aberto para tudo negociar no processo de privatização. Quer, por isso, que as regras sejam estabelecidas no caderno de encargos. O que o primeiro-ministro quer é que as regras para a privatização sejam as que vierem a ser negociadas. Ao referir-se à transparência, Marcelo quer dizer que as regras devem ser estabelecidas à partida, para que sejam iguais para todos.
Estas duas posições, mais que inconciliáveis, são antagónicas. Nessa medida não seria possível a António Costa mudar qualquer coisa para tudo ficar na mesma. Mas como Marcelo resolveu não ser claro, e transformar a questão fundamental da transparência em apenas uma de três - "pedindo clarificação sobre a intervenção do Estado, a alienação ou aquisição de activos e a transparência da operação" - lá volta a ser possível o que parecia impossível.
Cavaco deixou finalmente a rã descansada e indigitou António Costa que, sem resposta do tempo ao tempo que o tempo tem, se entretivera a fazer um governo. É por isso que já há ministros, e que está agora praticamente garantido que, dois meses depois das eleições, o país terá um governo.
No tempo que Cavaco quis. Porque a data das eleições foi a que Cavaco quis que fosse. E porque, depois, mesmo com todos os cenários bem definidos na cabeça, e mesmo com um recatado 5 de Outubro para reflectir sobre o que tinha claro, em vez de agir o presidente preferiu fazer de conta que agia, consumindo 50 dias na árdua e espinhosa missão de encanar a perna à rã.
Coisa que, como se sabe, permitiu ao governo relâmpago de Passos e Portas acabar algumas coisas que tinha deixado começadas como, por exemplo, assinar o acordo de privatização da TAP. Para, como só alguns sabiam e é agora público, dar aos bancos a garantia do Estado pelo pagamento da dívida da companhia que vendeu. Por 10 milhões de euros!
Exactamente assim: foi preciso que o governo de Passos e Portas se aguentasse o tempo necessário para consumar a venda da TAP, por 10 milhões de euros, a um grupo fantoche (fantoche porque tudo é ao contrário do que parece, a começar numa minoria de capital que detém 95% do poder), assumindo a responsabilidade por 770 milhões de euros de dívida!
Desautorizado, tão desautorizado que está rejeitado pelo Parlamento, o governo acaba de assinar o contrato de privatização da TAP. À pressa, a correr... À noite, mais ou menos às escondidas, como sempre fez, deixando escuro o que tinha de estar claro... Contra tudo e contra todos e contra a vontade da maioria representada na Assembleia da República...
Fica à vista o que seria - ou será? - manter esta gente em governo de gestão: um confronto permanente com a legalidade. Em permanente provocação. A construir inevitabilidades para enfiar o país em pontos sem retorno. Foi assim que fez, é assim que faz, e é assim que quer continuar a fazer...
Poderíamos facilmente achar normal que lhes interessasse apenas os grandes negócios. Com um bocadinho de mais esforço poderíamos até achar normal que lhes interessasse sardinhas, e que não se preocupem nada com negócios de aviação. O que não é nada normal é que o Sr David Neeleman não soubesse nada disso, dando-se ao trabalho de engendrar um negócio com o Sr Humberto Pedrosa para enganar quem não precisava de ser enganado.
É já público, e por isso não estou a cometer nenhuma inconfidência - nem sequer a trair a confidencialidade com que, em tempo útil, fui informado da marosca - que os 49% das acções do Sr Neeleman no consórcio Atlantic Gateway, a quem o governo entregou a TAP, valem 95% do investimento e 74,5% dos interesses, seja em dividendos, seja na liquidação. E que o Sr Humberto Pedrosa até não se fez pagar mal para fazer o papel que fez: afinal consegue quintuplicar em interesses o valor do investimento. Com 5% de investimento - que, mesmo assim, foi pedir ao Estado - adquire uma posição que lhe garante 24,5% da empresa de que detém 51% das acções.
Poderia perceber-se que o Sr David Neeleman tanto quis enganar que acabou ele próprio enganado. Poderia, mas é apenas mais uma coisa que é capaz de não ser normal .
Com tanta coisa pouco normal neste "quem engana quem" acabamos por desfiar o novelo. E não é com grande o risco de nos enganarmos que chegamos à conclusão que um "quem" é o governo e o outro somos todos nós. Que o Sr David Neeleman não foi nada enganado, foi simplesmente aconselhado pelo governo a fazer assim.
Ninguém tem dúvidas que a privatização da TAP foi sempre - e continua a ser - das coisas mais opacas deste governo. Ou pelo menos só tem dúvidas quem quer.
Nada foi público. Mas concluída a operação - dada por concluída, porque o que neste momento existe é uma promessa de venda - algumas coisas se vão sabendo. Umas mais estranhas que outras...
Era estranho que a parte minoritária do consórcio é que soubesse de aviões. Era estranho que o senhor da Barraqueiro estivesse a pensar que a TAP era a Carris. Mas deixou de ser estranho quando o senhor que sabe de aviões ainda não abriu a boca e o senhor que sabe de autocarros já está a dizer que o que a TAP mais precisa é de um patrão como ele. E quando aproveitou para escalrecer isso mesmo ao Secretário de Estado Sérgio Monteiro, que não estava enganado, e que aí estaria pronto também para a Carris, o Metro e a Transtejo. Que os saldos não ficariam na loja...
Estranha não é a notícia que faz capa no JN, que dá conta que os novos donos da TAP vão vender aviões (da TAP) para financiar o negócio que fizeram com Pires de Lima. Nem estranho nem novidade, negócios em Portugal é sempre assim: com o pêlo do mesmo cão. Simples, tão simples como o ovo de Colombo: vendem-se os aviões, recebe-se o dinheiro, e depois alugam-se. E paga-se a renda...
Há para aí um século que isto se faz em Portugal. Chamam-lhe leaseback, e não é pelo novo acordo ortográfico...
É assim o fabuloso negócio que deixou Cavaco aliviado, e todo o governo entusiasmado com as asas que deu à TAP. Que Maria Luís Albuquerque, muito satisfeita, garantiu que colocaria "valores muito significativos na TAP" porque o objetivo nunca foi o encaixe financeiro para o Estado mas, sempre, encontrar "investidores que possam colocar na empresa os meios de que precisa para ultrapassar as dificuldades que tem, que são conhecidas"...
Estranho - ou talvez não - é que toda a gente queira fazer parecer isto normal!
Ora bolas... Quando pensava que a notícia do dia seria o quinto aniversário do Quinta Emenda, lá vêm a da privatização da TAP e a da contratação do novo treinador do Benfica. Ainda se fosem grandes novidades...
Mas nem isso. São duas daquelas notícias que se não existissem passavamos bem sem elas.
Da privatização da transportadora aérea já ninguém há muito duvidava. Pelo menos desde que o ministro Pires de Lima disse, há para aí nove meses, que privatizar a TAP nesta legislatura seria uma vitória. Depois disso, está visto... Numa altura destas, com o governo a bombar - Portas dixit - em plena campanha eleitoral, não pode haver outra coisa que vitórias.
Esta é portanto a notícia de uma vitória anunciada. A outra é a de um Vitória anunciado... Tão anunciado que nem se percebe por que é haveria de ser notícia guardada precisamente para hoje.
E quanto a voos... Acho que serão bem mais altos os do Vitória. Nas asas da Vitória, porque as do Neeleman ainda podem levar com chumbo...
Olho para a capa do Expresso e olho para as contas da TAP. Vejo um Passivo remunerado de 1.061 milhões de euros, e Capitais Próprios negativos em 512 milhões, e não percebo. Que o governo, como o primeiro-ministro foi esta semana dizendo, venda por valor simbólico - 1 ou euro ou 35 milhões, no caso não fazem grande diferença - pode aceitar-se. Que não entre capital para, no mínimo, retirar a TAP da situação de falência técnica é que não se aceita. Nem se percebe. Mas nisto de privatizações - e não é só nesta - já há tanta coisa que não se percebe...
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