Começo por dizer que os problemas da promiscuidade entre políticos e negócios não se resolvem com leis. Resolvem-se com a escolha de pessoas sérias!
Mas isso não significa que não seja preciso leis para tratar desses problemas. Quer apenas dizer que, com pessoas sérias, nem é preciso utilizá-las e, sem pessoas sérias, não são suficientes.
Vem isto a propósito de uma lei que saltou esta semana para a ribalta à boleia das famosas golas, da não menos famosa campanha do programa “aldeia segura”, por causa de uns negócios entre o filho do Secretário de Estado da Protecção Civil e o Estado, mesmo que posteriormente mais uns tantos casos tivessem vindo também a público. Que torna nulos, logo à cabeça, para início de conversa, todos os negócios entre familiares de titulares de cargos públicos e o Estado e obriga, depois, à exoneração do familiar titular do cargo.
O primeiro-ministro protegeu-se à sua maneira, como sempre sabe fazer, e correu a pedir parecer à Procuradoria-Geral da República sobre a aplicação da lei à circunstância do Secretário de Estado. Já o Ministro dos Negócios Estrangeiros, entretanto a substituí-lo por uns dias de férias, achou por bem antecipar-se e declarar absurda, para a mesma circunstância, a interpretação literal da lei.
Ora, a lei tem já quase 25 anos - e está até para ser substituída - e não temos memória de alguma vez ter sido utilizada. E não terá sido certamente por falta de oportunidades, o que menos terá faltado neste país nos últimos 25 anos é negócios desses. Mas, quando ao fim de 25 anos é evocada a sua aplicação, nada… No mundo calculista do primeiro-ministro é preciso um parecer. No de Augusto Santos Silva, com um calculismo mais trauliteiro, declara-se simplesmente absurda.
É isto. Portugal não é um país sem lei, porque leis tem muitas. Mas nunca para aplicar aos amigos. Já vem de Maquiavel: “aos amigos os favores, aos inimigos, a lei”!
Dois investigadores da minha escola, Tiago Cardão-Pito e Diogo Baptista, analisaram o desempenho do sector bancário português desde a adesão ao Euro e chegaram àquelas conclusões que nos parece que os estudos académicos sempre chegam: ao óbvio. Àquilo que todos tínhamos percepcionado, assumido e integrado no nosso paper de ideias feitas.
É sempre assim, os estudos servem muito mais vezes para sustentar aquilo que empiricamente estava instalado no senso comum do que para fazer grandes revelações. Por isso se discute tanto a sua importância, se bem que, também por isso, sejam pouco discutíveis.
A revelação que porventura mais salientada será no Estudo é ela própria a que melhor ilustra o que acabo de escrever: a da "proximidade" entre o sector e os políticos que o tutelam. E que deveriam supervisionar. O corropio de vai e vem entre a banca e os governos, entre reguladores e regulados, fazem da independência e da efectiva supervisão uma simples figura de retórica.
Estamos, todos, tão conscientes dessa "proximidade" que até lhe chamamos promiscuidade. Nem o exemplo que o estudo toma por mais flagrante dessa entropia deixa de ser o que mais escandalizou o país. E pelos vistos também os próprios funcionários da Comissão Europeia: Durão Barroso, evidentemente.
Nada de novo, na realidade. Mas é sempre bom saber que tudo isto tem já sustentação científica. Nada como chamar os bois pelos nomes com rigor científico.
Ricardo Salgado voltou a falar, na circunstância a escrever mais uma carta. Cavaco voltou a mentir, ao dizer que nunca falou do BES, e a omitir, porque é um túmulo, morre com ele o que a ele for dito...
É apenas mais um episódio da promiscuidade que mina o regime e as suas élites. Quando foi pedir ajuda a Cavaco, a Passos, a Portas, a Carlos Moedas e a tutti quanti, Ricardo Salgado achava-se com legitimidade para isso. A legitimidade de quem cobra favores!
É mais uma gota de água num copo muito cheio. Tão cheio que levou António Barreto, um institucionalista que não é conhecido por ceder facilmente ao populismo ou de armar ao popularucho, a reclamar a prisão para uma certa "tropa fandanga" de “banqueiros, empresários, administradores de empresas, ex-ministros, ex-secretários de Estado, ex-diretores gerais”.
Só não se percebe é como o copo ainda não está a transbordar!
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