Faz hoje apenas um mês, mas parece que já passaram anos da nova presidência de Trump. Não há memória histórica de em tão pouco tempo alguém ter feito tanto. Mal!
Num mês Trump virou o mundo ao contrário. Tudo o que há um mês era inimaginável é hoje uma nova realidade. Num mês foi instaurada toda uma nova ordem mundial!
Ninguém o trava. Ignorante da realidade e indiferente à verdade, vai construindo a partir da sua bolha ficcional a narrativa com que molda um mundo mais perigoso ... e irrespirável.
Trump acha que se pode entender com Putin para desenharem a duas mãos o futuro mapa da Europa, numa espécie de Conferência de Berlim, onde a África é Europa, e a Europa um complexo esquizofrénico do novo eixo Washington-Moscovo.
Sabe-se que Zelensky pouco voto tem na matéria. Mas isso é uma coisa. Outra é o seu alinhamento com a esquizofrenia. Outra ainda é a sua rápida resposta à gula de Trump.
Bastou-lhe - a ele, Trump - dizer disse que a Ucrânia tem "terrenos valiosos em termos de terras-raras, petróleo e gás, outras coisas" para Zelensky vir a correr, de língua de fora e rabinho a dar a dar, oferecer o dote.
- "Temos um grande potencial no território que controlamos", e "estamos interessados em trabalhar, desenvolver, com os nossos parceiros, em primeiro lugar, com os Estados Unidos", apressou-se Andriy Yermak, chefe de gabinete do presidente da Ucrânia, em declarações à The Associated Press, logo após as declarações de Trump.
"Pode ser lítio. Pode ser titânio, urânio, muitos outros", disse Yermak. "É um grande negócio"!
E rapidamente - em dois dias - Trump anunciou um acordo de princípio para 500 mil milhões de dólares de chamadas terras raras, um grupo específico de 17 elementos químicos essenciais a produção de dispositivos electrónicos, como discos rígidos ou ecrãs de telemóveis.
Do que Trump já anunciou para acabar com a guerra ficou a saber-se que a adesão da Ucrânia à NATO é "irrealista", que a cedência de territórios é uma inevitabilidade, que a União Europeia não vai ser tida nem achada, que é ele e Putin quem põe e dispõe. E que, no fim, então sim, a Europa será chamada a tratar da segurança e da reconstrução da Ucrânia.
É a isto que Trump está a reduzir a Europa. Medvedev, a voz desbragada de Putin, chama-lhe "solteirona fria, louca de ciúmes e raiva". "Feia, fraca e inútil".
É esta a tragédia da Europa. Que não chegou aqui por ser "fria" ou "feia" mas - sim - por se ter deixado "fraca".
Ninguém acredita que tão alto dignitário da Igreja Católica, um arcebispo, ignore que a Rússia que invadiu a Ucrânia, e a martiriza numa guerra sem tréguas - para a qual o Papa Francisco ontem, na sua mensagem de Natal, voltou a apelar à paz: "calem-se as armas na martirizada Ucrânia"- é um regime ultra-conservador e nacionalista de extrema-direita, apoiado pela cúpula de igreja ortodoxa russa, e que Putin, o inclemente ditador que a dirige com mão de ferro, financiou católicos militantes como Le Pen, Salvini e até o antigo seminarista André Ventura.
Ora, se não pode ser por ignorância própria, só pode ser exploração da ignorância dos outros. E isso não é nem mensagem, nem Natal. Muito menos é as duas juntas.
Não terá sido - imagino eu - para assinalar esta contagem redonda que Joe Biden deu luz verde à Ucrânia para utilizar armas americanas de longo alcance, capazes de atingir território russo. Se os mil dias não eram a oportunidade, tudo indica que os 60 que lhe restam de presidência menos a seriam.
Putin respondeu com um documento que, alterando a doutrina do uso de armas nucleares, define que (i) um ataque com armamento convencional, se apoiado por potência nuclear, pode justificar o uso de armas nucleares pela Rússia; e (ii) que qualquer agressão contra a Rússia por um país membro de uma coligação será considerada agressão de toda a coligação. Isto é, Putin voltou a ameaçar com o uso do nuclear, e começa a parecer Pedro na sua história do lobo.
Não se faz ideia se Biden acertou alguma coisa com Trump. Não parece, mas nunca se sabe... Sabe-se que com a União Europeia, não. Porque aí ninguém se entende. Só a França admite poder vir a seguir essa ideia. Alemanha e Itália recusam-na liminarmente, e aos outros nem a questão se põe: simplesmente não possuem armas dessas. Que a UE - Josep Borrell - diga que concorda com a utilização de mísseis de longo alcance por parte de Kiev é apenas uma opinião. Que não vale nada!
Mil dias é muito tempo. Em guerra, é ainda mais. E no entanto ainda ninguém fala de paz. O problema é mesmo a história do Pedro e do lobo. Se continuarem a deixar passar muitos mais dias, haverá um em que o lobo vem mesmo!
O que aconteceu na sala de concertos de um complexo comercial (Crocus City Mall) em Moscovo, que provocou 137 mortos já confirmados - o número final ultrapassará provavelmente a centena e meia - é um atentado terrorista, tenham sido quem foram os seus autores. Mas é também um festival de desinformação e de manipulação.
Notou-se desde as primeiras notícias, e em pequenos detalhes. Por exemplo: para uns, o atentado ocorreu em Moscovo; para outros, nos arredores. Não é um pormenor, percebe-se bem a diferença.
Desde o primeiro momento, Putin quis integrá-lo na guerra - sim, agora já é guerra, e não a "operação especial" que não podia continuar a ser - acusando a Ucrânia. Foi reivindicado pelo chamado "Estado Islâmico", mas não é evidente que "as peças encaixem". Ao não encaixarem, abrem a porta a teorias da conspiração. Já, com Putin a retirar óbvio proveito do acto terrorista e, sabendo-se como é capaz de tudo o que o beneficie, admitir o dedo dos serviços secretos do Kremlin, não pode ser reduzido a uma simples teoria da conspiração.
Eliminados fisicamente todos os adversários, Putin foi a votos. Voltou a ganhar com os habituais 90%!
Longe vão os tempos em que tinha de alternar com o fantoche Medvedev... Isso foi até dar a volta à Constituição, agora já nem precisa de entreposta pessoa para se eternizar no poder ... "por vontade do povo". Que no entanto protesta... Na Rússia, sendo preso. E um pouco por todo o mundo, sem esse risco imediato, à porta das embaixadas russas...
Neste mandato Putin baterá o recorde de Estaline - que governou 29 anos - e tornar-se-á no líder russo que mais tempo permaneceu no poder. Provavelmente também o mais temível. E o menos escrupuloso!
"Morreram todos" - foi com esta expressão, que se tornou viral, que o José Rodrigues dos Santos abriu um telejornal, aqui há tempos, referindo-se àquela malograda experiência do submersível Titan. Não sei se será ele a abrir o de hoje mas, se o for, bem poderia repeti-la mudando apenas o tempo do verbo.
Morrem todos!
Com Putin, é assim. Morrem todos os que se lhe oponham. Morrem todos, e em todas as circunstâncias. Caem de uma janela, ou de um avião. Comem ou bebem o que não devem. Morrem até na prisão, onde a única perurbação que lhe podem causar é ... estarem vivos.
A Navalny aconteceu tudo isso, menos cair de uma janela. Aconteceu-lhe de tudo em aviões, mas nenhum caiu. No último em que viajou, o voo foi desviado para ser preso pela última vez. Hoje foi conhecida a notícia que morreu na prisão.
Não tenho a certeza que Navalny fosse exactamente dos bons, nem isso agora importa. Mas era o rosto internacional da oposição a Putin. Tenho a certeza que Prigozhin não era melhor que Putin, mas bastou enfrentá-lo para ter idêntico destino.
Morrem todos porque Putin tem medo. Mata-os por medo de estarem vivos. Não faltará muito para que tenha também medo dos mortos!
Ainda ninguém percebeu nada do que se passou naquelas 36 horas que mediaram entre o momento em que Prigozhin pôs uma coluna de 400 viaturas de guerra a caminho de Moscovo, no sábado, e aqueloutro, a meio de domingo, mais de mil quilómetros de estrada depois, e a apenas 200 do destino, em que, para evitar derramamento de sangue - estranha preocupação de uma criatura destas - pôs fim à marcha, rendido às negociações de Lukashenko.
Se calhar não há muito para perceber. Ali nada bate certo. Nem nada é que o que querem que pareça que seja. Afinal, o que se percebe é que o poder militar da Rússia se esgota num botão. Que a Putin basta o medo que o botão mete. E que Prigozhin haverá, mais dia menos dia, de lançar a mão à moleta de uma porta, pegar numa chávena de chá, ficar ao alcance da ponta de um chapéu, ou abeirar-se de uma janela num qualquer quinto andar.
O que estava a acontecer na Rússia deixou de estar, a 200 quilómetros de Moscovo. E foi como se nada tivesse acontecido. Mas aconteceu - a criatura não matou o criador, mas deixou-o em mau estado.
Putin sai mais fraco. E ainda mais desacreditado. Yevgeny Prigozhin ... perdeu o negócio, que não a ambição. Para já terá apenas ganho uma reforma dourada no albergue do Lukashenko. Outra criatura.
Depois de muito falar, Yevgeny Prigozhin está a mexer-se. A caminho de Moscovo, diz-se.
Do líder do Grupo Vagner nada de bom há a esperar. Independentemente do sucesso desta sua aventura a caminho de Moscovo, uma coisa parece certa: nada vai continuar como está. A começar pela guerra na Ucrânia. Que Prigozhin declara inaceitável, e exclusivamente assente na mentira do Kremlin e na ambição da nomenklatura militar russa.
A rota de colisão com Putin parece estabelecida. Se é para levar a sério, não é ainda uma certeza. Certeza é que Prigozhin não é melhor, por muito que muitos o achem útil.
Acompanhe-nos
Pesquisar
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.