O Benfica deixara demonstrado, há uma semana, na Luz, que era muito melhor que o Rangers. Melhor dito - que os jogadores do Benfica são muito melhores que os do Rangers. Poderia então ter praticamente deixado resolvido o apuramento para os quartos de final da Liga Europa mas, ter os melhores jogadores, não foi suficiente (falhou no ataque, ao falhar golos feitos, e falhou na defesa, ao oferecer os dois golos ao adversário, nas suas duas únicas oportunidades), e deixou tudo para decidir hoje, no temível e lendárioIbrox Stadium.
Cedo o Benfica voltou a mostrar que é muito melhor que o Rangers. Via-se claramente. Tão claramente quanto se via que muita coisa faltava para que essa superioridade se materializasse no jogo. E tudo o que se via que faltava, percebia-se com igual clareza, era "trabalho de casa". Era treino e preparação do jogo.
Raramente os jogadores do Benfica faziam bem duas coisas seguidas. Porque lhes faltava confiança, e porque lhes faltavam rotinas de jogo. Depois, e mais relevante ainda, era aflitivo ver como o Benfica "embarcava" no jogo que convinha à equipa escocesa. Um jogo de grande intensidade física, de duelos, "partido", de ataque e resposta.
Com "armas" bem mais sofisticadas, o Benfica fazia a guerra do corpo a corpo.
Foi assim toda a primeira parte em Ibrox. Numa toada de parada e resposta, num ritmo elevado, num relvado cada vez mais massacrado pela chuva, que nunca deu tréguas. Mesmo deixando-se cair no jogo do adversário, o Benfica teve mais bola, e as duas únicas ocasiões (um frango de Trubin quase dava em golo, mas foi só isso) para marcar: uma num cruzamento de Di Maria, em que Marcos Leonardo (hoje a rifa calhou-lhe a ele) não fez o necessário para estar no sítio certo; e outra num excelente passe de João Neves, em que Rafa e Marcos se atrapalharam um ao outro.
Com uma primeira parte altamente desgastante, temia-se que, na segunda, na mesma toada, e com o relvado cada vez mais pesado, o jogo pudesse cair para o lado britânico. Schmidt trocou Marcos, que pareceu sempre "peixe fora de água" por Tengstedt, e os primeiros minutos quiseram mostrar isso mesmo, com o Ranger a dispor de duas oportunidades - a primeira com Dessers a rematar junto ao poste direito de Trubin, batido; e logo a seguir um quase auto-golo de António Silva.
Mas com o golo de Rafa, a meio da segunda parte, tudo mudou. Quando o Rangers queimava os últimos cartuchos - é notável que o Benfica tenha resistido fisicamente bem melhor que os escoceses -, finalmente numa transição rápida, Di Maria assistiu Rafa, ainda dentro do seu meio campo, que cavalgou para a baliza e bateu, com a classe habitual nestas circunstâncias, o guarda-redes do Rangers. O árbitro assistente assinalou fora de jogo, mas era evidente que o VAR haveria de confirmar o golo. Tanto que se tornou incompreensível o tempo que demorou.
O Benfica, melhor fisicamente, e com jogadores muito melhores, passou então a dominar o jogo. Não atingiu um nível por aí além mas, nem os tempos são para isso, nem o estado do relvado permitia muito mais. Poderia ter voltado a marcar pelo menos por mais duas vezes (no remate de Bah, com grande defesa do guarda-redes, para canto, do qual resultou um desperdício incrível de António Silva), e evitado a ansiedade que um resultado tangencial sempre provoca. E que aumentava à medida que se via Di Maria esgotado continuar em campo, com Tengstedt desviado para a ala que ele já não conseguia cobrir. E Tiago Gouveia, cheio de força - e talento - sentado no banco... Até ao minuto 90+2!
E lá vamos para os quartos de final. E lá somos a única equipa portuguesa presente na Europa. E lá fomos a primeira equipa portuguesa a ganhar na Escócia...
Com menos de 50 mil nas bancadas da Luz, pela primeira vez nesta época – claro que isto faz mossa -, o Benfica tentava a reconciliação com os adeptos, começar a apagar os efeitos do desastre do Dragão e, ainda, um resultado que, para além condizente com isso tudo, desse garantias para a visita a Glasgow, daqui a uma semana.
O anúncio da constituição da equipa, que se vem tornando num momento alto das bancadas da Luz, não gerou controvérsia. Os assobios foram todos para Schmidt. O onze parecia finalmente à medida de uma equipa equilibrada, mesmo com o insolúvel problema dos laterais, mas esse é crónico. Florentino e João Neves constituíam o meio campo mais reclamado pelos adeptos, os três desequilibradores Di Maria, Rafa e Neres mantinham-se, mas desta vez com um ponta de lança - Arthur Cabral.
A equipa parecia bem montada e cedo começou a querer mostrar serviço, dentro, naturalmente, do seu registo habitual. Só que, logo aos 7 minutos, na primeira vez que chegou à área de Trubin, o Rangers marcou. Acontece muitas vezes, e mais ainda ao Benfica. O que punha em causa todo o programa da noite era o desposicionamento defensivo, a completa desorganização defensiva na abordagem ao lance. E isso, como se sabe, não é novo.
A equipa sentiu o golo – não havia como o sentir – mas foi-se gradualmente reerguendo. Sem deslumbrar, mas com a exibição a ir atingindo um mínimo de consistência, logo deu para confirmar que o Rangers é uma das mais fracas equipas em competição, comportando-se exactamente como as equipas pequenas no nosso campeonato. Depois de mais de meia hora em cima do adversário, mas com os mesmos problemas de sempre na decisão final, a que acresciam duas ou três defesas miraculosas do experiente Butland, o Benfica lá conseguiu marcar um golito e empatar. De penálti!
Não havia outra forma. Já teria havido razões para assinalar dois, antes. Por faltas sobre Di Maria e Neres. Mas só este foi assinalado, por intervenção do VAR, por corte da bola com a mão num canto de Di Maria, num lance que o árbitro deixou prosseguir, a que se seguiria um novo corte com a mão, que também deixou passar. O VAR, claro, só teve de convencer o árbitro pelo primeiro.
Com tudo isto, quando Di Maria converteu o penálti com a habitual classe (Butland foi admoestado com amarelo, por manobras de diversão), já o relógio ia no segundo dos 5 minutos de compensação.
Inacreditavelmente, logo a seguir, na segunda vez que se acerca da área do Benfica, o Rangers volta a marcar. De novo com a defesa benfiquista aos papéis, completamente desposicionada, e sem saber o que tinha para fazer. Depois de a bola ter andado ali a saltar de um lado para o outro sem ninguém a tirar dali, acabou em Fábio Silva (lembram-se da réplica do João Félix?) que "despachou" o Bah e devolveu a bola para dentro da área, rasteira, por entre quatro ou cinco jogadores do Benfica, a marcarem-se uns aos outros, que a deixaram passar para, ao segundo poste, e a ganhar posição a Aursnes, Sterling (sim, é apenas o mesmo nome) marcar.
Bastaram poucos segundos para destruir o que demorara 40 minutos a conseguir. E a primeira parte bem se pode resumir a 45 minutos a falhar: a falhar no tempo todo no ataque, e a falhar nas únicas duas vezes em que teve de defender. A última quando tinha acabado de empatar, e em cima do apito para o intervalo. Inadmissível a este nível de profissionalismo!
Nestas circunstâncias não era de prever grande coisa para a segunda parte. Mas não foi bem assim. Sem alterações a equipa surgiu mais forte para a segunda parte, com as linhas mais subidas, a fazer funcionar a pressão alta, e a meter a equipa escocesa num colete de forças donde não a deixava sair.
A exibição não era brilhante - brilhante, mesmo, só João Neves, mas para ele já não há adjectivos - porque falhavam aquelas pequenas coisas que só a confiança dá. O toque, a finta, o remate, tudo o que sai facilmente quando a equipa está confiante, não acontece nesta altura. O Benfica dominava por completo, sucediam-se os cantos (14) e remates (25), mas não assim tantas oportunidades de golo. E as que eram criadas eram desperdiçadas, algumas de forma gritante, como aquela de Di Maria.
O empate acabaria por chegar relativamente cedo, a meio da segunda parte. Mas ... num auto-golo. A tempo de tudo, mas também de nada.
O Rangers, bem longe daquele Steven Gerrard aqui trouxe há três ou quatro anos, defendeu o empate com tudo o que tinha ao alcance. O Benfica procurou por todos os meios, pelo menos, ganhar o jogo. Mas não conseguiu, perdido no meio dos fantasmas que o atormentam. Golos, só de penálti. Ou então que os marquem os outros...
Às vezes isto é como as tempestades. Só temos que esperar que passem. Mas os espaços de espera também dão para aproveitar para pensar!
Mais uma miserável exibição do Benfica. E vão... Não sei, já lhe perdi a conta. Desta vez em Glasgow, no jogo de volta com o Rangers, depois do 3-3 da Luz, há três semanas.
Salvou-se o resultado. Não que o 2-2 final seja um bom resultado, mas à vista do que foi a pobreza do futebol que esta equipa de Jorge Jesus voltou a apresentar, e do que foi o jogo, tornou-se num bom resultado. E não só surpreendente, como absolutamente imprevisível, a vinte minutos do fim.
Durante 70 minutos a equipa do Benfica foi deprimente, como vem sendo há mais de um mês, e foi completamente dominado por um Rangers muito abaixo daquilo que fizera na Luz.
A equipa escocesa chegou cedo ao golo, logo aos 7 minutos, em mais uma clamorosa falha colectiva, a acabar com os jogadores do Rangers a ganharem três disputas de bola em plena pequena área. Na primeira, Helton - mais uma surpresa na equipa - defendeu; na segunda, a bola foi à barra, e na terceira entrou na baliza.
A partir daí a equipa de Steven Gerrard controlou o jogo como quis. Tirou todos os espaços ao Benfica, e aproveitou todos os (muitos) que lhe foram concedidos. Como vêm fazendo, afinal, todos os adversários que o Benfica tem defrontado. Chegou ao segundo golo, de bela execução, de resto, mas em mais do mesmo - perda de bola no meio campo, falta de reacção â perda, e toda a gente a assistir às trocas de bola dos escoceses. No fim, em vez de atacar a bola, Vertonghen encolheu-se.
Estavam jogados 70 minutos e o Benfica não tinha um único remate à baliza adversária, Fez depois dois, e dois golos. Era penoso o desempenho de todos os jogadores, mas era chocante o do "craque" Everton. E deprimente o do defesa internacional belga, que culminou no segundo golo do Rangers. Arrepiante a forma como cometeu um penalti, que por sorte o árbitro não assinalou - nem um juvenil mete a mão na bola daquela forma, dentro da área.
A perder por dois, Jesus fez entrar Pizzi, Gonçalo Ramos e Diogo Gonçalves. Todos mexeram com o jogo, mas o miúdo revolucionou-o. Nem de propósito, depois daquelas palavras em Paredes. Em três minutos, e a 10 do fim, o Benfica voltou a anular a vantagem de dois golos ao Rangers. E ficou até a ideia que, se quisesse, ou estivesse em condições de acreditar, o Benfica poderia ter ganhado o jogo.
Nada disso faz esquecer mais uma deplorável exibição. Nem nos faz acreditar que melhores tempos estejam próximos. Se nem tudo está bem quando acaba bem, menos ainda quando acaba assim-assim!
Salvou-se o resultado, em mais uma exibição deprimente, com mais três golos sofridos, que podiam bem ter sido mais. A expulsão de Otamendi pode servir de atenuante, mas não de desculpa.
A verdade é que esta equipa, que dizem que é para ganhar a Liga Europa, fez mais lembrar Basileia, há três anos, que Amsterdão, ou Turim, quando mais perto estivemos disso.
Valha-nos Darwin, o evolucionista. Só ele evolui, quando é preciso uma evolução enorme, e bem mais rápida que a outra, para que esta equipa possa ganhar o que quer que seja na Europa.
E por cá, vamos a ver. Pode até ser que seja só cansaço extremo. O cansaço cura-se, mesmo o extremo. Mas é mais inteligente evitá-lo. Para isso é que os plantéis têm vinte e muitos jogadores.
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