O governo da dita geringonça tirou o simplex da gaveta onde o anterior governo bota de elástico o tinha enfiado, debaixo da meia dúzia de páginas em tamanho 16, que Portas fez de areia para nos atirar aos olhos. E mostrou-nos o mundo fascinante que a modernização a sério do Estado tem para nos oferecer. Falta lá o voto electrónico, mas isso é mais complicado que pôr vacas a voar... Isso já mete muitas vacas sagradas. Que têm grande dificuldade em levantar voo.
O memorando da troika impôs uma série de reformas, grande parte delas quase consensuais na sociedade portuguesa. Que, se bem nos recordamos e até pelo contexto em que ocorreu, recebeu até com entusiasmo as notícias que esboçavam muitas delas. Muita gente dizia que a troika mais não fizera que elencar as necessidades que todos sentiam mas que, por razões de interesse e de inércia da classe política, sempre haviam sido deixadas nos mais variados baús do esquecimento. De onde, graças à intervenção externa, iriam agora ter de sair!
Depois, com o passar do tempo e sucessivas e renovadas versões do memorando, e com a gestão que o governo foi fazendo desse caderno de encargos, começou a perceber-se que não era bem assim…
O memorando da troika exigia uma maior racionalidade administrativa. Ora aí estava: toda a gente percebia que o país tinha concelhos e freguesias a mais. Que muitas dessas unidades administrativas não faziam sentido, pela reduzida dimensão territorial e/ou populacional e pela própria geografia. Como toda a gente percebia que o poder político não estava muito interessado em mexer uma palha para aí alterar o que quer que fosse: algum receio da inevitável contestação popular e, mais importante que isso, uma significativa amputação dos lugares a distribuir pelas clientelas partidárias.
Ironia do destino: a pasta foi entregue ao ministro mais sensível à causa clientelar. Ao personagem mais ligado à máquina partidária - também ironicamente, agora ligado à máquina – especialmente alimentada pelas estruturas locais do poder autárquico!
E quando se fala de autarquias com tal capacidade nutritiva fala-se de municípios, de Câmaras Municipais. Evidentemente!
Não admira assim que a racionalidade administrativa requerida pela troika se ficasse pelas freguesias. Que a reforma administrativa rapidamente se esgotasse num programa qualquer que junta umas freguesias a outras. Num faz de conta que não racionaliza coisa nenhuma nem tem qualquer impacto financeiro!
Não é que se não deva mexer nas freguesias. Devem evidentemente fundir-se no sentido de lhes acrescentar escala e operacionalidade. De lhes dar racionalidade. Mas não é nos custos de funcionamento dos executivos das Juntas de Freguesia que está o problema, como é óbvio!
Está precisamente nos executivos e nas estruturas municipais, onde se não toca. Porque, tocar-lhe, seria tocar nos sagrados interesses da mais forte de todas as clientelas. Seria retirar centenas de tachos da gigantesca cozinha em que os partidos do poder se converteram…
Por isso na reforma administrativa de Miguel Relvas não se fala em redução do número de câmaras municipais. Também por isso, nas autárquicas do próximo ano, os dinossauros do poder autárquico mudarão de município, candidatando-se noutras câmaras. Porque é esse o entendimento que os seus partidos fazem da lei de limitação de mandatos!
Se não cumprem as leis que eles próprios fazem, como esperar que cumpram uma simples orientação de racionalidade administrativa?
* Publicado na última edição do Jornal de Leiria
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