O governo da dita geringonça tirou o simplex da gaveta onde o anterior governo bota de elástico o tinha enfiado, debaixo da meia dúzia de páginas em tamanho 16, que Portas fez de areia para nos atirar aos olhos. E mostrou-nos o mundo fascinante que a modernização a sério do Estado tem para nos oferecer. Falta lá o voto electrónico, mas isso é mais complicado que pôr vacas a voar... Isso já mete muitas vacas sagradas. Que têm grande dificuldade em levantar voo.
No último dos jonais de ontem - melhor, no primeiro de hoje - da RTP Informação demos por Paulo Portas, depois de uma interminável sequência propagandística da coligação em que alternava com Passos, num jantar debate com a Confederação do Turismo.
A peça seguia-se, no alinhamento do bloco de notícias, a outra de apresentação dos candidatos por Lisboa. O costume, pensei de imediato: participações em actos da governação a confundirem-se com participações em actos de campanha eleitoral.
Estava eu a deixar-me tomar por esta sensação promíscua quando reparo que Portas estava a tentar responder a uma questão colocada pela audiência, a propósito do plano estratégico para o sector. E de imediato percebo que o número dois do governo estava a fazer uma figura igualzinha à que, há dias, víramos a ministra da administração interna fazer a propósito do estatuto da GNR. Nem mais nem menos, exactamente a mesma, o que é de todo surpreendente num dos maiores génios do verbo fácil.
Mas a verdade é que o homem não saía dali, não arrumava uma ideia, não articulava palavra, gaguejava e portantava sem cessar... Só que, com mais sorte que a sua colega de governo, tinha ali ao lado o secretário de estado. E, depois de tanto patinar, lá acabou por endossar o assunto "ao senhor secretário de estado" que, esse sim, trataria de dar a informação que continuava a faltar dar.
A peça já não transmitiu mais que a imagem de Adolfo Mesquita Nunes, feito anjo da guarda, a pegar no microfone sem esconder um sorriso aberto. Não ficamos a saber o que respondeu. Mas ficamos a saber que Paulo Portas não faz a mínima ideia do que seja isso de plano estratégico para o turismo.
Convenhamos que, depois do brilhante trabalho que apresentou para a reforma do Estado, não é surpresa nenhuma. Surpesa mesmo é que o mestre da pantominice tenha ficado sem pio!
Nesta aparente simples declaração está todo um programa. Em primeiro lugar porque é imperativo fazer a reforma do Estado, porque o Estado e a forma como é administrado é um dos principais factores responsáveis pela baixa produtividade da economia portuguesa, independentemente de igualmente bloquear muitos aspectos do funcionamento sociedade e um bloqueio do próprio regime. Em segundo lugar porque, como se sabe, a reforma do Estado foi pedra de arremesso no seio da coligação no governo, com Passos a entregar a batata quente a Portas, com este a deixá-la cair atabalhoadamente, sem arte nem engenho, com o tal Relatório de meia dúzia de páginas em letra de tamanho 18.
Se estas duas razões são a evidência da conhecida incapacidade do governo - deste governo, mas também de todos os outros que o antecederam - para fazer a indispensável reforma do Estado, e da própria incapacidade do regime para se reformar, a terceira vai muito mais longe, e mostra de forma inquestionável que Passos Coelho não concebe qualquer reforma sem corte de salários.
Está nesta expressão todo um programa porque, em terceiro lugar, como se acaba de dizer, para este governo, reformar não é fazer reformas nas estruturas, nas regras e nos princípios de funcionamento, na organização e nos métodos. Reformar é cortar... Cortar acima de tudo salários. Mas também cortar pensões, cortar serviços, cortar na qualidade dos serviços que não possa cortar, cortar nos deveres do Estado e cortar nos direitos dos cidadãos.
Lá vai o governo, de vento em popa, com o seu ímpeto reformista... Arrumou hoje - dia histórico, segundo Paulo Portas - com mais uma, a do IRS!
Começaram por entregar o assunto a uma comissão de especialistas, que é sempre a melhor forma que o governo encontra para deixar tudo na mesma. Os peritos dessa comissão entregaram, já lá vão uns meses, a dita proposta de Reforma do iRS, que o governo depois propagandeou. Começou por chutá-la para fora do Orçamento, andou para trás e para a frente e, no final, porque para o governo, que nada reforma, tudo é reforma (basta-lhe alterar uma alínea de um artigo de uma lei qualquer para passar logo a ser uma reforma), já se tratava de uma reforma à reforma do IRS. Fez de conta que andou à procura consensos com o PS e, no fim, deitou tudo fora - as propostas do PS, mas também as da tal comissão (se foi paga, foram mais uns milhares deitados ao lixo, se não foi - como a do IRC - foi dado o mesmo caminho ás boas vontades que ainda se dispõem a colaborar com esta gente), deixando tudo na mesma.
Há muito que este governo bateu o recorde de trapalhadas do governo de Santana Lopes, a que há 10 anos o presidente Jorge Sampaio teve de colocar ponto final. Como Passos Coelho também há muito percebeu que é um tipo com mais sorte que Santana - o menino guerreiro é mesmo um mal amado, agora até há um tipo que, só para o deixar a salivar, não aparece a reclamar os 190 milhões do euromilhões - e que pode continuar a somar trapalhadas, já sabemos que irá continuar assim até às eleições.
Passos já diz uma coisa de manhã e outra à tarde, uma numa semana e outra na seguinte. Mas hoje foi mais longe: num discurso escrito, repunha os salários dos funcionários públicos em 2016 como, de resto, determinou o Tribunal Constitucional. Logo a seguir, meia hora depois, nada disso, e garantia que encontraria formas para que esses salários fossem apenas repostos, ao tal ritmo de 20% ao ano, em 2019. E mesmo assim ainda há quem venha dizer que se há coisa de que não podem acusá-lo é de falta de coerência. Francamente!
Não menos trapalhada foi ouvir também hoje Paulo Portas, na conferência dos 25 anos do Diário Económico, dizer que, por ele, a reforma do Estado está feita. Fez o trabalho que lhe competia: fez o guião e apresentou-o em conselho de ministros. Que gora é com os ministros!
Para qualificar esta trapalhada não é preciso lembrar que o governo está a chegar ao fim do mandato sem ter tocado o que quer que fosse na estrutura e organização do Estado. Nem sequer é preciso lembrarmo-nos desse famoso guião. Basta recordar que o tema da reforma do Estado foi agora recuperado justamente por Passos Coelho para, na sucessão das picardias destas últimas semanas, entalar Paulo Portas. E reforçar o estado deprimente da coligação!
Foi criada e alimentada uma grande expectativa à volta do Conselho de Ministros de hoje. Os jornais anunciavam coisas mirabolantes, até que a meta para o défice deste ano iria ser reduzida para metade. Quer dizer, vejam lá como está tudo a correr tão bem que até o défice vai ser menos de metade dos 4% a que estávamos obrigados para este ano!
Já estamos habituados. Como já estamos habituados a estas conferências de imprensa que não dizem nada, em que nada fica claro e em que tudo é vago e nada é dito com o mínimo rigor. Mais um rato parido pela montanha!
O ministro Marques Guedes abriu com estrondo: "não vai haver aumentos de impostos"!
Ora aí está. A grande notícia é que não há mais aumentos de impostos... Era só o que faltava... Só faltava mesmo que achassem que ainda poderiam continuar a aumentar os impostos sobre o pagode!
Depois veio a ministra Albuquerque anunciar que algumas medidas de carácter extraordinário vão ser mantidas, mas “as medidas duradouras não se traduzem em sacrifícios adicionais para os contribuintes". E por fim a notícia era um corte na despesa de 1.400 milhões de euros: 180 milhões na função pública, que acabou por confirmar incluir rescisões; 320 milhões com a redução de custos em consultorias, coisa que como se sabe é simpática; 170 milhões no sector empresarial do Estado; e por fim os restantes 730 milhões em cortes na orgânica e funcionamento dos ministérios, sem que tenha levantado qualquer pontinha do véu. Sem avançar com uma única medida, sem um único exemplo... Nada, coisa nenhuma...
Só não é estranho porque nos lembramos do Guião do Paulo Portas. Que é a mesma coisa nenhuma. E se é assim naquela que é a maior fatia e a rubrica que o governo melhor domina, que - a par da dos cortes em consultores - depende só e apenas de si próprio, que é até a mais popular sem, portanto, nada a esconder...
Se o governo fosse uma montanha era mesmo uma daquelas que só parem ratos. E não é porque, depois de tanto parir, já pare sem dor. Não, é que é mesmo assim: afinal isto são apenas as linhas gerais para a conclusão da décima primeira avaliação da troika. Que estava pendente, à espera disto, de mais um exercício de faz de conta!
Mas foi por isto que esperamos este tempo todo? Foi esta mão cheia de nada que foi tantas vezes anunciada e outras tantas adiada?
Não. Este é apenas mais um episódio da guerra na coligação… Há um ano falava-se de refundação – de repente tudo se refundava, fosse lá isso o que fosse. Havia um corte de 4 mil milhões a fazer e nada como refundar o Estado para resolver o problema… E Passos passou a batata quente para as mãos de Portas.
A tarefa era de monta. E de montra, coisa que ele sempre procura. Só depois percebeu que a bata queimava mesmo, e passou a fugir com o rabo à seringa. Foi fugindo até Passos o encurralar e, bem encostado à parede, saiu-se com isto. Isto a que todos os partidos reagiram menos justamente o PSD!