Era hoje. Era para hoje, 23 de Setembro de 2013, que Vítor Gaspar tinha agendado o regresso aos mercados.
O processo de ajustamento, um ano antes do fim do programa da troika, estaria concluído e Portugal regressaria hoje aos mercados… A certeza era tanta que até dava para fixar um dia. Exactamente, com toda a precisão!
Não sei se tinha alguma coisa a ver com as eleições na Alemanha. Se seria a homenagem que Vítor Gaspar quereria prestar à senhora Merkel. Sei – sabemos – que este 23 de Setembro dá para Merkel festejar. Os alemães adoram-na, deram-lhe 41,5% dos votos, mesmo que lhe tenham deixado nas mãos a batata quente de formar governo sem a sua habitual bengala, os liberais do FDP. E que, por cá, em vez de regresso aos mercados, se fala de novo resgate. E que lá por fora Portugal não é mais o bom aluno, mas o problema maior do euro!
Num texto para a revista do Expresso, sobre “Os 100 mais influentes” a publicar no próximo fim-de-semana, o ministro alemão Schaubler não poupa elogios a Vítor Gaspar. Que fez o diagnóstico correcto, que tomou as decisões certas, que deu “a contribuição decisiva para as políticas que colocam Portugal firmemente no caminho da recuperação”. Que, perante a contestação e a pressão sobre o governo para mudar de rumo, imperturbável, manteve o rumo permitindo a Portugal “um registo imaculado na aplicação das reformas” levadas a cabo pelo governo e pela troika.
Hoje voltou a haver regresso aos mercados. Parte 2! Correu bem… diz ele. Que os mercados acreditam nisto. Quer dizer: nele.
Foi uma operação a 10 anos. Sindicada e com o BCE a pôr a mão por baixo. Um sucesso, que Gaspar pretende que seja estrondoso. Mas que não é!
Schaubler gosta mesmo de Gaspar. Já o sabíamos. Agora, Gaspar quer dizer-nos que também os mercados gostam muito dele.
Sabe que, para nós, isso não vale nada. Mas também sabe que precisa disso em conselho de ministros, onde dá agora conta de carências afectivas...
Estranho que o povo não tenha saído à rua em festa pelo regresso da Pátria aos mercados. Pelo que se vai ouvindo através das máquinas de propaganda as ruas das cidades deste país deveriam transbordar de gente em festa. De gente feliz, a saltar e a cantar vivas a Vítor Gaspar!
Mas o povo não está na rua. Nem feliz. Nem canta nem salta… O país real, mais uma vez, não coincide com o da propaganda. O país de Gaspar e Passos continua desfasado do país dos portugueses!
O regresso aos mercados estava anunciado para Setembro deste ano, mas a maior parte dos analistas, tendo em conta o andamento da economia portuguesa, sempre duvidou da concretização desse objectivo.
Portugal saiu dos mercados e entregou-se ao resgate da troika porque os juros exigidos se tornaram incomportáveis, ultrapassando rapidamente a tal taxa crítica de 7% que o ministro Teixeira dos Santos tinha estabelecido e anunciado. E isso aconteceu porque o país estava sobre endividado, a dívida era enorme, a economia não crescia e o défice orçamental estava sem controlo, como bem nos lembramos. Os mercados não acreditavam que o país pudesse pagar!
Passados quase dois anos sobre o resgate da troika, a dívida – como não poderia deixar de ser – é maior, bateu já o recorde de 120% do PIB, a economia não só nunca mais cresceu como entrou em forte recessão e de lá não sai. Sobre o défice estamos conversados: já teve que ser revisto em alta e, graças a receitas extraordinárias, o ministro Gaspar lá anda a dizer que irá ser cumprida a revista meta dos 5%. O país tem um orçamento que por toda a gente é dado por inexequível e, mesmo assim, provavelmente inconstitucional. Isto é, com sérios riscos de não existir…
As agências de rating continuam a classificar a dívida da República como lixo, com a Standard & Poor´s inclusivamente a ameaçar baixar ainda mais o rating no caso do Tribunal Constitucional declarar inconstitucionalidades no orçamento, veja-se bem. Também aqui nada mudou, e acresce que a maior parte dos agentes do mercado – sejam países sejam fundos de pensões - está impedida de adquirir dívida que não AAA!
Quer dizer, não está reunida uma única das condições para o regresso aos mercados. Não está agora, como não estará em Setembro. E no entanto regressa-se. E faz-se a festa que o país não percebe!
Devo dizer que, tal como nas taxas de juro nos mercados secundários que a propaganda pretende atribuir à credibilidade externa que o governo reconquistou, aqui apenas há dedo do BCE. Os juros baixaram não porque a credibilidade do país tenha substancialmente crescido, mas apenas porque no Verão do ano passado Mario Draghi mudou a agulha do BCE, que passou a funcionar como garante último. E Portugal vai hoje ao mercado – antes de conhecida a decisão do Tribunal Constitucional, antes de conhecidos dados da execução orçamental e exactamente quando está a pedir o alargamento dos prazos de pagamento dos financiamentos da troika – não porque tenha condições para isso. Apenas porque o BCE só pode comprar dívida de países com acesso aos mercados. E para que em Setembro, na tal data que não é mágica mas que é crítica na renovação de boa parte da dívida pública, o BCE possa comprar dívida portuguesa não há data mais favorável para encenar este regresso aos mercados que esta. Precisamente!
Perguntará o leitor: então isto é tudo uma farsa? Precisamente!
Ainda se não conhecem os resultados deste fantástico regresso aos mercados com esta operação de de 5 mil milhões de euros a 5 anos. Ainda não se sabe se os bancos que tomaram a operação conseguiram colocar boa parte ou mesmo a totalidade daquelas obrigações do tesouro no mercado - e a operação é um sucesso – ou se ficaram com todas ou grande parte delas em carteira, mas a operação continua a ser um sucesso!
Percebe-se agora a importância dos bancos. Percebe-se por que é que nada lhes pode faltar, por que é sempre mãozinha por baixo e mãozinha por cima.
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