Quando o Novo Banco, o Banco de Portugal e tutti quanti impediam a divulgação do Relatório da Auditoria da Deloitte - nem aos deputados seria disponibilizado -, toda a gente gritou que não podia ser, que os portugueses não podem servir apenas para pagar, têm pelo menos o direito de saber o que pagam.
Quando digo toda a gente, é mesmo toda a gente. Líder do governo e líderes da oposição. Não era de forma alguma admissível que as circunstâncias que concorreram para o maior escândalo financeiro da História, que tanto tem custado, e irá continuar a custar ao país, não possam ser publicamente conhecidas. Dava-se de barato que os nomes dos devedores estivessem ocultados, tratando-os de forma desigual, já que há uns que toda a gente sabe quem são, e outros que nunca ninguém ficará a conhecer. Mas enfim, nunca se pode ter tudo.
Entretanto, e em consequência deste protesto generalizado, o Relatório chegou aos deputados que, na sua posse, passaram a ser eles a decidir sobre a sua divulgação pública. A decidir o que todos, incluindo eles próprios e os seus líderes, tinham antes reclamado.
E decidiram que ... não. Que afinal o que se sabe que aconteceu no BES e no Novo Banco não é para se saber. Assim decidiram os deputados do PS e do PSD, com a abstenção conivente do CDS e da Iniciativa Liberal (o deputado do chaga nem para votar as suas próprias propostas aparece), como se antes, para a fotografia, não tivessem estado do outro lado.
Hoje já se sabe que, por vontade do Banco de Portugal, nunca virá a chegar ao conhecimento público. Nem ao do governo, nem ao dos deputados. Se não for obrigado por ordem judicial, o Banco de Portugal nunca permitirá a sua divulgação para fora do restrito meio dos reguladores e do Fundo de Resolução que, pelo que se vai percebendo das entrevistas do presidente do Novo Banco, é visita da mesma casa.
Já vi escrito que este era apenas o primeiro episódio do capítulo das incompatibilidades apontadas à nomeação de Mário Centeno. Expressei aqui várias vezes, em diversas circunstâncias, que a transferência de Centeno do Ministério das Finanças para o Banco de Portugal não era sequer aceitável, pelo que estou bastante à vontade para contrariar este tese.
Não. Não é por Mário Centeno vir do Ministério das Finanças que o Banco de Portugal não autoriza a divulgação do Relatório. É apenas porque, como o seu antecessor, é governador do Banco de Portugal. E no Banco de Portugal é assim. Não é de agora. O Banco de Portugal sempre recusou a divulgação de todas as anteriores auditorias desde 2014.
A justificação é a mesma de sempre: "sujeito a dever de segredo". A carta de recusa do pedido do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda, assinada pelo secretário geral do Banco de Portugal, conclui muito simplesmente que "não se encontrando verificada nenhuma das circunstâncias legalmente previstas que determinam o afastamento do referido dever legal de segredo, o Banco de Portugal encontra‐ se impedido de proceder ao envio".
É sua majestade o segredo bancário. O mesmo que impede a divulgação da lista de devedores. O mesmo que há-de sempre, nalgum ponto, impedir que se siga o rasto do dinheiro. É o que tem que ser... E - como se diz - o que tem que ser tem muita força.
Mário Centeno não faz, nem nunca faria, diferente. Poderá acertar mais nas decisões que tiver de tomar que o seu antecessor. Mas, mesmo que isso já faça muita diferença, é só isso!
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