Foi ontem conhecida a acusação de Manuel Pinho. Os traços gerais dessa acusação já eram do conhecimento público, e os factos já conhecidos que, aos olhos da opinião pública, transformam o ministro da Economia de José Sócrates num dos mais corruptos governantes da História recente de Portugal, lá estão. Incontornáveis, e indesmentidos.
Entre eles, que, durante 18 anos, entre 1994 e 2012, Manuel Pinho recebeu - ele e a mulher, que por isso é também acusada - do "saco azul" do BES 15 mil euros por mês, e ainda meio milhão de euros de uma só vez em Maio de 2005, numa conta "off shore", que nunca declarou à entidade fiscal. Desses, cerca de cinco milhões de euros, recebidos quando já era ministro da Economia do primeiro Governo de José Sócrates.
Manuel Pinho, como qualquer cidadão num Estado de Direito, tem direito a defesa. Que compete a um advogado. Aos indigentes são disponibilizados os serviços de um advogado oficioso; os outros contratam-nos nas medidas das suas capacidades financeiras. Os poderosos contratam advogados famosos, numa lógica de espiral mediática.
A todos compete exercer a defesa dos seus constituintes, sendo normalmente a eficácia desse exercício directamente proporcional aos respectivos honorários. E à respectiva relevância mediática. Acreditando ou não na inocência do seu constituinte, defendem-na. Quando isso se torna de forma mais óbvia impossível, focam-se nos atenuantes que permitam reduzir ao mínimo os crimes provados e as penas previsíveis.
É este o trabalho dos advogados, procurando todos os argumentos, e na lei todas as vias para, em Tribunal, o exercer com total legitimidade. No entanto, sempre que dispõem de tribunas mediáticas, e os seus clientes de grande exposição pública, não o fazem apenas nos Tribunais. Fazem-no no espaço público mediático.
São as regras do jogo, podemos não concordar, mas é assim. Quando os advogados actuam no espaço mediático a jogar esse jogo, estão dentro do jogo. Já se actuam nesse espaço a jogar outros jogos, designadamente o jogo do comentário político, ou o da cidadania, dando a cara por causas, o caso muda de figura.
Ricardo Sá Fernandes, o advogado de Manuel Pinho, é um destes casos. É um advogado mediático, mas a sua exposição mediática é muito associada a causas da cidadania. Tanto que lhe cobre até a rectaguarda sempre que cruza a porta política, circunstância de resto frequente. Para além das causas da cidadania em geral, Ricardo Sá Fernandes, é particularmente interventivo na causa da luta contra a corrupção.
Quando ontem o vimos nas televisões a defender o seu cliente percebemos como o caso muda de figura. Poderá até não ter de Manuel Pinho a visão que, neste caso, a opinião pública dele tem. Poderá não comungar da ideia instalada que se trata de um dos governantes mais corruptos da nossa História recente. Não pode é dizer nas televisões que o único "erro" - nem crime lhe chamou - de Manuel Pinho é de natureza fiscal. Que apenas falhou por não ter declarado aqueles dinheiros à Administração Fiscal. E não pode, de maneira nenhuma, dizer que esses dinheiros recebidos através de "off shores", sem qualquer ligação contratual conhecida, e já enquanto ministro, eram simples pagamentos de valores em dívida por serviços prestados antes da cessação da antiga ligação contratual ao BES.
Porque, nisso, nem ele, nem ninguém pode acreditar. Nem ele, nem ninguém, pode acreditar que, terminado o contrato de trabalho de Manuel Pinho, e feitas as respectivas contas, Ricardo Salgado lhe tenha dito que não lhe dava muito jeito pagar-lhe o que lhe devia, e negociar com ele o pagamento em "N" prestações mensais durante meia dúzia de anos, através de uma "off shore", para a sua conta e para a da mulher.
Ricardo Sá Fernandes poderia até defender isso no Tribunal. Não o fará, estou certo. Saberá naturalmente que será difícil fazer prova dos indícios de corrupção, mas também sabe que não há um único juiz que consiga convencer dessa tese de pagamento diferido.
Passos Coelho é capaz de tudo. É até capaz de chegar à Madeira e bater todos os recordes de aldrabice de Alberto João Jardim... Capaz de fazer do primeiro Chão da Lagoa sem Jardim, o mais charlatão de todos os Chão da Lagoa.
Podemos dizer que esta gente perdeu o último pingo de vergonha. Podemos dizer que nunca ninguém foi tão longe no descaramento. Podemos indignar-nos com a falta de respeito pela nossa inteligência. Podemos ficarmo-nos pelo simples "é preciso ter lata"...
Mas também podemos achar que isto é apenas um teste ao respeito que temos por nós próprios... Com resultados a conhecer lá para 4 de Outubro!
Se tivesse o mínimo sentido de responsabilidade, Portas já teria a esta hora publicado a lista das pessoas nessas circunstâncias. Já sabemos que nem o tem esse sentido nem faz ideia do que seja. E por isso se está nas tintas que pensemos que somos governados por perigosos loucos e criminosos, que impunemente atribuiram subsídios sociais a gente rica, de riqueza bem à vista, que não estava escondida debaixo de colchão nenhum. Mas também por isso, e em alternativa, se está igualmente borrifando que pensemos que é ele próprio um irresponsável, um aldrabão que mente e engana sem olhar a meios, nem que sejam disparates destes…
Não respeita os outros, mas também não se respeita a si próprio. O que também não é exactamente uma grande novidade!
Depois de três anos a dizer, inclusive ao Tribunal Constitucional, que os cortes nos salários e pensões eram provisórios, e medida temporária para fazer face a uma situação de excepção, Pedro Passos Coelho, que se tornou primeiro-ministro igualmente depois de prometer que cortar salários e pensões era coisa que nunca faria, completamente fora de causa, declarou ontem na Assembleia da República, nessa excrescência da democracia que são os debates parlamentares quinzenais, que esses cortes são mesmo definitivos. Que nenhum português pense que voltará ao seu salário ou à sua pensão de 2011!
É claro que não havia praticamente um português que não soubesse disso. Já toda gente tinha percebido que o obejctivo era justamente esse: baixar salários o mais generalizadamente possível, cortar a economia, empobrecer o país e os portugueses. O governo desmentia sistematicamente essa a sua estratégia mas, ao mesmo tempo, dava já por adquirido que os portugueses já a tinham incorporado. E explorava essa resignação sem qualquer pudor…
Terá sido por isso mesmo, por excesso de confiança, que Passos Coelho deu ontem um passo que qualquer analista político considerará de tiro no pé. Não tinha, aparentemente, qualquer necessidade de se expor e fragilizar dessa maneira!
Mas fê-lo, e ao fazê-lo em plena Assembleia da República, num debate quinzenal do governo, nunca poderia passar em claro. Pelo que percebi, a deputada Catarina Martins não deixou que isso acontecesse. E disse que a palavra do primeiro-ministro não valia nada…
Rapidamente Passos Coelho armou um dos seus números. Fez-se vítima e invocou a sua honra e mesmo a do Parlamento para não dar nem mais uma resposta àquela deputada, o que provocaria mesmo o abandono do plenário por parte da bancada do Bloco de Esquerda.
Não faltou quem embarcasse no número do primeiro-ministro. E, uns por alguma inocência e outros por dever de ofício, muitos foram os que enfileiraram em sua defesa, dando por inaceitável a linguagem usada pela deputada.
Sejamos razoáveis. E mesmo honestos. Que adjectivos há para um tipo que em campanha eleitoral diz que salários, pensões, subsídios de natal e de férias são sagrados e, chegado ao poder, desata a cortar neles a torto e a direito? Que vai dizendo que é apenas uma emergência, que logo serão repostos, mas que depois diz que nada disso, que nunca mais os verão de volta?
Será que alguém encontra algum menos excessivo que a expressão usada pela deputada?
O mínimo que se poderá dizer de um tipo desses é que não tem palavra. Ou que a que tem não vale nada!
Então um chefe do governo diz no Parlamento, a que deve resposta, exactamente o contrário do que tem andado a dizer, isto é, confirma ele próprio que andou sempre a mentir, e ninguém tem nada a dizer. Ninguém lhe diz que é mentiroso. Que não tem palavra?
Dizer-lhe Isso é desrespeitoso? Mas mentir, enganar, ludibriar é certamente altamente respeitoso!
Como se pode dar ao respeito quem nada respeita? Francamente…
É simples: se foi o Benfica a escolher Pedro Proença, fica tudo dito sobre a organização da SAD; se foi o Conselho de Arbitragem, fica tudo dito sobre o respeito que o Benfica lhe merece.
E é sempre assim: não merece respeito quem não se sabe dar a ele. Ao respeito, o princípio e o fim de todas as coisas…
Não aplaudo os protestos nas galerias da Assembleia da República. Mas também não os dramatizo, até porque não me parece que alguma vez se tenha verdadeiramente passado das marcas, nem nunca as ordens de evacuação terão deixado de ser acatadas sem problemas de maior.
Dito isto, acho que estes incidentes têm o seu quê de folclórico e pouco mais… Têm a importância que têm, e não a que lhe querem dar!
Não têm claramente a importância que a Presidente da Assembleia da República lhe emprestou hoje com um comportamento – esse sim – desajustado e destituído de bom senso. Na forma – histérica e destrambelhada – e no conteúdo. Aquela dos carrascos é um insulto!
Um insulto grande ao povo e um insulto - que não é menor - a Simone de Beauvoir, que não seria nunca capaz de semelhante coisa. Um insulto de alguém que ocupa o lugar de segunda figura do Estado, a quem, em vez de histerismo, se exige sentido de Estado. Coisa que alguém que, ainda menina e moça, se instalou nos mais apetecíveis lugares da política, sem não mais os largar, que se reformou aos 42 anos e que, impedida de acumular a pensão com o vencimento, descarta o vencimento pelo exercício da função, para ficar com a pensão de uma reforma para que não contribuiu, nunca poderá ter!
Claro que estas coisas ferem a legitimidade. E se não legitimam o protesto indiscriminado, onde quer que seja, deixam-no por lá perto…
Quem não se dá ao respeito nunca se fará respeitar!
Há muito que não se via - creio mesmo que no Ocidente nunca se terá visto - o FMI tão interventivo como acontece actualmente em Portugal. O FMI opina sobre tudo, aconselha como se não houvesse amanhã, mete-se em tudo... Nunca visto, nem num protectorado!
O pior é que, nesta ânsia de intervenção - parece que ninguém quer ficar atrás, não deve haver tipo que não queira dar o seu palpite -, diz tudo e o seu contrário.