Estes são os resultados conhecidos das eleições de ontem. Para conhecer os definitivos faltam os dois círculos da emigração - com quatro deputados para eleger - e haverá que esperar mais de uma semana. Se tudo correr bem, o que não aconteceu da última vez...
Olhando para os resultados, vemos que o PS foi o partido mais votado - e o que mais deputados elegeu -, e isso não bate certo com o que vimos e ouvimos na televisão. Sosseguem, a televisão não subverteu os resultados. Subverte muita coisa, formata ainda mais, mas não "chega" a tanto. Acontece apenas que o PPM não integrou a coligação na Madeira, e por isso aí não houve AD. São esses votos da Madeira - menos de 53 mil, e que valem três deputados -, que permitem a Montenegro reclamar o direito a constituir governo.
Vemos que as sondagens já nem à boca das urnas acertam. E, das duas uma: ou essa gente que vive disso passou a ser uma cambada de incompetentes; ou esta gente já só não se deixa governar como não deixa que eles se governem.
Acredito mais na segunda: "chegou a altura de lixar a vida a esses tipos". Era o que faltava era a malta continuar a dizer-lhes onde ia votar. Vão-se lixar: "estou indeciso". "Ainda nem pensei nisso". E se for apanhado com a boca na botija, mesma a acabar de deixar o papelinho na urna, digo-lhes que só lá fui para ver as modas. Parece-me que isto faz parte da evolução do "tuga". É o tuga.2, que é "tuga", mas não é parvo.
Vemos que mais de um milhão votou no Chega. E ouvimos o "politicamente correcto" - figura que o tuga.2 abomina - dizer que não há um milhão de neo-fascistas, racistas, xenófobos, homofóbicos , etc., etc., em Portugal. Mas, se calhar, se lhe acrescentarmos outros adjectivos eventualmente menos fracturantes, ainda passamos um bocado para lá do milhão.
O "politicamente correcto" quer mitigar esses adjectivos todos - os expressos e os omissos - com a simplicidade da insatisfação e do protesto. Não está apenas a ser parvo. Está, ainda, a repetir por negligência tudo o que fez para criar insatisfação.
Está a ignorar o crescimento da agressividade e da desinformação nas redes sociais. Que os novos actores políticos - o Chega maioritariamente, mas também a Iniciativa Liberal - tomaram conta delas com dezenas de milhares de contas, reais e fictícias, a difundir - e alimentar com "gostos", "comentários" e "partilhas" - desinformação. Seja pela mentira, pura e dura, seja pela manipulação da informação, utilizando dados parciais, ou fora de contexto.
Está ainda a ignorar que há gente interessada, e com cada vez com maior capacidade, em converter dinheiro em poder político. E que por isso não faltam apoios financeiros a estes novos actores políticos, como se tem visto com a ocultação das listas de donativos no Chega.
Chegamos aqui, aos 50 anos do 25 de Abril. O Presidente Marcelo - com enorme responsabilidade neste estado de coisas, e já a ultrapassar Cavaco como o pior Presidente da nossa democracia -, na mensagem que quis deixar anteontem, na véspera do dia eleitoral, falava destes 50 anos como um fim de ciclo: «fecha-se um ciclo de meio século da nossa história, e abre-se outro».
Não sei se ele ainda sabe o que diz... Nem sequer o que ele quis dizer. Mas é verdade que se abriu outro ciclo. Este, para já, vai ser curto!
O que por aí se vai vendo sobre os resultados eleitorais na Catalunha é verdadeiramente extraordinário. Os portugueses alinhados com a soberania catalã, exultam com a vitória inequívoca das forças independentistas e com o desaparecimento do PP de Rajoy do mapa político da Catalunha. Já os portugueses entregues de alma e coração ao espanholismo cantam a vitória clara dos constitucionalistas, e ignoram os resultados do primeiro-ministro espanhol, porque o que conta é o Ciudadanos.
Poderão estar neste momento a pensar que é sempre assim. Que já estamos habituados a que todos ganhem e ninguém perca. É verdade. Mas só é verdade por cá, deste lado da fronteira. Lá, em Espanha, não se passa nada disso. Os espanhóis, os interessados directos, não têm dúvidas nenhumas sobre os resultados das eleições. E muito menos sobre as complicações que eles trazem agarrados...
Os jornais, as televisões - a TVE foi pouco menos que escandalosa - e os comentadores espanhóis, que na campanha eleitoral foram tudo menos plurais, conhecidos os resultados, meteram a viola no saco. Por cá, isso é sempre mais difícil. Mesmo quando as coisas não nos dizem assim tanto respeito...
Francamente: não sei se esta estranha relação com os resultados eleitorais é uma idiossincrasia portuguesa, ou se é apenas o estado de futebolização a que o país chegou!
Diz o povo que "o que nasce torto, tarde, ou nunca, se endireita". Não se sabe ainda se chegará a nascer - parece que sim, que acabará por nascer - mas este acordo de sustentação política da maioria de esquerda no Parlamento está com um parto tão difícil que é grande a probabilidade de nascer torto.
O momento histórico da declaração de intenções tarda em confirmar-se na substância do acordo. Ou dos acordos, e aqui a primeira dificuldade: uma maioria não é apenas a soma maior das partes. Construir uma maioria através de acordos separados com o Bloco e com o PCP, mais que enviezado, é torto. Negociar separadamente, sem que todos se envolvam e empenhem nas soluções comuns, é fazer com que o quer que nasça, nasça torto.
A segunda grande dificuldade está no timing do parto. Sabe-se que todo o parto tem o momento certo: antes, dá prematuro; depois, pode provocar traumas irreparáveis. Se poderá de alguma forma compreender-se que fosse difícil apresentar o acordo - enfim, os acordos - ao Presidente da República antes da indigitação de Passos Coelho, já não é aceitável que se esteja ainda a negociar como se o timing certo seja o da apresentação do programa do governo.
Neste momento o(s) acordo(s) teria(m) de estar concluído(s) - dando de barato que pudesse(m) não ser público(s) - e os seus subscritores tranquilamente à espera do momento de apresentar a sua moção de rejeição ao programa do governo. Mas não, não é nada disso que estamos a ver. Estamos a ver que o bluff continua no ar, como no ar está ainda a caricata decisão de cada um apresentar a sua própria moção.
Nos últimos dias, apenas uma boa notícia: a Catarina Martins calou-se. De resto, tudo más notícias: o PCP está em claro recuo, e António Costa, com a iniciativa de Assis, cada vez com menos espaço.
Termino como comecei: tem tudo para correr mal, um verdadeiro desafio á lei de Murphy. Se calhar, por isso, Passos também já revogou a sua decisão de não chefiar qualquer governo de gestão!
Cavaco podia, eventualmente até devia, tomar a decisão que tomou. Cavaco não podia, e muito menos devia, utilizar a linguagem que usou. Não podia usar a linguagem trauliteira que utilizou, não podia agitar o fantasma dos mercados, e muito menos convocá-los, chamá-los a participar na guerra que desencadeou. E não podia, de todo, apelar à sublevação dos deputados do PS.
É Cavaco a fechar o seu mandato como merece. Não merece mais que isto, encurralado no beco em que se enfiou!
Percebo que para o negócio, nuns casos, jogo ou entretenimento, noutros, do comentário e da análise política dê muito jeito extrapolar e especular à volta do voto expresso por cada um dos portugueses. Nestas como em quaisquer outras eleições.
O espectáculo precisa disso, e o showbiz montado à sua volta mais, ainda. Por isso está praticamente institucionalizada a ideia de uma entidade colectiva chamada eleitorado, dotada de personalidade e vontade própria. Que, parece-me, mais não faz que procurar legitimar um imenso cardápio de especulações ilegítimas.
Tenho por indiscutível que cada voto tem uma motivação própria, e que os resultados eleitorais resultam de uma única conta: a soma de todos esses votos individuais. Ao expressar o seu voto cada eleitor espera com ele contribuir para o sucesso da sua própria motivação.
Dizer-se, por exemplo, que os portugueses quiseram que o governo se mantivesse em funções mas sob controlo, sem rédea solta, parece-me tão ilegítimo quanto disparatado. Os portugueses que se manifestaram pela continuação do governo foram os que votaram na coligação, não foram os outros. Disso não pode haver dúvidas. Como dúvidas não pode haver que esses, os que votaram na coligação, não pretendiam introduzir nenhum tipo de limitação à sua acção governativa. Pelo contrário, com o seu voto não pretendiam outra coisa se não a maioria absoluta!
Quem votou no PS não o fez para que o governo se mantivesse, mas agora sem maioria. Fê-lo para que o PS fosse governo. Como quem votou na CDU ou no Bloco de Esquerda não o fez por vontade em manter a governação do PSD e CDS.
Parece-me claro! Como é claro e fica por evidente que, mais que ilegítimo, é abusivo e intelectualmente desonesto, pretender que a vontade do todo seja exactamente o contrário da vontade de cada uma das partes.
A leitura séria e legítima dos resultados eleitorais – sejam eles quais forem – não se faz de interpretações subjectivas e de especulações oportunistas. Faz-se, em primeira análise, do xadrez de representação que produziram. E, depois, da concertação política que dessa representação resulte.
Tudo o resto, que diariamente vamos vendo, ouvindo e lendo, é democraticamente inaceitável, e deixa bem à vista um regime a apodrecer numa democracia de faz de conta: faz de conta que conta, mas não conta com todos, nem conta para todos. E nem todos contam…
Pelas contas de quem acredita que a democracia é a única forma de legitimar o poder, 40 anos teriam de ser tempo suficiente para amadurecer e apurar o regime democrático. Não foram!
A estrondosa acusação de Manuela Ferreira Leite - "o que António Costa estar a fazer é um verdadeiro golpe de estado" - produzida no seu espaço de comentário na TVI, não encaixa com nada do que há três ou quatro anos lá anda a dizer. Mas encaixa no seu próprio voto - ela sim, poderá agora dizer que não teria votado no PS, nem que seja a pensar que fica perdoada - e encaixa na perfeição na sua escala de valores, com a fidelidade bem destacado no topo, muito acima de todos os outros.
Não é o mais nobre dos valores... De tal forma que, para adquirir alguma nobreza, tem de chamar-se lealdade. Que já é outra coisa...
Do Bloco já caiu a luz verde para, ao que parece, um acordo sem limites nem fronteiras com António Costa. Por unanimidade e sem reservas. No PCP continua o amarelo intermitente...
Posso não estar a ver bem a coisa. Mas nunca vi nada parecido com o que se está a passar na SIC. Uma informação que se afirmou no panorama nacional como livre, independente, plural e profissionalmente competente tornou-se numa coisa estranha e eventualmente chocante.
Posso não estar a ver bem a coisa, mas estou com alguma dificuldade em reconhecer jornalistas por quem tinha grande respeito e admiração profissional. Tenho enorme dificuldade em perceber como é que profissionais da informação de mente aberta, despretensiosos e despreconceituosos, de repente, por ordem não se sabe bem de quê, se tornaram obcessivamente parciais, entrincheirados atrás das câmaras.
Posso não estar a ver bem a coisa, mas fiquei impressionado - chocado, mesmo - com a forma como uma jornalista de referência, que me habituara a respeitar e admirar, ontem conduziu "a noite informativa" da SIC Notícias. É que, uma coisa são os programas de autor, do José Gomes Ferreira, por exemplo. Outra é um serviço noticioso. Outra, e mais grave ainda, é subverter o contraditório. Usar o recurso ao contraditório, mas depois intervir para o manipular, é a forma mais indecorosa de subverter o seu espírito!
Aconteça o que acontecer, e até pode acontecer o que se julgava que não pudesse acontecer, nada muda o que já mudou.
E o cenário político em Portugal mudou completamente com as eleições de 4 de Outubro, mesmo que de início tudo parecesse ter ficado na mesma. A coligação no poder tinha ganho as eleições. Sem maioria, mas o arco da governação aí estava, intacto e pronto a continuar a funcionar, como vem acontecendo há 40 anos.
António Costa “manifestamente” não se demitia e preparava-se para viabilizar a continuidade do governo da coligação, mesmo que com mais uma machadada no sistema. Já não era apenas no governo, agora também na oposição, os partidos do sistema não tinham qualquer problema em ir ao contrário dos compromissos eleitorais.
Só que alguém abriu a porta do quarto fechado há 40 anos. Quando o PCP, contra tudo, contra todos, e muito provavelmente contra si próprio, declarou apoio ao PS para formar governo dinamitou a estrutura do arco da governação. Com declarações mais ou menos sonoras do Bloco de Esquerda, com ou sem bluff de uns e de outros, tudo mudou naquele momento. E o PS vê-se obrigado a também abrir uma caixinha bem fechada que guardava no baú.
Acabam-se as tendências que tudo escondiam. Não há seguristas – acredito que há socratistas, mas isso é outra coisa – nem há costistas. Há gente da esquerda, que acha que é por ai que o partido deve seguir, num novo rumo. E da direita, que vivia muito bem nas meias tintas mas, obrigada a optar, acha que se deve agarrar ao status quo.
O PS, desde que em 1977 Mário Soares meteu o socialismo na gaveta, sempre viveu do cimento do poder, sem grandes crises existenciais de natureza ideológica. O cheiro discreto do poder limava todas as arestas, e em nome dos superiores interesses do sistema, o partido era de esquerda na oposição e de direita no governo.
Foi assim, e especialmente assim nos últimos 20 anos, quando na Europa se esvaziava o espaço político que lhe servia de referência. Desde a queda do muro e mais acentuadamente a partir de Blair.
A crise financeira de 2008, e as crises soberanas europeias que se lhe seguiram, trataram do resto, e apagaram a social-democracia do mapa político europeu. Escrevia há dias Vasco Polido Valente, com o seu estatuto de “adiantado mental”, sempre muito á frente de todos,que a social-democracia europeia tinha morrido em 1970. Não terá sido tanto assim. A democracia cristã e a social-democracia, pilares sobre os quais a Europa se ergueu das destroços da guerra para se transformar na vanguarda mundial da justiça, da paz e da qualidade de vida, acabaram devorados pela globalização e pela financeirização (passe o neologismo) da economia, primeiro, e de toda a sociedade, depois.
O PS perdeu um milhão de votos na última década. E não foi por acaso: foi porque a forma que encontrou de resistir à erosão do seu espaço político foi apressar-se a acabar com ele. E tem agora que procurar traços de identidade a que se possa agarrar para sobreviver. Não é fácil!
A porta do quarto fechado abriu-se. De lá têm estado a sair muitos fantasmas, mas não são mais que os que lá estão a meter. Compreende-se o estado de choque de toda a gente que dava por certo e adquirido um certo território político. Que achava que havia quem tivesse de se resignar a um permanente papel de figurante. Mas sente-se que o ar pode circular melhor e tornar-se mais respirável, mesmo com as descargas tóxicas que se vão observando. É que em democracia todos contam. E tem de contar com todos!
É espantoso como a coligação de Passos e Portas, cujo único programa era o de ataque ao programa do adversário, de repente fica disponível para governar com esse programa.
Porque não apresentaram programa nenhum, até se poderia ser levado a pensar que estariam legitimados para governar com qualquer um. O problema é que o único elo que a coligação criou com os seus eleitores foi o da rejeição desse programa.
Sem mais nada para dizer, a coligação limitou-se a repetir-nos que aquelas medidas eram o regresso ao passado, o despesismo, a bancarrota... Adeus aos compromissos europeus, adeus mercados... O apocalipse. Todos os sacrifícios que fizemos teriam sido em vão.
Mas afinal não era nada disso. Era tudo a brincar, agora não faz mal nenhum e Passos e Portas dizem - repito, dizem - que todas essas medidas são muito bem vindas ao programa do governo que por nada querem largar.
Não vou dizer que nunca ninguém em Portugal chegou tão longe em matéria de traição ao voto. Até porque nem me parece que isso seja coisa que preocupe muita gente, que já provou que convive bem com isso. Mas tenho que dizer Passos e Portas perderam toda a legitimidade política que ainda pudessem ter!