O sombrio André Ventura vai espalhando impunemente a sombra do racismo que apregoa pela sociedade portuguesa. Desta vez saiu-lhe ao caminho um cigano. Com voz, que é coisa que os ciganos não têm.
Chama-se Ricardo Quaresma, e é jogador de futebol. Internacional português. Tem voz e soube usá-la, o que não é menos meritório. E deixou o mais que tudo do Correio da Manhã sem argumentos de resposta. O discurso populista é assim, não tem argumentos. Não precisa, basta-lhe a atoarda.
Sem argumentos, o deputado, líder auto-suspenso do Chega, e candidato presidencial declarou "lamentável que um jogador da selecção nacional se envolva em política" e apelou às autoridades do futebol para não deixarem passar em claro um intromissão destas. Logo ele que fez do pior que o futebol tem o trampolim para a política. Naturalmente para o pior que a política tem...
Gesto técnico é uma das principais expressões do futebolês. Tem tudo o que faz do futebolês uma subcultura com expressão própria!
É pretensiosa, mesmo a roçar o pedante, e é redonda, completamente abaulada! Porque poderia muito bem ser apenas gesto. Ou movimento. Ou acção. Ou, mais simples ainda, o que de facto é em cada caso: uma finta, ou um drible, que é a mesma coisa. Um toque de calcanhar, um domínio da bola, com paragem da dita no peito ou na coxa, uma recepção, um passe, a bicicleta, ou o pontapé da dita, enfim…
Quando alguém diz que o Xavi num gesto técnico perfeito colocou a bola nos pés do Messi que, com outro gesto técnico ainda mais perfeito passou por cinco adversários. Ou que o Cristiano Ronaldo num gesto técnico irrepreensível colocou a bola fora do alcance do guarda-redes, ninguém fica a perceber muito bem o que se passou, tanto mais que já todos sabemos que isso é o que cada um desses faz. Sempre e bem! Já quando se ouve que o Helder Postiga, com um gesto técnico desastrado, sozinho à frente da baliza atira a bola para a bancada, todos percebemos o que se passou. E já nem é por estarmos habituados à cena, é porque a bola para a bancada diz tudo!
Os gestos técnicos estão, como tudo ou quase, sujeitos às tendências da moda. E, como se sabe, não faz moda quem quer. Apenas quem pode!
Diz-se que o passe é de letra – ou o remate, porque o gesto é também já utilizado para rematar à baliza – quando é efectuado a partir de um movimento em que o pé que toca a bola está por trás – e não ao lado - do outro, o de apoio, num movimento em que as pernas se cruzam num movimento contrário ao habitual, da frente para trás. Nunca percebi por que lhe chamam de letra - até porque o futebol não é muito dado a estas coisas das letras – mas admito que alguém veja ali o desenho de um L…
Ao evocar estes dois gestos técnicos alguns lembrar-se-ão de um ciganito que por aí andou há uns tempos: Ricardo Quaresma. Bem poderia ter sido ele o criador da moda, mas não fica assim na história. Quando era Nuno Gama no Porto quis ser Roberto Cavalli em Milão! Não resultou (terá sido dos anéis?) e lá vai ele parar à Turquia, que não é exactamente um grande centro mundial da moda. E hoje, trivela e passe de letra, são vulgares, massificados e estão disponíveis em qualquer pronto-a-vestir. Até nos chineses…
Já a bicicleta tem a grife de Cristiano Ronaldo e está tudo dito: sucesso garantido! É o gesto mais estúpido que existe, mas é do CR7, nada a fazer… Ah! Uma ajudinha, também: a bicicleta é aquele movimento em que, simulando o pedalar da bicicleta, se passam uns segundos que parecem uma eternidade sem que nem o jogador que o executa, nem a bola, nem o adversário - que é suposto enganar - saiam do mesmo sítio. Nunca dá em nada, mas pegou moda e é vê-lo por aí repetido por esses campos fora, como se de grande gesto artístico se trate! É o gesto preferido de Hulk, e nem os grandes jogadores do Barcelona o dispensam, como ainda agora se viu no Mónaco!
Já o pontapé de bicicleta não tem nada a ver com isto. É um gesto de elevado grau de dificuldade e de grande espectacularidade. Vale por si mesmo e não entra em modas. Se é moda é intemporal! Precisamente porque é um recurso último, quando só resta rematar com o pé que está mais à mão, como vimos esta semana Witsel (que grande jogador!) exemplificar no primeiro dos seus dois golos e dos três com que o Benfica despachou a equipa de Co Adrianse.
O que já se vê muito pouco é o chamado pontapé de moinho. É um pontapé em que o movimento circular do corpo, todo estendido no ar paralelo ao solo, sugere o de um moinho. Ou o pontapé de tesoura, uma designação sinónima, que associa o movimento das pernas no momento do remate ao de uma tesoura. Artur Jorge, há 40 anos, no Benfica, foi quem em Portugal mais contribuiu para a fama deste gesto, mais difícil de executar e mais espectacular ainda que o pontapé de bicicleta. Executava de forma brilhante, e com muita frequência, este movimento que ficará para sempre ligado ao seu nome: um pontapé à Artur Jorge!
Como ao seu nome ficará também ligado o toque de calcanhar. Porque era ele o treinador do FC Porto que ganharia a Taça dos Campeões Europeus, em 1987 em Viena, com o tal golo de calcanhar de Madjer. A partir daí, e por muitos e bem mais espectaculares golos de calcanhar que tenham acontecido – e muitos foram, incluindo os do agora madrileno Falcao, que me lembre é o único jogador que apresenta no seu cardápio de golos toda esta gama de gestos técnicos – calcanhar e Madjer passaram a ser a mesma coisa.
E, curiosamente, o mais banal de todos os gestos técnicos, continua com a cotação em alta!
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