Para não falar de fogos, falemos de ricos. A revista Exame apresenta-os ao quarteirão, mas fica-se pelo primeiro. É a lista dos 25 mais ricos, e é uma agitação por esses jornais fora...
"Os mais ricos estão mais ricos" é a notícia.mais repetida. Só que, por definição, não é notícia. É tão natural os ricos estarem mais ricos como o cão morder o homem...
Talvez por isso o Diário de Notícias tenha entrado por outra porta, e descobriu que as "maiores fortunas do país valem tanto como dívidas dos portugueses ao fisco". Pode até ser o homem a morder o cão. Pode até ser verdade, pode até ser que a soma dessas fortunas coincida com o valor das dívidas ao fisco. Não se percebe é o que é que uma coisa tem a ver com a outra...
Bem se podiam ficar pelas banalidades habituais. Não que façam mais sentido, mas têm a vantagem de já estarmos habituados. E, mesmo sem notícias e com banalidades, bem podiam ter mais um bocadinho de rigor no que escrevem. Escrever no mesmo texto, com o intervalo de meia dúzia de caracteres, que "as 25 maiores fortunas do país cresceram 3,8 mil milhões de euros no espaço de um ano" e que "no total, os milionários do top 25 amealharam ao longo do último ano 18,8 mil milhões de euros", diz bem do que por aí vai.
Havia uma antiga tradição (baseada no respeitado Finantial Times) da cor salmão para os jornais (ou os suplementos) que se dedicavam aos temas da economia. Agora mudaram de cor, e tornaram-se autênticas revistas cor de rosa.
Os ricos querem pagar impostos para ajudar os seus países nesta crise que não tem fim. Os ricos querem pagar a crise, respondendo a um célebre repto dos tempos do PREC em Portugal. O movimento começou na Alemanha, há perto de dois anos, como aqui então dei nota. Passou para os Estados Unidos e por Warren Buffett e para a França, já com uma longa lista de personalidades – algumas, mas apenas algumas, mesmo muito ricas – a assumirem o dever patriótico de pagar impostos.
Há aqui qualquer coisa que não bate certo!
O normal seria que os ricos, tal como todos nós, protestassem contra os impostos que têm de pagar. E normal ainda seria que o Estado lhes cobrasse os impostos que a sua condição ditaria!
Nada disto é normal, e sugere que afinal o Estado, como todos nós já desconfiávamos, não tem tido a preocupação de ir procurar dinheiro onde ele está. Tem preferido ir tirá-lo a quem o não tem, ou a quem tem pouco. O que, como é bom de ver, não bate certo!
Mas não tardou que começassem a surgir mais sinais da normalidade portuguesa. Começou logo pelo governo anunciar que iria estudar o assunto, como vem sendo normal. Uma certeza: o que aí vier surgirá em sede de IRS. Com muito cuidado, para evitar que os ricos – que são já tão poucos em Portugal – fujam todos!
E logo surgiu um exército de fazedores de opinião a explicar que não vale a pena ir por aí: são tão poucos os ricos em Portugal que, tribute-se o que se tributar, a receita nunca passará de peanuts. Nem vale a pena incomodar essa gente, deixem-nos em paz – era esta, ao fim e ao cabo, a mensagem que teria de passar!
E logo houve quem surgisse a simplificar as coisas: tributem-se os rendimentos sujeitos a IRS a partir de 100 mil euros anuais – Miguel Beleza dixit! Está resolvido o problema: rico, mesmo rico em Portugal, é quem ganha 7 mil euros brutos por mês, que hoje leva para casa perto de 3 mil! Não se preocupem com os outros!
Não bate certo: mas esses não são os mesmos? Mas esses não são a classe média? Os que têm estado a pagar tudo?
Afinal a importação do tema, para consumo interno, serviu apenas para nos levar a concluir que não há ricos em Portugal e que, ao contrário do que parece possível noutras paragens, terão de ser sempre os mesmos a pagar a crise.
Estavam bem enganados aqueles que há trinta e tal anos escreveram por essas paredes fora: os ricos que paguem a crise!
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