De suposta lufada de ar fresco na vida política nacional, de suposto modelo ético, sério e rigoroso, Rui Rio transformou-se, em muito pouco tempo, no pior da política. E nem foi preciso chegar ao poder, bastou-lhe cheirá-lo!
A sua completa ausência neste período crítico que atravessamos, sem nada a dizer e muito menos a propor, e as contradições em que se enrolou na justificação do acordo com o Chega, a dizer uma coisa e o seu contrário, a negar hoje o que garantia há pouco e, acima de tudo, a mandar às urtigas a ética e os princípios, deitou por terra a imagem de um político sério, rigoroso e credível.
Que era afinal o seu único capital político. Resta-lhe agora o caminho do populismo, já não tem outro para a sua sobrevivência política.
É comum que no PSD toda a gente desafie o poder. À excepção do (longo) consulado cavaquista, foi sempre assim. Há sempre gente em movimento, a correr.
A absurda e estrategicamente estúpida decisão de Rui Rio estabelecer acordos com André Ventura, veio acabar com o mais longo período de tréguas da sua atribulada liderança. E lá voltamos a ver mais gente a correr.
Uns em pista própria, outros em pista alheia. Hoje vem mais um. Mas, ao contrário dos que já se tinham visto, um dos que reclama pista própria para correr: Jorge Moreira da Silva, um ministro de Passos Coelho, que no "Público" exige a marcação de um congresso extraordinário, e fala de “traição” aos “valores e princípios” do partido, e de uma “alteração radical do posicionamento ideológico e programático".
Não deixa de ser curioso que este grito de revolta venha de um ministro de Passos Coelho, a quem é atribuído o apadrinhamento de André Ventura. E o D. Sebastião da federação da direita. Mas o PSD é como o futebol: "é isto mesmo"!
De tanto querer inventar, Rui Rio acabou enfiado numa camisa de sete varas.
Começou por admitir que até daria para qualquer coisa de sério com o Chega, se abdicasse do radicalismo, para acabar três ou quatro meses depois em namoro descarado, já com o André Ventura a pedir-lhe que se radicalizasse com ele. Qual sereia, canta-lhe que abandone o politicamente correcto, e parta com ele a loiça toda na mais trepidante aventura radical.
E Rio lá vai, enlevado, sem dar ouvidos a ninguém, entregue ao abraço do urso. Quando der por ele já não respira!
Rui Rio perdeu o pé, e entrou no desespero em que tudo lhe serve desde que dê pata agarrar. Bastou António Costa lançar uns piropos à esquerda para Rio se virar para André Ventura, à procura aconchego. A aconchegar-se.
Rui Rio não percebeu que não estava a agarrar-se ao Chega. Estava a dar -lhe a mão. Não percebeu que André Ventura, e o Chega, podem até estar a crescer muito mas, por muito que cresçam, sozinhos nunca chegam onde pretendem chegar. Que, ao dar-lhe a mão, não se está a agarrar, está a puxá-lo para cima.
André Ventura, mais esperto, sabe que dali não tinha nada a perder. Agarrou a oportunidade que Rio lhe ofereceu de bandeja e, em vez de sair de lá, como desastrada e ingenuamente Rio lhe propusera, chamou-o para lá. E sob ameaça: se não vier, destrói-o.
Em política, como no resto, os erros pagam-se. Rui Rio começa a correr riscos de insolvência...
Hoje debate-se o estado da nação. No Parlamento, onde se vai passar a debater menos.
António Costa e Rui Rio acordaram (de acordo, mas também de acordar, com espreguiçadela e tudo) em acabar com os debates quinzenais, propostos pelos próprios social-democratas há treze anos, governava um tal de José Sócrates. Tanto quanto se conhece a proposta partiu mesmo de Rui Rio, com o argumento que o chefe do governo tem de trabalhar. Primeiro ministro é para trabalhar, não é para debater, entende o presidente do PSD. Não pode fazer duas coisas ao mesmo tempo!
A António Costa dá jeito. E dá especialmente jeito que tenha partido do seu principal adversário, transformado em aliado principal.
O parlamento é o centro do debate democrático. É assim em todas as democracias. Os cidadãos já têm a sensação que a democracia lhes é limitada ao exercício do direito de voto de quatro em quatro anos. E quantos sentirem isso, mais crescerá a abstenção. Desvalorizar o Parlamento é desvalorizar ainda mais a democracia, e é acelerar a dinâmica viciosa da abstenção.
O populismo gosta disto, evidentemente. Não é preciso chamar-se André Ventura para ser populista. E já tínhamos percebido no desprezo de Rui Rio por muitos dos rituais da democracia a sua própria maneira de ser populista. E se é inaceitável que tenha imposto a disciplina de voto aos deputados do seu partido numa matéria como esta, é simplesmente chocante que, no fim, tenha declarado que o Parlamento saiu dignificado.
Não há dúvida que as manifestações de ódio racista se voltaram a instalar no nosso mundo ocidental, onde volta não volta se põem à vista coisas que não gostamos de ver. Mas que existem.
Não é por Rui Rio afirmar que não há racismo na sociedade portuguesa, que não constatamos todos os dias evidências que a descriminação étnica está enraizada em Portugal. No último Eurobarómetro sobre racismo, 67% dos portugueses inquiridos indicavam isso mesmo, que a discriminação com base na origem étnica estava profundamente difundida na sociedade portuguesa.
Quando ouvimos responsáveis políticos, como Rui Rio, dizerem que não há racismo na sociedade portuguesa podemos sempre admitir que estão mesmo convencidos disso, ou que estão deliberadamente a desvalorizar o tema. na expectativa que, não lhe dando importância, se mantenha mais ou menos adormecido, e limitado a ocorrências mais mediáticas, que de vez em quando o tragam para o topo da actualidade.
Nenhuma das razões é boa. E se uma declaração não está suportada por boas razões, não vale para grande coisa. Se numa determinada declaração política o seu autor nega a existência problema, nunca poderá ter a solução. Ninguém procura soluções para o que não é problema. Se o quer manter adormecido, vai dar no mesmo: o problema existe, mas como se quer esconder, é como se não exista.
Há coisas que têm de ser enfrentadas com coragem. Esta, do racismo na sociedade portuguesa, é uma delas. Porque a Constituição, se não se fizer cumprir, não basta. E nem sempre se consegue escapar por entre os pingos da chuva...
O desconfinamento chegou também à política. O André Ventura desconfinou do CM - jornal e TV - onde tão confortavelmente estava há anos confinado, tranquilamente a tecer a teia que teceu.
Há quem diga que esse chega para lá tem alguma coisa a ver com a ajuda do Estado aos media, a que o também desconfinado Rui Rio se atirou como gato a bofes, e com a fatia - a terceira maior do bolo, logo atrás da que calhou à Media Capital e à Impresa, a maior de todas - que chegou à Cofina, agora entretida em dar cabo do tipo dos cruzeiros do Douro, que se limitou a correr aos saldos que o Paulo Fernandes obrigou a Media Capital a abrir. Quem sabe?
Rui Rio, que em confinamento jurava, todo ele fervor patriótico, apoio ao governo para o que desse e viesse, saltou fora. E de repente, de político altamente responsável, dos interesses do país acima de tudo, concentrado no apoio ao governo no combate ao inimigo invasor, passa a vilão. A simples populista, a quem tudo serve para se abater sobre as instituições do país, algumas delas, como a Justiça e a Comunicação Social, velhos - e sempre suspeitos - ódios de estimação pessoal.
Poderá parecer que estes extremos estão demasiado esticados. Mas é apenas um zoom para melhorar a nitidez da imagem.
É certo que as coisas não estão nada fáceis para Rui Rio. As sondagens não ajudam nada, e até as presidenciais, donde nada de mal haveria a esperar, provam que, para que nos piores momentos as coisas corram mal basta que possam correr mal, como, para fazer lei, dizia o engenheiro Murphy, lá para meados do século passado. Mas, aproveitar o desconfinamento para logo começar a ziguezaguear por aí fora, não as melhora. E cada vez mais se sujeita a ser preso por ter e por não ter cão!
Rui Rio acabou com o tabu que não existia e anunciou a recandidatura à liderança do PSD. Bem anunciada, e no momento certo. Esperou que os adversários saíssem da toca, aparecessem e dissessem ao que vinham. Depois de lhes tirar as medidas, anunciou o que não poderia deixar de anunciar e fechou o lote de candidaturas às directas de Janeiro. E já ninguém o poder acusar de demorar mais tempo a tomar a decisão que António Costa a formar um governo... Que ontem ficou também concluído, com mais 50 Secretários de Estado. Se o tamanho importa...
Anunciou que não o fazia por interesse pessoal mas pela obrigação de "impedir um PSD de perfil eminentemente liberal", liderado pelo "cinismo e a hipocrisia do politicamente correto" e tomado por "grupos organizados e pouco transparentes".
Nem mais. Os adversários, com muito pouco para dizer e nada para acrescentar, não lhe exigiam mais. Perdoam-se-lhe até os eufemismos ... E aproveitou para anunciar que até ao congresso - e obviamente até às directas, que o antecedem - acumularia com a liderança parlamentar. Voltou a acertar, o palco parlamentar e os debates com o primeiro-ministro, garantem-lhe suficientes ganhos de visibilidade para os adversários.
Desta vez Rio está a fazer as coisas bem... Pelo menos corre a caminho da foz, seja lá ela no centro ou lá onde for...
Não sei se Rui Rio ganhou o debate - e até tendo a achar que sim, na medida em que superou as expectativas gerais - mas não tenho dúvida que ganhou o pós-debate: "combinamos que não falaríamos no fim, e eu cumpro"!
António Costa veio depois e falou. E por isso perdeu. Não cumpriu!
Sabe-se que a nossa política não prima pela valorização do cumprimento. Mas, ao falar - rompendo um compromisso - sem dizer nada, Costa perdeu mesmo!
Acho eu... que valorizo estas pequenas coisas... Nem sempre assim tão pequenas, mas enfim...