Os problemas na Saúde, velhos e conhecidos há muito, mas sempre escamoteados, são finalmente um problema. Reconheceu-o o primeiro-ministro e confirmou-o o lufa-lufa da ministra da saúde durante todo o dia de ontem. Problema, temos. Não é de ontem, nem do fim de semana seco que agitou as águas; é de há muito. Não temos é solução. E esse é o problema maior.
Não "temos um problema". Temos muitos problemas. E não temos soluções, como há muito não temos, e como ontem ficou mais claro que não temos.
Para a ministra da saúde a solução é a abertura de novos concursos. Para "quem quiser", acrescentou, sabendo que ficam sem concorrentes. Para a Ordem dos Médicos a solução passa pela revogação de um despacho qualquer, que impede os médicos do SNS de prestarem serviços ao SNS.
Para a ministra da saúde o problema não está na gestão que o ministério faz dos recursos (humanos, mas não só), em não planear a substituição dos médicos que atingem a idade de reforma e, acima de tudo, em evitar o desencanto que leva os outros a partir. Para a Ordem não há qualquer problema de falta de médicos, há médicos suficientes, e há que continuar a limitar o acesso aos cursos de medicina; é preciso é somar prestações de serviços às horas extraordinárias. No espaços mediático, político e "lobístico" é preciso é mais "privado", e retomar as PPP, como se a fatia privada do negócio da saúde não fosse a maior de sempre. Como se o SNS não fosse o porto de confiança dos portugueses, ricos e pobres, todos no mesmo barco, quando o problema é complicado. E como se os hospitais privados se não apressassem a enxotar os doentes para o SNS logo que as coisas se complicam, ou o "plafond" do seguro se torna insuficiente.
Ontem, para quem ainda não o tinha percebido, ficou claro que estes problemas não têm solução nem a curto nem a médio prazo. E que, para que o governo a encontre até ao fim do mandato, é preciso que António Costa retire o ministério da saúde da dependência do das finanças e entregue a pasta a alguém que não seja apenas o seu porta-voz.
O anúncio da intenção dos principais grupos privados do negócio da saúde romperem os acordos estabelecidos com a ADSE ocupa esta semana o topo da actualidade.
O assunto prestou-se – e presta-se - às mais diversas discussões à volta dos mais diversos temas. Cabem lá quase todos… Mas vou focar-me num pequeno ponto.
É sintomático que, a meio da discussão que esta semana tomou conta do espaço mediático, se tenha ficado a saber que, no regime convencionado, ADSE paga um preço pelas consultas muito abaixo do valor de mercado. A ADSE tem dois regimes de consultas: o convencionado, ou seja as consultas dentro da rede de clínicos contratados, que paga directamente ao prestador do serviço; e o livre, onde o beneficiário escolhe o médico, paga a consulta, e é depois parcialmente reembolsado do valor que a ADSE pagaria se dentro da rede. Pouco, o tal preço que o bastonário da Ordem do Médicos classificou de escandaloso. E que o Professor Manuel Antunes, o conhecido e consagrado cirurgião, num programa televisivo revelou ser de 11 euros por hora de consulta.
Sejamos claros. Não pode haver outra a leitura: os grupos privados apenas aceitaram preços tão “escandalosamente” baixos, como dizem, por terem dado por garantido que facilmente compensariam nos restantes serviços, de mais difícil escrutínio, e provavelmente com grande vantagem, os baixos preços desses actos médicos.
É aquela expressão bem enraizada no espírito português: “uma mão lava a outra…” Só que, neste caso, “as duas não lavam o rosto”…
É isto! Como um pequeno detalhe diz tudo sobre a forma como o Estado tem cuidado das PPP´s. De todas!
Vivem-se dias agitados na Saúde. O Serviço Nacional de Saúde paga agora a factura de anos e anos de desinvestimento, e as greves dos enfermeiros, cirúrgicos e cirúrgicas, deixaram-no em pé de guerra. De guerra é também a imagem das urgências hospitalares, de há bastante tempo a esta parte. Entramos numa urgência de um hospital e ficamos com a ideia que estamos a viver uma catástrofe, com um afluxo de emergência próprio de uma guerra e de uma calamidade nacional semelhante.
Na própria greve dos enfermeiros há quem veja mão de outros interesses, que não os meramente corporativos desta classe profissional, particularmente suscitados pela forma inovadora com tem vindo a ser financiada, mas também pela emergência de sindicatos que desafiam o enquadramento orgânico convencional.
É neste quadro, por acaso ou talvez não, que o anúncio da rotura dos principais grupos privados do negócio da saúde com a ADSE surge, esta semana, no topo da actualidade.
Não será certamente por acaso que, começando por esconder que em causa estava a exigência da devolução de 38 milhões de euros recebidos em excesso em 2015 e 2016, os principais grupos privados de Saúde, uns atrás dos outros, concertadamente, como num cartel, vieram anunciar a intenção de romper com o subsistema de saúde criado para os funcionários públicos, numa posição a que dificilmente deixamos de poder chamar chantagem.
A ADSE foi a primeira alavanca das PPP´s da saúde, com todas as suas vicissitudes, com o melhor e o pior que estas parcerias comportam. No pior está, nestas como noutras PPP´s, a forma como o Estado descura o rigor no seu controlo e, consequentemente, os seus interesses, que são afinal os de nós todos.
Criada em 1963, a ADSE passou de integralmente financiada pelo Estado a integralmente financiada pelos beneficiários, como qualquer seguro de saúde, através do pagamento de um prémio que começou em 0,5% do vencimento dos funcionários no activo (com os reformados isentos) em 1979, fixando-se em 1% logo no ano seguinte por quase 30 anos. Em 2007 passou para 1,5% e os reformados passaram a contribuir com 1% do valor da pensão, para na governação de Passos Coelho passar para 2,5% até se fixar, em 2014, nos actuais 3,5% e sair da esfera do Orçamento do Estado. Só em 2017, contudo, se estruturou e atingiu um estatuto autónomo, com a passagem a Instituto Público que lhe garantiu recursos para passar a exercer o controlo a que os prestadores de serviços não estavam habituados.
É sintomático que, no meio da discussão que esta semana tomou conta do espaço mediático, se tenha ficado a saber que, no regime convencionado, ADSE paga um preço pelas consultas muito abaixo do valor de mercado. É que – e não pode ser outra a leitura – os hospitais privados aceitaram esses preços pela simples razão de darem por garantido que facilmente compensariam nos restantes serviços, de mais difícil escrutínio, e provavelmente com grande vantagem, os baixos preços desses actos médicos.
Porque não há volta a dar, e toda a gente sabe que o sector privado da Saúde ainda – saliento, ainda – não pode dispensar o negócio da ADSE, da mesma forma que, no actual estado das coisas, o país não pode dispensar o funcionamento da parceria, as partes estão condenadas a entenderem-se. Seria bom que aproveitassem para o fazer com a máxima transparência e sem deixar esqueletos nos armários...
O povo diz que "há males que vêm por bem". Os gurus da gestão chama-lhe "transformar ameaças em oportunidades". Chamem-lhe o que quiserem, mas "ponham isso no são". Se forem capazes...
Sabe-se que, em resposta a mais um recurso à utilização de armas químicas, no passado domingo, Trump ameaçou atacar a Síria. E que Putin, que impede qualquer iniciativa da ONU para esclarecer e apurar responsabilidades pelo ataque químico, não deixou essa ameaça sem resposta. O mundo está assustado. Há mais medo e há todas as razões para isso!
Por cá, nem tanto. Por cá, o assunto é mais quem é, e quem não é, Centeno. Porque, por cá, as coisas são sempre tratadas assim - reduzidas à sua mais simples expressão. Tão simplificadas que acabam sempre reduzidas a um fulano... Que diz que tem sempre dado mais dinheiro à saúde, que o orçamento tem crescido à razão de 3% ao ano. Respondem-lhe: "mas não chega, tem que ser mais".
Só que nunca ninguém sabe quanto "mais". Certo e sabido é que, por mais paradoxal que pareça, com estas nossas manias minimalistas, nunca há "mais" que chegue!
À entrada da recta final do mandato, o governo dá mostras de uma exaustão que, se até poderia entender como normal no final de uma legislatura como esta, marcada por uma intervenção externa duríssima, que se encarregou de tornar ainda mais difícil, não deixa de causar alguma estranheza, e de revelar até alguns paradoxos.
Tanto mais que, depois da gravíssima crise da meia-idade, aquela que Paulo Portas desencadeou a meio do mandato, com a sua irreversível mas revertida demissão, do próprio governo emergiu um primeiro-ministro com algumas capacidades políticas escondidas, e até surpreendentes. E alguns sinais de insuspeitável coesão que lhe deram algum fôlego, muito reforçado por uma oposição inócua, e mesmo inexistente. Das inevitáveis derrotas eleitorais de permeio, nas autárquicas e nas europeias, não tirou a oposição quaisquer dividendos. Antes pelo contrário, como também inevitavelmente se viu no seu principal opositor!
A um governo supostamente reunificado sucederam-se dois governos: o do PSD e o do CDS. De um governo, passou-se a dois governos. Um de continuidade, mal ou bem fiel à sua estrutura ideológica e agarrado à sua matriz, e outro de rotura consigo próprio, decidido a marcar a sua actuação a partir de um marco histórico por ele próprio inventado, um tal 1640 inventado para Maio de 2014. Como rapidamente a realidade se encarregou de demonstrar essa invenção, também rapidamente o governo do CDS passou as fronteiras do ridículo, passando os seus protagonistas principais – Paulo Portas e Pires de Lima, evidentemente – a surgir frequentemente como verdadeiras caricaturas, ou mesmo autênticos cromos.
O governo ia no entanto fazendo o seu percurso, um percurso cada vez mais facilitado por um PS inoperante, e agora virado exclusivamente para si próprio, em processo autofágico. Inevitável, repito. Até que, na rentrée, surgem a abertura do ano lectivo e a do ano judicial, dois acontecimentos propícios a incidentes, e normalmente momentos quentes da governação.
O ano climático tratou de arrefecer o terceiro momento quente da governação desta altura do ano – os incêndios. O Verão não foi generoso para as férias dos portugueses, mas foi-o para o governo, poupando-o às agruras das faltas de meios e de políticas de prevenção que sempre fazem mossa. Só que, o que as condições climatéricas lhe deram, a inépcia e a incompetência de alguns ministros lhe tiraram. E logo dois dos três principais focos de incêndio que consomem os portugueses começaram a soltar labaredas de proporções gigantescas. Se na Saúde, com gente que morre à espera de intervenções cirúrgicas e greves de enfermeiros e médicos, ainda foi possível – porque mora por lá alguma competência, o que faz sempre a diferença – controlar os fogos, na Educação e na Justiça tudo está a arder sem qualquer tipo de controlo. E o país está verdadeiramente a arder, como se estivéssemos no pico de um Verão que não chegou a aparecer!
Num governo dado como arrogante e autoritário surgiram até os pedidos de desculpa. Com o Ministro da Educação, um especialista da Matemática, a pedir desculpa por fórmulas matemáticas erradas, e a Ministra da Justiça a pedir desculpa por não saber em que cítius se deixou a Justiça.
No meio disto tudo os ministros do CDS fazem-se agora de mortos, e só dão sinais de vida para falar em baixar impostos, e o primeiro-ministro faz por puxar a carroça sozinho, arranjando uns números bem preparados – o da Tecnoforma, em que levanta uma lebre para depois ser ele a caçá-la, é de mestre – para distrair o pagode!
Sorteiam-se carros – anda hoje à roda – para que cada contribuinte seja também um polícia. Tributam-nos, forte e feio, os vícios. Mesmo os mais pequenos, que nem vícios sejam. Beber um copo, dar uma passa…
Agora são os doces, o sal, a manteiga… Amanhã será a água. Depois o próprio ar que respiremos… Sempre pela nossa saúde…
Os ministros deste governo vão perdendo, uns atrás dos outros, o ar sério. E também o ar de sério!
Muitos há que há muito deixamos de levar a sério, embora devêssemos. O último é mesmo o ministro da saúde!
Acreditavamos tranquilamente que ele andava a fazero que tinha de ser feito. Sempre com a ameaça de perdermos o nosso Serviço Nacional de Saúde a pairar como uma espada sobre as nossas cabeças, acreditávamos que era ele o homem certo para fazer o que tinha de ser feito. Acrescia a boa imagem que trazia da anterior passagem pela administração fiscal e, não negligenciável nestas coisas, a de ter trocado o ordenado de administrador do BCP pelo de ministro.
Tudo razões para o levarmos a sério. E se não para um ar sério, pelo menos para o ar de sério!
Mas até a sua vez já chegou. A onda do disparate tomou de tal forma conta do governo que nem este ministro se salva.
Diz-se que mentiu nos números dos partos na Maternidade Alfredo da Costa, mas isso, todos mentem. Agora, quando as pessoas deixam de ir às urgências por falta de dinheiro, quando faltam os medicamentos para tratar doentes com cancro, quando as baixas médicas são cortadas, quando a fome atravessa o país, com crianças a chegar à escola sem saber o que é o pequeno-almoço dessa manhã ou o jantar da véspera, ele lembra-se de proibir os pais de fumar no carro onde levem as suas crianças. E de colocar “advertências mais explícitas nas embalagens que mostrem e exemplifiquem as consequências do tabagismo na saúde”.
Mas será que o ministro acha que os pais fumam dentro do carro onde levam os filhos? Se não fumam em lado nenhum, nem sequer em casa, fumam dentro do carro?
E será que está realmente convencido que o que tem de mais urgente e importante entre mãos são mesmo os avisos nas embalagens de tabaco? Não chegam os que existem? E onde é que arranja espaço para mais?
Passou-se… Andou a fumar coisas esquisitas! E sem mensagens de aviso na embalagem…
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