A diferença entre os 7 a 1, da passada terça-feira, e os 3 a 0 deste jogo de atribuição dos terceiro e quarto lugares, é a mesma que vai da selecção para a holandesa. Exactamente!
O que desde logo quer dizer que o tal resultado histórico, que deixou o Brasil inteiro em estado de choque, só foi extraordinário por ser invulgar. Não tem nada de acidental!
Bastaram dois minutos de jogo para se perceber isso. Para perceber que a selecção brasileira estava a repetir exactamente o que tinha mostrado contra a Alemanha. Quando vimos a forma desorganizada como o Brasil entrou a pressionar, e o espaço que deixava nas costas da sua defesa, percebeu-se que a receita de Scolari era a mesma. E que, portanto, não só não tinha aprendido nada, como não tinha percebido nada do que lhe tinha acontecido.
E, como diz a canção, vem-nos à memória uma frase batida: … e o burro sou eu?
Se contra a Alemanha a ilusão ainda durou onze minutos, agora, contra a Holanda, bastaram dois. Vale a pena recordar: os jogadores brasileiros corriam atrás da bola que nem baratas tontas, numa pressão disparatada que obrigou os jogadores holandeses a atrasar a bola para o guarda-redes, que de imediato a colocou à entrada do meio do campo brasileiro. Van Persie ganhou de cabeça e colocou a bola em Robben, na sua praia, com aquele espaço todo livre. Foi por aí fora até Thiago Silva o derrubar, quando seguia isolado frente a Júlio César. Penalti – má, mas compreensível decisão de um mau árbitro, o argelino Djamel Haimoudi; incompreensível foi o cartão amarelo em vez do vermelho ao capitão brasileiro – e golo!
No fim do primeiro quarto de hora veio 0 2 a 0, e o terceiro só surgiu já no período de compensação porque - lá está - a Holanda não é a Alemanha. Porque o jogo do Brasil foi a mesma anarquia de jogadores que, sem saber o que fazer, marcavam encontro uns com os outros no sítio onde a bola se encontrasse. O resto era pontapé para a frente!
E foi este o Brasil que Scolari teve para apresentar, esgotada que foi a única fórmula que o homem domina – a motivação emocional de trazer por casa, de raiz populista. Que, aliada a umas arbitragens simpáticas – que hoje se repetiu, mesmo numa arbitragem deplorável, das piores de uma competição onde o nível geral foi fraco – lhe permitiu chegar às meias-finais. Onde era a pior equipa, mas também já o era nos quartos. Onde já não merecera ter chegado!
Foi, curiosamente, o primeiro terceiro lugar da Holanda num mundial. É habitué das meias-finais dos mundiais, mas nunca ganhara o último jogo. Sempre que chegou à final perdeu, como sempre também perdera quando lá não tinha chegado… Até hoje!
Falta-lhe agora ganhar a outra, a final. Ao Brasil falta-lhe agora tudo. Se calhar até jogadores… Quem diria?
Poderia sempre dizer-se que não há explicação. Que a hecatombe que se abateu sobre a selecção brasileira é verdadeiramente sobrenatural. Impensável: cinco golos num quarto de hora. Coisa inédita em campeonatos do mundo: nunca à meia-hora de jogo uma equipa estivera a perder por 5 a 0.
E no entanto isto percebe-se. Isto é Scolari. Isto é Nossa Senhora do Caravaggio. Isto é a exacerbação da emoção e o desprezo pela competência!
Como aqui se foi dizendo o Brasil não jogava nada. Mesmo deixando de fora da convocatória grandes talentos, de que Lucas Moura é apenas um exemplo, a Scolari não faltaram jogadores de grande talento. O que lhe faltou foi capacidade para os pôr a jogar futebol!
Víamos e não acreditávamos naquele futebol sem meio campo, de pontapé para a frente e fé em Deus. Fé… Muita fé. Apenas fé!
Sem qualquer racionalidade, com todos as fichas no lado emocional do jogo, a selecção brasileira era um balão prestes a rebentar à primeira contrariedade. Percebeu-se isso claramente no jogo com o Chile, na descarga emocional que se sucedeu ao sucesso nos penaltis!
David Luiz é provavelmente o jogador que melhor simboliza este Brasil emocional e incompetente. Hoje não o foi apenas uma vez mais, hoje foi-o em toda a expressão dramática!
A canarinha foi humilhada, goleada como nunca ninguém tinha sido, em casa e nesta fase da prova. O Brasil está em estado de choque, o país apostou tudo – certamente de mais – neste mundial, e a sociedade brasileira reagiu. Violentamente, muitas vezes… O hexa poderia não ser um desígnio nacional, mas era certamente a válvula de escape de todas as tensões sociais. Que a frustração, ao invés, provavelmente irá potenciar. Com consequências imprevisíveis!
Que dizer da Alemanha, que simplesmente fez isto tudo?
Pouco. Que deu sete, mas poderiam até ter sido mais. Que foi o que tem sido – a melhor equipa do mundo nesta altura. Simplesmente perfeita, sem falhas. E que, para que tudo fosse perfeito, Klose, aos 36 anos, tornou-se no maior marcador de sempre em fases finais, com 16 golos. Superando os 15 do brasileiro Ronaldo…
Falou-se que este jogo seria a final antecipada deste campeonato do mundo. Olha se fosse… A Alemanha já era a campeã. Mas não vê forma de o não vir a ser!
Aí está mais um lote de jogadores fabulosos ao dispor da selecção brasileira de futebol. Pena que estejam nas mãos de Scolari, que não sabe o que fazer de tanto talento. É um desperdício. Pena nossa e azar deles!
É frequente encontrar expressões do futebolês exactamente iguais às do português corrente. Nunca querem dizer o mesmo, têm significados completamente distintos. Poderíamos dizer que são expressões homófonas, que é coisa que não existe mas poderia muito bem existir!
Grupo de trabalho é uma expressão frequente na linguagem portuguesa. Por tudo e por nada em Portugal se cria um grupo de trabalho. É, muitas vezes, o primeiro passo para se não fazer nada, mas isso são contas de outro rosário. Com pior fama só mesmo as comissões parlamentares de inquérito. Não sei se será por isso – por nem sempre dar os melhores resultados, como ainda esta semana foi o caso do do serviço público de rádio e televisão, ou simplesmente pela moda dos anglicismos - que se tenha começado a substituir o grupo de trabalho por task force!
O grupo de trabalho é, em linguagem corrente, marcado pelo circunstancialismo. Cria-se um grupo de trabalho para uma tarefa específica – daí que a expressão inglesa faça mesmo sentido – que se esgota com a própria tarefa. Já em futebolês o grupo de trabalho é permanente. Não é um grupo construído para desempenhar uma determinada tarefa, mas um conjunto de equipas multidisciplinares integradas numa organização com missão, objectivos e estratégia.
Em futebolês o grupo de trabalho integra os jogadores - o plantel - e as equipas técnica, médica e administrativa, donde emerge o treinador com uma liderança absoluta. Seja na estrutura inglesa, onde o treinador – coach - é substituído pelo manager (o líder da organização que integra grupo de trabalho – Mourinho, no Real Madrid, para atingir esse desiderato não descansou enquanto não afastou o director desportivo, Jorge Valdano) seja na estrutura à portuguesa, que espalhou directores desportivos por tudo o que é sítio, mas quem manda é o treinador.
Em qualquer circunstância é claro que plantel e treinador são as peças fundamentais e a chave do grupo de trabalho. O resto, quanto menor visibilidade menor. Pede-se-lhe descrição e eficácia!
Vejamos o caso da selecção nacional. Porque está em alta, agora que tem na mão o guest card dos convidados de última hora para a festa de Junho na Polónia e na Ucrãnia, e porque, estando integrada numa organização de grande dimensão e dispondo de todas as estruturas, é actualmente um dos mais flagrantes exemplos do poder absoluto do treinador. No grupo de trabalho está lá tudo: um vice-presidente da Federação, um director desportivo, um departamento médico, etc.. Mas quem manda é o Paulo Bento! Para o bem e para o mal. Demasiadas vezes para o mal…e sempre em nome da defesa do grupo de trabalho! No futebol toda a gente põe a defesa do grupo de trabalho acima de tudo...
Para defender o grupo de trabalho foi inflexível com Ricardo Carvalho. Mas o grupo de trabalho é que deveria ter evitado o caso Ricardo Carvalho. Deveria haver lá gente que percebesse que a corda estava a esticar para intervir antes que ela partisse. Com Bosingwa deveria ter sucedido o mesmo. Logo que se percebeu que havia mosquitos por cordas alguém deveria ter actuado.
Quando, na terça-feira, Paulo Bento não resistiu ao inebriante odor do sucesso para desferir o golpe final nos dois proscritos, mostrou que não sabe liderar. Mostrou que poderá ser um bom sargentão, mas nunca um líder natural e, por muito que esta opinião vá contra a corrente, terá hipotecado um futuro de sucesso. Porque, hoje, a linha que separa a capacidade de liderança do autoritarismo gratuito é a mesma que separa o sucesso do insucesso.
O plantel da selecção nacional é a única estrutura do grupo de trabalho que não pertence à Federação. Os jogadores não são propriedade da Federação, chegam lá por empréstimo. Mas constituem os principais activos de alguns dos maiores clubes do mundo. Ora, com a sua história no Sporting e com estas posições na selecção, que grande clube poderá estar interessado em lhe entregar a gestão dos seus principais activos?
Se o caso Ricardo Carvalho se precipitou rapidamente, deixando a Paulo Bento pouca margem de gestão, já no de Bosingwa teve todo o tempo e toda a tranquilidade. Tudo começa em Fevereiro. Há um mês Paulo Bento diz que tem dois laterais direitos melhores, sabendo que toda a gente percebia o tamanho da mentira. Logo depois comunica: com ele, Bosingwa nunca mais. Finalmente, já em festejos do apuramento, explica: porque simulou uma lesão para não jogar no particular com a Argentina, em Fevereiro. Depois do jogador provar, e do médico do grupo de trabalho ter confirmado, que nada lhe permitia concluir da simulação da lesão, de ter exigido um pedido de desculpas e de, por fim, dizer que com com este seleccionador não voltará a jogar na selecção, Paulo Bento tem a lata de dizer que, com esta declaração, o Bosingwa é que se afastou a ele próprio da selecção.
Paulo Bento transformou-se, dentro e fora do jogo, num novo Scolari. Duro que nem o sargentão, desenvolve uma estratégia de grupo baseada na cumplicidade alimentada a fidelidade canina. Teimoso e fechado que nem o sargentão, concentra-se nos jogadores em vez dos conceitos de jogo. Arregaça as mangas e, incapaz na planificação técnica e táctica aposta no conflito e nas emoções. Tal como no declínio de Scolari…
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