Nunca um Presidente da República tinha posto os pés na Deserta. Onde há "almas negras", e não há "cagarras". Nem figuras tristes...
Não sei se a diferença entre a Deserta e as Selvagens é tão grande quanto a diferença entre os dois pássaros. Sei que é grande a diferença entre eles. Maior ainda é a diferença entre os seus nomes: onde, num, reconhecemos imponência, mistério e sedução, noutro apenas encontramos vulgaridade.
"Alma Negra" está para "cagarra" como ... Isso mesmo: como Marcelo para Cavaco!
A imprensa deste fim-de-semana, que é basicamente o Expresso, dá expressão à notícia que a tão criticada visita de Cavaco às Selvagens, justamente no coração da crise política desencadeada com a irrevogável demissão de Gaspar e a revogável demissão de Portas, foi, afinal, uma jogada de mestre do presidente, uma resposta digna da alta política internacional perante mais uma ameaça traiçoeira espanhola.
É agora divulgado, com ar de grande novidade, o que há muito é público: que a Espanha tem uma estratégia ofensiva com vista ao alargamento das suas águas territoriais que passa por Gibraltar mas também pelas Selvagens. O que se não sabia é que, pelos vistos, a Espanha terá feito pressão na ONU para que as Selvagens fossem consideradas rochedo e não ilhas, pormenor que faz toda a diferença na atribuição da zona económica exclusiva que, no caso, conflitua com a das Canárias. Mas Cavaco sabia-o – é a sua obrigação, naturalmente – e por isso, contra ventos e marés, demissões revogáveis e irrevogáveis, deu um salto às Selvagens e passou lá uma noite, não apenas para provar que aquilo não só tem dono como é habitado. Para reafirmar a soberania da República Portuguesa sobre, ao que se diz, tão rico território marítimo. Tanto assim que o Presidente até já lá dormiu!
A ser assim – e a verdade é que com tantas, e às vezes tão desajeitadas, tentativas de reabilitação de Cavaco, somos sempre levados a desconfiar destas coisas – seríamos todos devedores de um grande pedido de desculpas ao presidente. Eu, por enquanto, excluo-me e não ponho já a corda ao pescoço. Só depois de uma justificação igualmente nobre para a estória das anonas ou para a das sorridentes e felizes vacas açorianas, é que conseguirei aceitar esta agora por trás das cagarras!
PS: Para não ser acusado de falta de fair play escolhi duas fotografias, ambas da ocasião, para ilustrar o texto: uma sugere o pedido de desculpas, outra antes pelo contrário.
À medida que se replicam as reuniões entre os três partidos do arco da governação cresce a excitação em todo o país. Visitam-se uns aos outros a um ritmo diário, e isso é suficiente para que a nação acredite na coisa.
Sucedem-se as figuras do Estado a manifestar a sua fé no sucesso da corajosa e ousada iniciativa presidencial, enquanto exibem – também eles - fatias de soberania nacional que guardam nas mãos. Muitas delas nem fazíamos ideia que existissem… As da sociedade civil, daquela que se confunde e mistura com o Estado, não lhe ficam atrás. E rapidamente passaram das manifestações de fé à exigência!
Já não lhes basta declararem-se crentes da coisa. Exigem a coisa, e depressa. Viram costas e, em subliminar tom ameaçador, deixam cair: “Vá lá, entendam-se para aí que a gente espera aqui um bocadinho…”
- “Mas não demorem muito. As Selvagens são já aqui, e o presidente só dorme lá uma noite”!
E pronto, amanhã já haverá acordo para a coisa. Mesmo que ninguém saiba o que é a coisa, nem o que fazer com ela…
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