As tretas da campanha e a campanha das tretas
Por Eduardo Louro
Prometi voltar à treta – como lhe chamei – quem chamou a troika porque me parece que transporta o verdadeiro paradigma da actual campanha eleitoral. Por isso cá está!
Se bem nos lembramos veremos que tudo começou numa daquelas frases feitas, chame-se-lhe sound byte ou o que se quiser, de que se faz a política: ir para além da troika. António Costa, a páginas tantas do seu debate televisivo com Passos, acusou-o de ter sido um entusiasta do programa da troika, ao ponto de se ter anunciado disposto a ir mais longe: para além da troika.
Passos Coelho, que a última coisa que quer é falar destes quatro anos de governação, e a primeira é (ou era) falar de Sócrates, fez o seu papel, respondendo de imediato que não fora ele, mas o PS, a chamar a troika.
E a coisa ficou por aqui. Seguiu para bingo, e ninguém viu António Costa acusar Passos de ter sido ele a chamar a troika, para que o debate passasse a ficar marcado por esta polémica que nunca existiu. Mas alguém quis que existisse. Alguém tratou de a deixar no centro do debate, assim como se lá tivesse sido deixada por esquecimento. E como se sempre lá tivesse estado.
Não sei quem foi, mas sei que há gente que se dedica a isso. E que faz isso muito bem, para rapidamente inundar todo o espaço mediático, cada vez mais cheio de gente que faz, sem se preocupar muito por que faz.
E de repente, o mais importante na campanha era mesmo apurar quem tinha chamado a troika, como se não estivéssemos perante um acontecimento com apenas quatro anos, presente na memória de toda a gente. Como se não estivéssemos todos fartos de saber quem chamou a troika, por que chamou a troika, e quem queria e quem não queria chamar a troika.
Como se não soubéssemos que naquela altura, já então eminente figura do aparelho, Marco António Costa decidira que era hora de pôr a mão no pote, e fizera a Passos um aviso solene: “se o país não fosse a votos, teria que ir o partido”!
Como se não estivéssemos todos fartos de saber que o país, todo o país à excepção de Sócrates e a sua reduzida corte, não via já qualquer alternativa. Como se não soubéssemos todos que muitos dos portugueses viram então a chegada da troika como motivo de esperança. Não para os castigar, mas para castigar uma classe política e um regime esgotados, esses sim, habituados a viver acima das possibilidades. Convencidos que vinha aí quem os obrigasse a fazer o que por iniciativa própria nunca tinham querido fazer.
Podemos não estar fartos de saber, mas temos a obrigação de saber, que o regime não tem, como continua a não ter, mais que uma alternativa. E que, naquelas circunstâncias, em que o mais importante era o país libertar-se do socratismo e de tudo o que ele representava, a alternativa era Passos Coelho. Nem precisaria de fazer as promessas para não cumpriu, bastava-lhe cavalgar a onda…
A questão não é, como nunca foi, quem chamou a troika. A verdadeira questão é o que Passos e Gaspar, e depois Portas, fizeram com um programa que os portugueses tinham visto como redentor. O problema é que executaram o programa sem nunca atingir nenhum dos seus objectivos, falhando-os todos, ao ponto de Gaspar fazer as malas e partir para o FMI. O problema é que nenhuma das reformas que a intervenção externa anunciara, e que os portugueses esperavam, foi executada. Em vez de cortar nas gorduras anunciadas que entupiam veias e artérias que deviam alimentar o desenvolvimento, cortaram a eito na economia e nos rendimentos dos portugueses.
O problema é que Passos, Gaspar e Portas agarraram no programa e viraram-no do avesso, para que assentasse que nem uma luva na matriz ideológica que pretendiam instalar na sociedade portuguesa. Não para fazer de Portugal um país para os portugueses, mas para fazer de Portugal uma coutada dos interesses mais poderosos. À custa de todos os outros.
O problema é que Gaspar já cá não está para responder por nada disso. Mas Passos e Portas estão. E não estão nada interessados em que nada disso seja discutido. E para que não se fale em nada disso lá estão os spin doctors sempre a arranjar umas tretas para incorporar no espectáculo mediático em que transformam as campanhas eleitorais.