"Aux Champs Elysées"... Ponto final na 104ª edição do Tour de France. A etapa final foi, como sempre é, de consagração. Tudo estava arrumado - o pódio já era este, mesmo com o terceiro lugar preso por um simples segundo - só faltava a sempre apetecida vitória no último sprint. Coube ao holandês Dylan Groenewegem, um jovem sprinter debutante, que bateu o especialista alemão André Greipel, cliente habitual da meta dos Campos Elíseos. Que este ano, com este segundo lugar como melhor resultado, constituiu uma das desilusões do Tour. Creio não estar enganado ao dizer que este é o primeiro Tour que o alemão acaba em branco.
O Tour acaba amanhã, com a festa nos Campos Elíseos, mas ficou hoje decidido. Mesmo que o último lugar no pódio esteja preso por apenas 1 segundo, na linha da tradição instituída, na etapa de amanhã a única coisa que se discute é a vitória no sprint final, junto ao Arco do Triunfo.
Claro que há bonificações em jogo, e 1 segundo é a mínima fracção de tempo. Mesmo assim, seria um autêntico golpe de teatro se Mikel Landa se conseguisse intrometer na disputa do sprint final, e lograsse ganhar uns segundinhos. Seria mesmo a extrema ironia que Bardet, que se insurgiu contra as bonificações de Uran nas etapas de montanha, quando disputava o primeiro lugar, viesse a perder o seu terceiro lugar na última etapa justamente pelas bonificações.
Tinha aqui dado por garantido que os lugares do pódio já tinham dono. O contra relógio de hoje, com apenas 20,5 quilómetros, apenas servia para dar o seu a seu dono. Foi assim, mas apenas pelo tal segundo. Porque o francês, que, não tendo sido capaz de ganhar, pretendia naturalmente repetir o segundo lugar de há um ano, teve um mau desempenho no contra relógio onde, dos três, era o menos habilitado. Foi claramente ultrapassado por Uran, que fez o oitavo tempo, e quase ultrapassado por Landa, muito longe de ser um especialiista.
A troca de Bardet por Uran no segundo lugar não foi a única entre os dez primeiros. Também no fim da lista houve troca, com Contador - excelente contra relógio, com o sexto melhor registo - a superar o rei dos trepadores, Barguil, que é bem melhor contra as montanhas que contra o relógio.
Froome foi dos melhores, sem surpresa. Foi o terceiro melhor, apenas com mais 6 segundos, e ganha o Tour sem ganhar qualquer etapa. Não é caso único, mas quase. Surpresa foram Tony Martin, pela negativa, que foi apenas quarto, a confirmar que nunca esteve ao seu nível neste Tour. E os dois polacos - no dia nacional da Polónia - nos dois primeiros lugares, separados por um simples segundo, com Maciej Bodnar à frente de Michal Kwiatkowsky que, mesmo sendo 57º da classificação geral, fez um Tour absolutamente fantástico.
Tiago Machado, o único português presente, exclusivamente ocupado no trabalho de equipa - a Katusha, dirigida pelo José Azevedo, que foi absolutamente discreta - ficou-se pela 74ª posição.
Pronto. Os Alpes já ficaram para trás. Na frente, nada de muito novo porque, sendo novo que os três primeiros saiam das altas montanhas finais separados por menos de meio minuto, a verdade é que este ano tem sido sempre assim. Tudo preso por escassos segundos.
Quarto e quinto, respectivamente Mikel Landa e Fabio Aru, estão também separados por apenas 19 segundos mas, com as contas a serem feitas ao segundo, o minuto e picos que os separa do terceiro parece uma barreira intransponível. Daí que os três lugares no pódio já tenham dono!
Estas duas últimas etapas de alta montanha, em grande parte corridas acima dos dois mil metros de altitude, confirmaram o guião da Sky e, praticamente, a quarta vitória de Froome. Mas confirmaram mais. Confirmaram a grande corrida de Barguil - ganhou hoje, e pela segunda vez -, que ganhou a classifcação da montanha com uma autoridade raramente vista. Não teve culpa que o seu antecessor, Raphal Majka, tenha sido mais uma das vítimas das quedas, é mesmo um grande trepador, e terá certamete assegurado um lugar nos dez primeiros.
Confirmaram que Aru nunca poderia ganhar este Tour. Faltou-lhe força e faltou-lhe equipa. A Astana nunca se viu como equipa, como a etapa de hoje mostrou com toda a clareza, sem ninguém para ajudar o líder, e no entanto com corredores a integrar as fugas, e até a atacar a etapa, sem nada para de lá tirar. Confirmaram a decepção Quintana, ontem simplesmente penoso. Confirmaram a fibra de Alberto Contador. Quando já não pode dar mais, luta. Ganhou o prémio da combatividade por duas vezes, e acabará mesmo por segurar a última vaga nos dez primeiros, onde tantas vezes entrou e donde tantas saiu.
Não faltaram quedas, também nos Alpes. Kittel, o rei dos sprints, com cinco vitórias e a camisola verde garantida, foi a última vítima. Logo nos Alpes, que não eram o seu campo de batalha.
E lá vão os três mosqueteiros decidir tudo no contra-relógio de sábado. Com o colombiano Rigoberto Uran e o francês Romain Bardet, separados por seis segundos, sem grandes condições para superarem o britânico Froome.
Perdeu a amarela à entrada dos Pirinéus, mas já a tem de volta à entrada para os Alpes. Na despedida dos Pírinéus, ontem, numa etapa praticamente sem montanhas, mesmo que no Maciço Central, Froome reconquistou a liderança. Quando menos seria esperado, até porque as indicações que estava a deixar não eram as melhores.
Seria sempre difícil a Aru, nesta altura da competição, segurar a amarela por muitos dias. Sabia-se que não tinha equipa, e víamo-lo sempre sozinho, sem qualquer protecção. Mas, na etapa de ontem, é que não. E no entanto percebeu-se logo que seria mesmo nessa etapa entre Blagnac e Rodez quando, a 3 quilómetros da meta, se via Aru sozinho (passe o pardaoxo mas, tão acompanhado, a ponto de não poder sair dali, nunca terá estado tão sozinho) no meio de um pelotão compacto a grande velocidade. A dúvida era se estava ali porque se tinha distraído, ou se estava ali porque queria ver-se livre da amarela. A certeza era que, numa etapa com a meta colocada no fim de uma rampa de 300 ou 400 metros, as movimentações do sprint final provocariam cortes. E, no meio do pelotão, com apenas 6 segundos de vantagem sobre Froome, não havia milagres.
É provável que a Astana, sabendo que não poderia defender o seu líder, tenha entendido preferível sacrificar a liderança de Aru. A etapa de hoje, a 15ª, na despedida do Maciço Central e na véspera do último dia de descanso, contribuiu para credibilizar esta hipótese. Viu-se pela primeira vez o que parecia uma equipa à volta de Aru, viu-se uma mancha azul celeste à volta da sua camisola de campeão italiano, mas isso não durou nem metade da etapa. Nem sequer nunca aconteceu na frente do pelotão.
Ao mesmo tempo viu-se uma grande etapa da equipa de Bardet, a AG 2 R La Mondial. E, claro, não era preciso ver mais nada da Sky, mas viu-se como, quando Froome teve uma avaria e de repente perdeu 50 segundos para a concorrência, rapidamente reagiu a trazê-lo de volta.
A súper desfalcada Astana não tem mesmo condições para defender uma liderança. Por isso, nesta altura, a amarela não lhe interessa. Nem ao próprio Aru. A quem interessa manter este estado de coisas, a apenas 18 segundos de Froome, numa tabela com seis ciclistas separados por um minuto e 17 segundos.
Quintana e Contador lá continuam como elásticos. Há apenas dois dias parecia que o colombiano tinha reentrado na corrida. Hoje veio por aí abaixo e só parou no 11º lugar, já fora dos dez melhores. Onde se mantém Contador. Por enquanto.
Correu-se hoje a 13ª etapa, a segunda dos Pirinéus, e a mais curta de todas, com apenas 101 quilómetros, entre Saint-Girons e Foix. Pequena mas, como não podia deixar de ser, grande em história. Desde logo por ser corrida no dia nacional da França, o 14 de Julho, da tomada da Bastilha.
Neste dia, mais do que em qualquer outro, os franceses querem ganhar. Fazem sempre tudo por isso, mas nem sempre isso é suficiente. Desta vez foi, mesmo que Alberto Contador, como que ressuscitado, se tenha também feito passar por francês.
Havia grande curiosidade para saber como decorreria a corrida, pela primeira vez liberta da ditadura de Froome que a Sky impõe, em dia de liberté, fraternité et egalité. Desde cedo se percebeu que a estratégia da equipa britânica não era a mesma. Que não se iria colar à cabeça do pelotão, impor o ritmo e dominar os acontecimentos.
Fez diferente e, em vez disso, deixou fugir quem quis - com limites, evidentemente - mas quis sempre boleia. Quando Contador foi embora, teve de levar o compatriota Mikel Landa - o mesmo de ontem - que não o largou mais. Depois foi a vez de partirem Barguil e Quintana. E lá tiveram que levar com Kwiatowsky, outro que ontem fizera grande trabalho. Depois, com a percepção que os dois grupos acabariam por se fundir, o polaco descolou do segundo grupo para esperar por Froome, e acompanhá-lo até ao final da etapa.
Com esta estratégia a Sky protegeu-se, sem desproteger Froome, provavelmente a atravessar dificuldades. E permitiu ao espanhol subir uns lugares e chegar-se também lá acima, não vá alguma coisa acontecer com o britânico. Porque nem Aru, e nem sequer Uran, têm equipa para o que quer que seja. E Bardet, de equipa, também não está muito melhor...
No fim, Barguil, que pontuou fortemente na montanha e reforçou a liderança na camisola das bolinhas, cumpriu a sua missão patriótica de ganhar a etapa, batendo Contador ao sprint que, por milímetros, acabaria ainda superado por Quintana. Parece maldição!
Com os quase dois minutos ganhos aos cinco primeiros, Quintana pode ter relançado a sua corrida. Contador regressou ao top 10 e "voltou a contar". Para isso, não para mais. E Mikel Landa subiu ao quinto lugar, a pouco mais de 1 minuto, passando Daniel Martin, que desceu para sexto. Os primeiros seis classificados cabem num minuto e meio (1´32´´, mais precisamente). E só é preciso mais meio minuto para lá caberem oito.
O Tour entrou hoje nos Pirinéus, na 12ª etapa que ligou Pau - a clássica porta de entrada - a Peyragudes, também uma chegada clássica, em 215 quilómetros de da alta montanha.
Foi uma grande etapa, de verdadeiro espectáculo. O que não impediu que, durante grande parte dela, se pudesse ter instalado no espectador interessado a ideia que este Tour estava a ser demasiado estereotipado. Nas etapas planas, as equipas dos sprinters permitem toda a animação mas, chegados aos últimos quilómetros, tomam a frente do pelotão, anulam as fugas, lançam os seus ciclistas mais rápidos e, no fim, ganha o alemão Kittel. Invariavelmente. Já ganhou cinco etapas. Nas de montanha, é a Sky que permite que todos se divirtam, até certo ponto. A partir daí vai para a frente e puxa do seu manancial de recursos para endurecer a corrida e deixar quase toda a gente para trás, levando Froome fresquinho até aos últimos metros.
A etapa de hoje era mais uma dessas. E tudo estava a acontecer como se de um guião se tratasse. Primeiro foi Quintana a perder o contacto. Depois foi Contador, a maior vítima de quedas - que hoje voltaram a afastar mais um concorrente de peso, desta vez Fuglsang - ainda em prova que, depois de por duas vezes ter dado um ar da sua graça, a descolar. Lá na frente todos pareciam dever reverência a Mr Froome. Quando um pequeno incidente o fez sair de estrada toda a gente esperou por ele. Toda a gente porque Aru estava tão fixado nele que o acompanhou no precalço.
Regressaram juntos, sem qualquer dificuldade. Froome ainda dispunha do apoio de dois colegas de equipa, ninguém o atacava, e o que se esperava era que fosse ele a saltar para a vitória na etapa, ganhando mais alguns segundos aos mais directos adversários. Mas desta vez o guião falhou: naqueles últimos metros daquela subida terrível para a meta, Aru atacou e Froome ficou nas covas. Rigoberto Uran e Bardet - finalmente um francês a revelar condições de discutir o Tour - responderam. Mikel Landa ficou ali sem saber se devia ficar com Froome ou discutir a etapa, e acabou por não fazer nem uma coisa nem outra. Ficou em quarto lugar, atrás de Aru, que desta vez passou de terceiro na etapa para primeiro na geral. Bardet ganhou, com dois segundos de vantagem.
E de repente o Tour é outro. Nunca Froome tinha perdido a camisola amarela. E com o resto dos Pirinéus pela frente Aru tem 6 segundos de vantagem para o anterior líder, 25 para Bardet e 55 para Uran.
Quintana, a pagar a factura da sua participação no Giro, e que ainda passou Contador, é oitavo a mais de 4 minutos. Contador... já não conta. Nem para os dez primeiros!
O Tour chegou ao final da sua primeira semana. Como a duas restantes - Giro e Vuelta, e aqui "restantes" é mesmo o termo exacto, porque o Tour é um caso à parte - grandes competições do cilismo mundial, é uma prova de três semanas. A primeira é normalmente para roladores, com as diferenças a serem feitas por incidentes da corrida: um dia de ventos laterais que levam a cortes, as quedas - sempre as quedas - ou, quando é o caso, e não o foi neste ano, o famoso pavée. A segunda e a terceira são semanas de alta montanha, com os Pirinéus e os Alpes, sem que a ordem seja fixa. Desta vez surgem primeiro os Alpes, mas com direito a regresso, na terceira semana, depois dos Pirinéus.
Apareceram ontem, depois de um primeiro cheirinho a montanha na quinta etapa, na chegada a Statíon des Rousses, onde o francês Lilian Calmejane venceu, depois de uma grande fuga e de um final dramático, conseguindo resistir às câimbras.
Hoje correu-se a mais dura etapa dos Alpes. E provavelmente a mais decisiva do Tour porque, para além das dificuldades que integrava, ficou marcada por várias quedas que obrigaram ao abandono, entre outros, de Garaint Thomas, segundo classificado e primeiro "maillot jaune" e de Richie Port, provavelmente o maior adversário de Froome.
Quedas à parte, e no mero plano competitivo, a etapa deixou Contador irreversivelmente fora dos primeiros lugares, Quintana porventura fora da disputa da vitória e Aru fora das graças do público. Atacou quando Froome "anunciou" uma avaria, o que é sempre feio. E não ganhou nada com isso, mesmo que tenha chegado ao segundo lugar da geral.
A etapa foi de Barguil, que ganhou montanhas, umas atrás das outras, conquistou com naturalidade a camisola das bolinhas vermelhas, e pensou que ganhou a etapa. Não ganhou, porque o vídeo mostrou que foi o colombiano Rigoberto Uran a ganhar, por escassos milímetros, como Kittel, há dois dias atrás. E de Froome, que mostrou a habitual autoridade, deixando todos os adversários em sentido.
Ao quinto dia chegou a montanha, mesmo que ainda não tenha vindo para ficar. O que não impede que a amarela tenha chegado ao seu destino natural: isso mesmo, à primeira montanha voou direitinha para o tronco de Froome, como seria suposto.
Lá no alto, na estância de ski com o sugestivo nome de Planche des Belles Filles, o italiano Fabio Aru impôs-se à concorrência e ganhou a etapa, com 16 segundos de vantagem sobre o irlandês Daniel Martin e vinte sobre Froome que, mesmo terceiro, não só chegou à liderança como ganhou mais uns segundos aos crónicos mais directos adversários, incluindo aqui Quintana e Contador.
Se Froome foi de terceiro na etapa para pimerio na geral, Fábio Aru fez ao contrário: de primeiro na etapa para terceiro na geral. E disse que também conta para as contas do Tour!
O quarto dia do Tour, o primeiro integralmente corrido em solo francês, volta a ser dia de más notícias. Más notícias - mais dois nomes grandes que ficam pelo caminho - pelas piores razões: Sagan por um comportamento inaceitável e impróprio de um campeão, e Cavendish com uma clavícula fracturada.
Peter Sagan, o eslovaco bicampeão de mundo e um dos nomes maiors do Tour, tinha ganho na véspera, numa etapa que terminava à sua medida, num sprint depois de um a ligeira subida. Esta chegada à estância termal de Vittel era diferente, mais dirigida aos mais puros dos sprinters. Boa parte deles tinha ficado fora do momento de decisão, numa queda na última curva - que atingiu também o camisola amarela, Geraint Thomas - e Sagan já só praticamente teria que se haver com Mark Cavendish, ainda o maior dos maiores sprinters do Tour.
Propositadamente ou não - nunca se saberá - resolveu a coisa com uma cotovelada que mandou o britânico contra a vedação e daí para o hospital. Ficaria em segundo - ganhou o francês Arnaud Demare - mas por pouco tempo. Foi desclassificado e expulso.
Aí está a maior competição mundial do ciclismo. O 104º Tour de France deu hoje as primeira pedaladas, em Dusselforf, na Alemanha, com o prólogo, um contra relógio de 14 quilómetros.
Um tanto ou quanto surpreendentemente - o favorito, o alemão Tony Martin, foi apenas quarto classificado - ganho pelo britânico Geraint Thomas, da também britânica Sky, que classificou quatro ciclistas no top ten, entre os quais Chris Froome, de novo o principal candidato à vitória final, em sexto, e já com ganhos significativos para os principais concorrentes.
Apesar da novidade no primeiro maillot jaune, a principal nota deste prólogo marcado pela chuva, sempre um dos maiores adversários dos ciclistas, é uma péssima notícia para a competição: o espanhol Alejandro Valverde, uma das grandes figuras do ciclismo mundial e sempre um dos maiores animadores da prova, encontrou a meta no hospital, vítima da chuva e de uma queda com tanto de aparatosa quanto de grave.
Dificilmente, no plano desportivo, o Tour poderia começar pior. Esperemos que se recomponha mas, sem Valverde, já não é a mesma coisa. Para nós, portugueses, sem Rui Costa - presença habitual e galharda dos últimos anos - também não!
Como é habitual, e já um clássico, o Quinta Emenda irá dando notícias do que se for passando ao longo das próximas três semanas, neste que é um dos maiores acontecimentos desportivos do mundo.
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