Acabaram as últimas pedaladas nos Alpes, amanhã serão as últimas deste Tour, em direcção à consagração final em Paris. À consagração do jovem Egan Bernal, com apenas 22 anos, da Ineos. O primeiro colombiano a ganhar o Tour!
Foram três dias em que aconteceu de tudo, nos Alpes. Tínhamos despedido dos Pirinéus, se bem se lembram, com Pinault como grande vencedor, e Quintana e Bardet como grandes vencidos. Pois... Logo no primeiro dia de Alpes, na quinta-feira, na 18ª etapa, a corrida foi deles. E não fizeram pouco: Quintana ganhou, depois de uma subida extraordinária, em que chegou a alcançar a liderança virtual. E Bardet foi segundo e conquistou a camisola da montanha, que conseguiu segurar e levar até Paris. E no dia seguinte, ontem, Pinault foi obrigado a abandonar, por lesão, depois de ter batido com o joelho ... no guiador. Veja-se bem.
O primeiro dia de Alpes teve uma corrida de loucos, cheia de golpes de teatro. Comecemos pelo fantástico ataque de Quintana que, como já referido, lhe chegou a dar virtualmente a amarela. E foi neste cenário que surpreendentemente vimos a sua equipa, a Movistar, na cabeça do pelotão a comandar a perseguição e a contribuir decisivamente para desfazer essa classificação virtual.
Nos Pirinéus tínhamos visto a Movistar a fazer um trabalho fantástico e Quintana a ficar para trás. Deixamos então aqui uma forte crítica ao corredor colombiano por ter tornado inglório esse esforço. Admitia que, se Quintana não estava em condições de tirar proveito desse trabalho, deveria disso ter informado a equipa. Foi essa a percepção daquele momento. Com o que se viu na quinta-feira, essa percepção foi completamente invertida. A ideia que ficou foi que Quintana e a equipa fizeram a corrida ao avesso, deixando-o para trás quando ele precisava de apoio, e perseguindo-o quando ele precisava que ela o deixasse em paz!
Mas não foi apenas na Movistar que se viram coisas ao contrário. Também na Ineos se viu disso quando, na parte final da etapa, Bernal atacou logo ali a camisola amarela de Alaphilippe e e foi Geraint Thomas, que nunca fez mais nada que ir com os outros da frente, quem assumiu a perseguição. Dir-se-á que também os galês tinha legítimas aspirações a vencer, mas... não foi bonito.
Bonito também não foi, ainda nessa mesma etapa, no sopé de La Sentinelle, ver o alemão Toni Martin, da Jumbo, antigo campeão do mundo, abalroar o britânico Rowe, da Ineos, que respondeu a soco. Foram ambos expulsos da corrida. E bem!
A etapa de ontem não foi apenas a decisiva. Foi a mais insólita, com um final de todo incomum. E com Pinault a despedir-se, em lágrimas.
Bernal, que na véspera tinha dito ao que vinha, roubando o segundo lugar ao seu colega Thomas e deixando a amarela de Alaphilippe presa por minuto e meio, tomou conta das ocorrências e subiu ao Col d’Iseran, a quase 2700 metros de altitude, a dizer que queria trocar a camisola branca, que vestira à 10ª etapa, pela amarela. Quem mais perto dele se chegou foi Simon Yates. Todos ficaram para trás, e muito para trás, num esforço dramático, mas também heróico, ficava Alaphilippe, na despedida da amarela.
No cume do Col d’Iseran faltavam 40 quilómetros para a meta, feitos de uma longa descida e, no fim, mais uma parede de 14 quilómetros para trepar. Só que uns quilómetos mais à frente, lá em baixo, em vez de estrada havia um mar de lama, gelo e pedras deixado por derrocadas provocadas pela intempérie. E aos poucos lá foi chegando a informação aos corredores que a corrida tinha acabado mesmo lá na meta de montanha. Sem vencedor e com os tempos aí registados. Que valeriam a amarela a Bernal, e ainda o segundo lugar a Alaphilippe, provavelmente impossível noutras circunstâncias. Mas também a da montanha a Bardet.
Também a etapa de hoje sofreu com as condições climatéricas, e acabou encurtada de 130 para apenas 59 quilómetros, provavelmente a mais curta etapa em linha do Tour. A diferença é que era do conhecimento de toda a gente, logo à partida.
Foi mesmo assim uma grande corrida. E o ponto final na bonita aventura de Alaphilippe, que perdeu perto de 4 minutos para os da frente (da etapa e da geral) e caiu para o quinto lugar. Ganhou Nibali que, mesmo que muito inconstante, teve bons momentos ao logo da prova. Hoje foi só o melhor!
Dos portugueses ... tudo na mesma. Hoje Rui Costa integrou mais uma vez, em vão, uma fuga. Ainda deu para que a TV lhe desse o nome a um grupo: "group Costa"!
Volto ao Tour, como prometido, agora no final da segunda das três semanas da prova. E no final da passagem pelos Pirinéus que, se não decide tudo, deixa sempre muito para contar.
Mas a história desta segunda semana do Tour não se esgota nestes dois dias de Pirinéus, ontem e hoje. Antes pelo contrário, foi uma semana cheia.
Tida à partida como uma etapa sem História, na véspera do dia descanso, a décima etapa, entre Saint-Flour e Albi, de 218 km, acabou por se transformar numa das estapas decisivas deste ano, graças ao vento, aos famosos ventos laterais, que sempre fazem estragos. Mais uma vez muitos foram os que ficaram desde logo irremediavelmente atrasados, ou os que, não tendo sido o caso, foram fortemente penalizados, como Thibaut Pinot (Groupama FDJ), Richie Porte (Trek-Segafredo), Rigoberto Uran (EF Education First) e Jakob Fuglsang (Astana), gente com fortes aspirações que logo ali perderam quase dois minutos, que não é coisa pouca na hora das decisões finais.
Depois veio o único contra-relógio individual da prova, em Pau, ali na base dos Pirinèus, onde todos perspectivavam que Julian Alaphilippe fosse obrigado a entregar a camisola. Nada disso, e o francês não se limitou a resistir. Ganhou mesmo, foi surpreendentemente o melhor, numa especialidade que não era tida pelo seu ponto forte. Ganhou em toda a linha, e reforçou a liderança, aumentando bem para lá dos dois minutos a diferença para Geraint Thomas, o principal favorito.
E depois vieram os Pirinèus, com a subida ao Tourmalet logo no primeiro dia, ontem, com Alaphilippe a resistir e a acabar mesmo, com o segundo lugar na etapa, atrás de Pinault, o vencedor - dobradinha francesa - a voltar a reforçar a diferença para o britânico, ganhando-lhe mais 30 segundos, e ganhando-lhe claramente o duelo.
Mesmo sem o mítico Tourmalet, a etapa de hoje, a décima quarta, não era menos difícil. E se não teve uma história completamente diferente - já lá vamos - foi diferente o destino do duelo entre os ainda dois primeiros, já que o francês, que no final do dia de ontem era já apontado como o vencedor deste ano, talvez levado por essa onda, cometeu um erro grave: esqueceu-se que Thomas era ainda o principal adversário e, já sem protecção da equipa, repondeu a ataques a que não podia responder. Acabou por pagar a imprudência e perdeu tudo o que ganhara ao britânico nas duas vezes em que o batera, no contra-relógio e no Tourmalet, e por deixar tudo em aberto.
O vencedor dos Pirinéus, onde chegou em sétimo, a mais de 3 minutos, e donde parte no quarto lugar, mas a poucos segundos do sóbrio kruijswijk, o holandês da Jumbo-visma, terceiro, e de Thomas (Ineos), segundo, e como forte candidato ao triunfo em Paris, foi claramente Pinault, primeiro no Tourmalet e segundo hoje, em Foix Prat D’Albis, atrás de Simon Yates.
Os vencidos são muitos, especialmente o francês Romain Bardet (Ag2r-La Mondiale), um habitué do pódio, e quase dramaticamente o colombiano Nairo Quintana (Movistar), depois do notável trabalho que a sua equipa desenvolveu nos Pirinéus em seu proveito. Na etapa de ontem o colombiano falhou rotundamente, depois da sua equipa ter destruído praticamente todo o pelotão, num esforço inglório que Quintana não soube respeitar (exigia-se, no mínimo, que informasse a equipa que não estava em condições de corresponder a todo aquele esforço dos colegas). Na de hoje ficou no grupo da frente, com o apoio de mais dois colegas de equipa, numa fuga que o chegou a deixar como líder virtual, e acabou em vigésimo, a 3 minutos de Simon Yates. Entrou nos Pirinéus como favorito, até porque, à excepção do contra-relógio, sempre o seu calcanhar de Aquiles, tudo lhe tinha corrido bem. E saiu na 13ª posição, a oito minutos e meio de Alaphilippe.
Dos portugueses não reza a História deste Tour. Nem tanto pela classificação geral: Rui Costa (UAE - Emirates) em 57º, Nelson Oliveira (Movistar) em 96º e José Gonçalves (Katusha) em 127º. Mas porque não têm feito nada que valha história. Rui Costa o melhor que fez foi o oitavo lugar na 12ª etapa, depois de finalmente conseguir entrar numa fuga (numerosa) mas de não acompanhar os que de lá sairam para a meta. Já o melhor de Nelson Oliveira foi o 11º lugar no contra-relógio, a sua especialidade, 13ª etapa.
Amanhã é dia de descanso. O segundo e último. Seguem-se duas etapas para roladores e sprinters e, depois, os Alpes, em três dias que tudo se decide. Se nada de anormal acontecer entre Pinault, kruijswijk, Thomas e Alaphilippe.
Há dois franceses que podem chegar a Paris de amarelo. Há muitos anos, mais de trinta, que os franceses não vêm uma coisa dessas!
Com a chegada hoje a Saint Étienne cumpriu-se hoje a primeira semana desta edição do Tour. Para trás tinham ficado sete etapas, as três primeiras corridas em solo belga, entre as quais um contra-relógio por equipas, na segunda, onde a principal novidade terá sido o fraco desempenho da Movistar, fora das 10 primeiras, que só não penalizou Nairo Quintana, ainda e sempre na lista dos favoritos, bem como Mikel Landa, também um nome a ter em conta, porque as diferenças em apenas 30 quilómetros não dão para fazer grande diferença.
O primeiro cheirinho a montanha chegou na etapa 6, anteontem e, se não deu para "cavar" grandes diferenças, deu para afastar logo alguns nomes sonantes como Adam Yates e Dan Martin, que aí perderam mais de 14 minutos. Deu também para a amarela saltar do francês Julien Alaphillippe, a nova coqueluche dos gauleses, que hoje a reconquistaria em Saint Étienne, para o italiano Giulio Ciccone.
Sem Froome, vitima de queda e obrigado a uma intervenção cirúrgica a poucos dias do início da competição, o favoritismo cai todo, de novo, no seu colega e compatriota Geraint Thomas, o vencedor do ano passado, agora, que a poderosa Sky abandonou o ciclismo, na nova e igualmente poderosa Team Ineo. Mesmo que sejam enormes as expectativas que caem sobre a nova estrela espanhola, o jovem Enric Mas, da Deceuninck-QuickStep!
Vamos ver o que aí vem. E cá voltaremos para contar como foi, como habitualmente.
Acompanhe-nos
Pesquisar
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.