Para além da retórica trapalhona
O país parou, estupefacto, com as declarações de António Costa num comício em Matosinhos contra a GALP, a propósito do encerramento da sua Refinaria naquele concelho, e a campanha eleitoral inflamou-se, como se aquelas centenas de hectares de depósitos de combustíveis se tivessem transformado numa gigantesca bola de fogo.
Independentemente daquela declaração de guerra à petrolífera nacional, com a ameaça de "uma lição" e tudo, ser parte dos excessos inflamados das campanhas eleitorais, que normalmente os agentes políticos esperam que sejam rapidamente esquecidos, o tom utilizado pelo primeiro-ministro não pode deixar de causar impressão. Se fosse apenas o líder do PS, e nada tivesse a ver com aquilo, era uma coisa. Assim, é outra.
E não há textos publicados - ou a publicar - nos jornais que mitiguem a óbvia duplicidade de António Costa: os mesmos acontecimentos provocam, ao primeiro-ministro, uma impávida indiferença - e há até quem diga que aplausos - ; mas, ao líder partidário em campanha eleitoral, uma revolta violenta.
Perguntar-se-á: onde está a estranheza? Não é António Costa - e, em boa verdade, praticamente todos os que o antecederam e, arriscaria, praticamente todos os que lhe venham a suceder, pelo menos nas décadas mais próximas - useiro e vezeiro nestas coisas?
É. E daí que não me pareça que seja isso o que de mais importante tenhamos a reter deste episódio. Mais importante que estas trapalhadas de campanha eleitoral, em que toda a gente perde o tino, é a ideia que foi passada que o encerramento da Refinaria de Matosinhos é um passo na transição energética.
E essa ideia não foi passada pela GALP, embora a tenha aproveitado para se esconder atrás dela. Foi, e continua a ser, passada pelo primeiro-ministro, António Costa, no exercício da governação do país, quando se sabe que a GALP simplesmente desactivou aquela unidade de produção por de lá não retirar a rentabilidade pretendida. Não tem nada a ver com a missão da descarbonização da economia. É, antes, mais um cemitério onde vai a enterrar a indústria do país.
É mais uma mistificação das muitas da nossa economia, mais um passo atrás dado como se fosse para a frente. Mais do "faz de conta", o buraco nacional que há mais de 30 anos engole os milhões que vêm da Europa. Substituir uma indústria poluente por uma verde, é uma coisa. Outra é assistir à morte da velha indústria, e fazer do funeral uma festa.
E isto é bem mais preocupante que retórica trapalhona em campanha eleitoral.