Montenegro surgiu ontem ao país, que ele próprio deixara em suspenso quando, com mais de 24 horas de antecedência, anunciara uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros, seguida de uma comunicação ao país, pelas (con)sagradas oito da noite, a brindar com um copo cheio de truques.
Não foi uma comunicação ao país, foi um comício!
Não era disso que o país precisava. Não era de propaganda, de truques, de "mais família", de mais vitimização. Era de clareza, em nome da decência, tudo o que o país precisava.
Depois de se saber que a actividade da tal sua empresa familiar, independentemente das conhecidas ilegalidades ou outras desconformidades com as boas práticas, e até da nulidade de actos que conduziram à sua actual estrutura societária, se circunscrevia a avenças com um conjunto de empresas - entre elas a Solverde, com uma avença mensal de 4,5 mil euros, cuja actividade se centra numa concessão para a exploração de jogos de sorte e azar, em casinos e "on line", já negociada com o Estado por Luís Montenegro, no exercício da sua actividade de advogado, e que termina precisamente no final deste ano - o primeiro-ministro só tinha de, finalmente, ser claro.
Por trás da retórica que, para a oposição, nunca haverá esclarecimentos suficientes, Montenegro tem a consciência que há mesmo coisas para esclarecer. Sabe-o tão bem que foge a perguntas, escondendo-se em "comícios" e debates parlamentares atrás de truques que domina com alguma mestria.
Há muita coisa para esclarecer porque, na verdade, nada foi esclarecido. Mas há uma pergunta que é fundamental: com Montenegro nas funções de primeiro-ministro, teoricamente sem tempo, e eticamente impedido de produzir os serviços que a empresa vende, sem quadros (não é certamente com um advogado e um jurista, avençados pelo "ordenado mínimo" que a empresa presta serviços de tanta especifidade técnica, e com tamanho valor acrescentado) para o substituir, como é que a empresa presta esses serviços a clientes da dimensão dos que acabou por revelar, e pelos preços que foram conhecidos?
É difícil, a Montenegro ou a quem quer que seja, dar a resposta.
O problema - e daí, acredito eu, que a pergunta seja evitada e que ainda não tenha sido feita - é que a dificuldade da resposta abre a porta que ninguém quer abrir. Essa dá, escancarada, para não haver serviço algum a ser prestado, e estar a ser paga uma outra coisa qualquer. E fácil de ver!
Percebo que toda a gente queira manter essa porta fechada. E que o truque de Montenegro, a anunciar a meias tintas uma moção de confiança que nunca seria para avançar, fosse isso mesmo.
Não percebo que, à beira do precipício, o PCP tenha dado o passo em frente. Ao chegar-de de imediato à frente com o anúncio de uma moção de censura o PCP lançou a bóia de salvação ao PSD, e tornou-se no mais (in)suspeito guardião do regime. Mas o PCP é isso mesmo, uma coisa que hoje ninguém percebe.
Desconfio bem que, no entanto, aquela porta se não mantenha fechada assim por tanto tempo.
Foi hoje divulgado o Índice de Percepção de Corrupção relativo a 2024, onde Portugal ocupa a 43ª posição entre os 180 países avaliados, com 57 pontos, numa escala de 0 (para Estados altamente corruptos) a 100 (elevada integridade dos Estados no combate à corrupção), a par do Botswana e o Ruanda, para se fazer uma ideia do que vale. No que é o pior resultado de desde que este índice começou a ser publicado pela Transparency International, em 2012.
Para este resultado terá sem dúvida contribuído a Operação Influencer. Mas ainda não contou o caso de Hernâni Dias, nem a Operação Tutti-Frutti que finalmente chegou a acusação na última semana. E não contou, evidentemente, que o primeiro-ministro tenha resumido o comportamento de Hernâni Dias a imprudência, e saudado o seu "desprendimento". Que grande parte dos acusados da operação Tutti-Frutti se mantenham nas suas funções autárquicas, e envolvidos nas escolhas para as eleições que aí vêm. Ou que Carlos Moedas tenha feito do seu vereador Ângelo Pereira um exemplo. Por ter tido de suspender o mandato, só por ser acusado de um crime de recebimento indevido de vantagem, quando foi vereador em Oeiras.
Portanto, para o ano é sempre a descer. E a descolar do Botswana e do Ruanda...
É notícia de hoje que o Gabinete Coordenador das Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ), que ocorreram há um ano, continua activo ... e a somar custos.
Diz a notícia que, depois de terminadas as JMJ, o Gabinete chefiado por José Sá Fernandes continua em funcionamento, e já custou mais 1,7 milhões de euros, dos quais 1,3 em salários dos nove elementos da comissão técnica. Feitas as contas dará cerca de 150 mil euros anuais a cada um. Descontando os eventuais encargos sociais, representaria um salário médio mensal de 10 mil euros. Com um custo médio mensal próximo dos 16 mil euros.
Diz-se que desde o fim da visita papal a comissão técnica tem trabalho no projecto de requalificação da zona ribeirinha oriental de Lisboa, espaço integrado no concelho de Loures, na zona da Bobadela. Se assim é, e se a intervenção nesse projecto justificasse a manutenção em actividade de toda a estrutura, e de todas as mesmas pessoas, nas mesmas condições - justificação pouco justificável - por que é que esse projecto não é autónomo e esse gabinete se continua a chamar Gabinete Coordenador das JMJ?
É por estas e por outras que tudo cheira mal neste país, avesso à transparência na gestão da coisa pública. Será o que o regime é "burro velho que não toma ensino"?
Na campanha eleitoral Luís Montenegro garantiu solenemente o fim dos truques na política. Sentado em S. Bento, ainda sem tempo para aquecer o lugar, o que tem para mostrar é ... truques. Bem sei que deixaram de lhe chamar truques, que se passaram a designar ambiguidades. E até equívocos.
Mas são truques, e nada mais que isso, por múltiplos significados que vão procurar aos dicionários.
O truque maior saltou à vista na anunciada descida do IRS em 1,5 mil milhões de euros. Que já estava, a quase 90%, assegurada pelo governo anterior, plasmada no Orçamento, e em vigor. Não dá para disfarçar de ambiguidade, nem de equívoco. É um truque e mal feito, daqueles que só iludem os muito distraídos. Ou os que não conseguem ver. Porque estava no Orçamento, contra o qual o PSD tinha votado, e porque o Programa Eleitoral da AD foi apresentado aos eleitores quando essa descida já estava em vigor.
Quando Montenegro, em campanha eleitoral, prometeu inverter os maus resultados da governação socialista dos últimos oito anos com uma "agenda transformadora da economia" assente num modelo de crescimento económico baseado na descida de impostos, afinal não lhe mexe, mantém o Orçamento do governo socialista e mantém até o Programa de Estabilidade a enviar para Bruxelas, entregue há dois dias no Parlamento. Neste, mantém até a previsão que a economia cresça 1,5%, e a que a inflação se mantenha em 2,9%, quando as organizações internacionais são bem mais optimistas: o FMI prevê, respectivamente, 1,7% e 2,2%.
Mas houve mais. Houve truques logo na eleição do Presidente da Assembleia da República, como volta a haver truque quando a adjunta do ministro de Estado e das Finanças, Patrícia Dantas, que enfrenta uma acusação de crime de fraude na obtenção de fundos europeus - que não foi impeditiva de exercer funções no Governo Regional da Madeira - não é a primeira baixa do governo ... porque não chegou a tomar posse!
Pronto. Se não querem, não lhe chamamos truques. Mas vejam lá se acabam rapidamente com esses equívocos, ambiguidades, confusões, trapalhadas ou o querem que lhe chamemos. É que não nos prometeram apenas um país a crescer, com serviços a funcionar como nunca, e com toda a gente a ganhar bem e a pagar poucos impostos. Também nos prometeram transparência!
O Expresso divulgava este fim de semana uma sondagem promovida pela Sedes (Associação para o Desenvolvimento Económico), feita pela Pitagórica. Esta divulgação é apresentada como "A Perspetiva do Cidadão sobre as Propostas da Sedes” e diz resultar "da recolha de informação feita entre 16 de janeiro e 12 de fevereiro, através de entrevista telefónica".
A Sedes é uma velha e respeitável organização de intervenção política e social bem conhecida, como conhecidos são os seus membros, pelo menos os mais destacados. É natural que se promova - e pague, ou recolha financiamento para isso - estudos de opinião sobre os temas que coloca em agenda, e defende. Não é isso que está em causa. É outra coisa, e já lá vamos.
Os dados revelados pelo estudo - repito, todos temas de propostas da Sedes - indicam que 47% dos portugueses são favoráveis ao aumento dos gastos com a defesa nacional, com igual percentagem a ser favorável ao regresso do serviço militar obrigatório; que 70% considera necessária uma revisão constitucional; que 75% acredita que é alto, ou muito alto, o nível de corrupção no país; que 67% entende que não há suficiente separação entre política e justiça; e que 60% são favoráveis à regionalização.
Até aqui nada de especial.
Depois a coisa começa a cheirar a esturro quando, como se pode confirmar pelo link acima, começa por anunciar que ""35% confiam “pouco ou nada” na saúde pública em Portugal, apenas 26% confiam “totalmente ou muito”, enquanto 39% confiam “razoavelmente”". Olhamos, e vemos que o número que indica que 65% dos portugueses confia na saúde pública em Portugal - SNS, evidentemente - está escondido por trás dos 26% confiam “totalmente ou muito”, e dos 39% confiam “razoavelmente”. E que o que é enfatizado é o dos restantes 35% que confiam "pouco ou nada".
Mas não se fica por aqui. Quando o tema muda para o sector privado da saúde, escreve-se que "por oposição... 33% dos inquiridos confiam “totalmente ou muito” e 15% confiam “muito pouco ou nada”. Ora, se a aritmética não é uma batata, o que o estudo diz é que apenas um terço dos portugueses confia na oferta privada de saúde, número que até bate certo com os dois terços que confiam no SNS. A aritmética bate certa, o português - "por oposição" - é que não!
Se até lá acima "nada de especial", até aqui o cheiro a esturro vem da manipulação dos números na forma como são apresentados. Mas há mais.
O estudo revela que 73% dos portugueses são favoráveis à criação de um Senado, de uma segunda câmara no Parlamento, precisamente uma das propostas da Sedes. Outra é a da criação de círculos uninominais, que 71% não sabe o que é.
Se até aqui era a aritmética que não batia certo com o português, agora já nada parece bater certo. Que 60% seja favorável à regionalização poderá ser aceitável. A regionalização está no debate público há muito tempo, e até já rejeitada em referendo. Já foi há muito tempo, e a posição dos portugueses poderá hoje ser outra, a contrária. Que 73% dos inquiridos apoie a criação de um Senado - que não me lembro de alguma vez ter andado pelo debate público, e que representaria mais uma Instituição Política (mais lugares para a classe política, quando esta não anda lá assim tão bem vista) parece pouco aceitável. E não bate mesmo nada certo com os 71% que não sabem o que são círculos uninominais, bem mais presentes no debate público. Que uma tão grande maioria conheça, e seja a favor da criação de um Senado que não faz parte do debate público, mas não faça ideia do que são círculos uninominais, tema praticamente tabu na discussão política - é certo - mas, ainda assim, trazido a debate uma vez por outra, não faz sentido.
Em suma, temos aqui um "dois em um" muito comum neste jardim à beira-mar plantado. Estudos de opinião, sob as suas mais diferente formas, que no fundo apenas pretendem "validar" as posições de quem os encomenda; e, ainda por cima, o enviesamento da apresentação - filtragem, como agora se diz - dos seus resultados de acordo com os interesses de quem os publica. E mais um exemplo de que a falta de transparência é certamente mãe dos maiores problemas da nossa vida colectiva!
Hoje, no último dia do prazo, o Banco de Portugal entrega finalmente na Assembleia da República a lista dos grandes devedores da banca, depois de, em Janeiro passado, ter sido aprovada a lei que obriga as instituições de crédito a divulgar informação sobre os créditos que provocaram as perdas que as conduziram ao pedido de auxílio do Estado.
Depois de tanta resistência em fornecer esta informação, levantando sempre os maiores problemas, sempre perdidos nos excessos das tecnicalidades apenas acessíveis aos seus altos quadros, o Banco de Portugal acabou por fazer chegar ao Parlamento não uma, mas duas listas: uma para os deputados, e outra para divulgação pública.
É sempre assim, cada vez que falamos de transparência...
Amanhã, os alunos das escolas portuguesas, depois de em Março terem aderido ao grande protesto mundial dos estudantes ("não há planeta B"), vão participar numa greve climática para desenvolver acções de protesto pelas agressões ambientais em 34 cidades.
Mas há testes marcados para esse dia. E os alunos vão ter falta injustificada, justificada por todos os directores escolares, mesmo pelos que saúdam o seu abraço à causa, e juram encontrar toda a justificação para o protesto.
Já aqui tínhamos dado conta da indepedência do funcionamento do Estado. Não é só com este governo, mas em moldes especialmente grosseiros com este governo. Da forma como, contra os cidadãos, inverte o ónus da prova. Ou como é o pessoal da administração interna que comanda os inquéritos às polícias. Ou como é o das finanças a inquirir os actos do pessoal das finanças, e de como "no fim bate tudo certo".
Nada de novo. Tudo como dantes: quartel general em Abrantes... A Inspecção Geral de Finanças, inspecciona .... as Finanças. E, claro... no pasa nada!
A famosa lista VIP de Paulo Núncio não tem nada de mal e já está tudo arrumado. Porque afinal é como a pescada... Antes de o ser, já o era. Já existia, mesmo antes de ser criada... Não digam que não é notável.
É assim que, por cá e com esta gente, as coisas se passam. A ministra da Administração Interna também deu trinta dias para o inquérito da IGAI à actuação do polícia em Guimarães, e da polícia no Marquês de Pombal, nos festejos do Benfica...
É com esta independência, e com esta transparência toda, que as coisas se resolvem. A malta das Finanças investiga a malta das Finanças. A malta da Polícia investiga a malta Polícia... E por aí fora... No fim bate tudo certo!
Afinal o DEO não levou o sumiço do avião da Malaysia Airlines, e vai ser apresentado hoje, ao fim da tarde. Pode não ter estado tão desaparecido como esse avião, mas tem pelo menos estado tão escondido quanto o fugitivo de S. João da Pesqueira. Vale que tinha data limite para aparecer - era hoje, e de hoje a Europa não deixava passar.
Como tudo é tão transparente, com este governo... E previsível. Basta a Europa querer...
Depois dos ministros que abandonam o governo para se passarem para as administrações das empresas, muitas com negócios nas áreas que tutelavam. E de deputados que transitam do parlamento para empresas bem chegadas a matérias tratadas nas comissões parlamentares por onde passaram. E de responsáveis pelos serviços secretos do Estado que trocam a excitante actividade da espionagem pela confortável vida da gestão em empresas privadas, surgem agora os magistrados do Ministério Púbico a fazer o mesmo.
Dizia-se hoje por aí que o Procurador Orlando Figueiredo, que teve a seu cargo a investigação do caso BES Angola, teria trocado o Ministério Público pelo BIC. Um banco, o tal que ficou com aquele bocadinho pequenino de lombo que deixaram esquecido no BPN! E um banco de capitais angolanos. Luso-angolanos, corrigir-me-ia agora Mira Amaral…
Que já negou tudo. Tanta gente mal informada... É difícil ter mão neste país!
Por este andar desconfio bem que, dentro de pouco tempo, veremos uma boa parte dos deputados a transferirem-se para as administrações de empresas de águas de mesa. A informação - seguramente privilegiada - que guardam, agora que a Assembleia da República concluiu que a água da torneira que lhes queriam impingir fica 30 vezes mais cara que a engarrafada, abre-lhes seguramente as portas dos conselhos de administração das melhores empresas do negócio.
Tudo tão transparente como a água. Dentro da garrafa, do jarro ou do copo!
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