Imaginemos a empresa X, com acções cotadas a 500 USD. Imaginemos um presidente de um Estado a lançar uma ordem de compra de 50 milhões de acções da empresa X a 300 USD. Imaginemos que, no dia seguinte, o mesmo presidente anuncia tarifas de 50% sobre o negócio da empresa X, e as acções caem para 290 USD.
Imaginemos que, no outro dia a seguir, o presidente anuncia o adiamento das tarifas. E dá ordem de venda das acções da empresa X a 490 USD, que voltam para a cotação dos mesmos 500 USD.
Façamos as contas (dou uma ajuda: 50 milhõesX190 USD=USD 950 milhões) e chamemos apenas maluco ao presidente.
"Inside trading", é crime. Isto é capaz de não ser!
Será inevitavelmente pelas tarifas que se iniciará o princípio do fim de Trump. A todas as inevitáveis consequências económicas, políticas e sociais da escalada tarifária de Trump - a inflação, a perda de competitividade, e em última análise a recessão (económicas), vão provocar descontentamento social, com forte incidência nas classes mais desfavorecidas (sociais), e erosão política da sua base eleitoral de apoio (políticas) - juntam-se os choques de interesses, e os combates abertos no interior da própria equipa de Trump.
Para já, está aberto o combate entre Elon Musk, o até agora homem forte da máquina trumpista, uma espécie de sala de máquinas da Casa Branca, e Peter Navarro, o ideólogo e mentor da tarifação.
E chegou o dia. Pontualmente - 2 de Abril - a mostrar que não é uma simples trumpice, mas algo bem planeado e sistematizado. Uma ideia, estúpida, mas amadurecida.
Dantes, "era a economia, estúpido". Agora, "é a ideologia, estúpido"!
Com a grelha das apregoadas taxas alfandegárias na mão, e o espectáculo bem encenado, Trump chamou-lhe o dia da libertação. A corte aplaudiu, entusiasmada. Os mercados, esses não correm atrás de canas de foguetes. E Wall Street caiu a pique.
O choque de Trump com a realidade é agora inevitável. E vai ser brutal!
Mark Rutte, o Secretário-Geral da NATO, não é o funcionário que defende o patrão. É o funcionário que defende o patrão apenas para defender o seu lugar.
Se calhar é este o grande problema das instituições actuais. É um problema de funcionalismo, com funcionários bem pagos que vêm no seu umbigo a razão de ser de tudo o resto. Não se movem pela missão das instituições que lideram, mas apenas pela sua sobrevivência ... No ordenado chorudo no fim do mês!
O presidente ucraniano viajou para os EUA. Para - pensaria ele - estabelecer as garantias de segurança para o seu país nos acordos de paz que Trump garante prosseguir. Mas na verdade para - único pensamento de Trump - assinar um acordo sobre a exploração dos recursos minerais do seu país.
A conversa até parecia começar bem, mas rapidamente derivou para um cerco a Zelensky. De repente o presidente ucraniano viu-se cercado pelo presidente, pelo vice-presidente, pelo secretário de Estado, pelo secretário da Defesa, entre outros elementos da administração norte-americana, e pela plêiade de jornalistas e repórteres que Trump passou a escolher para o acompanhar.
Logo que realizaram que presidente ucraniano não estava ali simplesmente para assinar de cruz a entrega dos recursos naturais do seu país, Trump e Vance passaram ao achincalhamento e ao bullying. Como Zelensky não se conformou passou a ser considerado desrespeitoso, e acabou acusado de responsável pela terceira guerra mundial.
Quando já nada havia para salvar, um imbecil feito repórter na sala Oval, em tom jocoso, perguntou-lhe por que não usava fato. Ou se tinha sequer um fato.
No fim, não sobra qualquer surpresa. Trump e o seu gang já não surpreendem ninguém. Só quem andava mesmo muito distraído é que não percebeu que mundo mudou, e não é mais o mesmo. Tanto que é muito provável que Zelennsky tenha agora a cabeça a prémio...
Faz hoje apenas um mês, mas parece que já passaram anos da nova presidência de Trump. Não há memória histórica de em tão pouco tempo alguém ter feito tanto. Mal!
Num mês Trump virou o mundo ao contrário. Tudo o que há um mês era inimaginável é hoje uma nova realidade. Num mês foi instaurada toda uma nova ordem mundial!
Ninguém o trava. Ignorante da realidade e indiferente à verdade, vai construindo a partir da sua bolha ficcional a narrativa com que molda um mundo mais perigoso ... e irrespirável.
Vance veio à Europa dizer que ... foi bonito, mas acabou. Não é bonito acabar com uma relação de 80 anos. Mas pode acontecer, e toda a gente deve estar preparada isso.
Ninguém estava preparado era para a petulância, a arrogância e a prepotência com que Vance o fez. Foi aviltante!
Trump acha que se pode entender com Putin para desenharem a duas mãos o futuro mapa da Europa, numa espécie de Conferência de Berlim, onde a África é Europa, e a Europa um complexo esquizofrénico do novo eixo Washington-Moscovo.
Sabe-se que Zelensky pouco voto tem na matéria. Mas isso é uma coisa. Outra é o seu alinhamento com a esquizofrenia. Outra ainda é a sua rápida resposta à gula de Trump.
Bastou-lhe - a ele, Trump - dizer disse que a Ucrânia tem "terrenos valiosos em termos de terras-raras, petróleo e gás, outras coisas" para Zelensky vir a correr, de língua de fora e rabinho a dar a dar, oferecer o dote.
- "Temos um grande potencial no território que controlamos", e "estamos interessados em trabalhar, desenvolver, com os nossos parceiros, em primeiro lugar, com os Estados Unidos", apressou-se Andriy Yermak, chefe de gabinete do presidente da Ucrânia, em declarações à The Associated Press, logo após as declarações de Trump.
"Pode ser lítio. Pode ser titânio, urânio, muitos outros", disse Yermak. "É um grande negócio"!
E rapidamente - em dois dias - Trump anunciou um acordo de princípio para 500 mil milhões de dólares de chamadas terras raras, um grupo específico de 17 elementos químicos essenciais a produção de dispositivos electrónicos, como discos rígidos ou ecrãs de telemóveis.
Do que Trump já anunciou para acabar com a guerra ficou a saber-se que a adesão da Ucrânia à NATO é "irrealista", que a cedência de territórios é uma inevitabilidade, que a União Europeia não vai ser tida nem achada, que é ele e Putin quem põe e dispõe. E que, no fim, então sim, a Europa será chamada a tratar da segurança e da reconstrução da Ucrânia.
É a isto que Trump está a reduzir a Europa. Medvedev, a voz desbragada de Putin, chama-lhe "solteirona fria, louca de ciúmes e raiva". "Feia, fraca e inútil".
É esta a tragédia da Europa. Que não chegou aqui por ser "fria" ou "feia" mas - sim - por se ter deixado "fraca".
Trump pretende transformar a Faixa de Gaza - um território de “localização fenomenal, junto ao mar ... com o melhor clima” - na "Riviera do Médio Oriente". E para explorar ao máximo o potencial imobiliário da região pretende deslocar para países vizinhos os mais de dois milhões de pessoas que lá vivem, actualmente sob os escombros da guerra.
A expulsão de um grupo de uma determinada região ou território pela via da força com o objectivo de homogeneização populacional constitui limpeza étnica. Trump está a declarar a limpeza étnica da Palestina, que não só se enquadra no âmbito dos crimes contra a humanidade, como constitui crime de genocídio, tipificado pela Convenção de Genebra como acções que visam destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.
Até aqui os Estados Unidos foram cúmplices dos crimes de Netanyahu. Com Trump passam de cúmplices a criminosos activos ... à procura de novos cúmplices.
Esperemos que a decência encontre formas de sobrevivência, e consiga erguer-se para barrar o caminho para a institucionalização da barbárie. Não é fácil, pelo menos a ver por quem nos governa.
Será que custa assim tanto dizer que isto é intolerável e de todo inaceitável?
Pelos vistos, para quem nos governa, custa. Tanto que já nem há MNE. Tanto que Paulo Rangel, que tem sempre tudo a dizer sobre tudo, desapareceu de cena.
Depois de declarar guerra comercial, com o anúncio da imposição de pesadas taxas aduaneiras, ao Canadá, México e China, e de ameaças disso à União Europeia, Trump recuou.
As taxas sobre as importações do México e do Canadá, anunciadas no fim-de-semana para hoje entrarem em vigor, foram suspensas por 30 dias. As notícias dizem que a decisão de Trump resulta de ambos os países terem concordado em tomar medidas para reforçar a segurança das suas fronteiras e combater o tráfico de droga.
Sabemos que Trump funciona assim. Disruptivo. Que toma decisões impensadas. E insensatas. Que negoceia na base da ameaça. Que avança e recua, sem nunca poder deixar a ideia que recuou. Ou que perdeu. Ele nunca perde!
Por isso as notícias têm que ser assim: uma suspensão por 30 dias, contra o compromisso dos seus vizinhos em reforçar as fronteiras. Assim, Trump não perde. Assim, a decisão não foi impensada e absurda: foi apenas um passo para obter um ganho. Não lançou o caos económico, reforçou a segurança, o bem maior.
O trumpismo, como todos os populismos, de que é expoente máximo, engorda assim. Com um mundo de gente à volta a mascarar a realidade, deixando passar o que é preciso que passe. Sem que ninguém diga que a guerra comercial que Trump quis lançar é irresponsável, mas também contraproducente. E que um exército de gente com mais poder que ele o obrigou a recuar!
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