Os números da economia portuguesa têm sido amplamente destacados. Tanto pelo governo, que pretende encontrar neles a legitimidade que a governação lhe rouba, como pela generalidade da opinião publicada.
Em 2022 o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 6,7%, o maior crescimento anual deste século. E o crescimento homólogo de 2,5% no primeiro trimestre deste ano surpreendeu toda a gente, do governo à Comissão Europeia, e ao Fundo Monetário Internacional levando-os, todos, a rever em alta as suas previsões. Quase triplicaram, e já se aponta agora para um crescimento 2,6%, no final do ano.
O défice orçamental, mais que a dívida, - o "alfa e o ómega" da política económica do governo - também têm tido um comportamento elogiado, e elogioso. E no final do ano só não teremos superavit orçamental porque António Costa irá ter de "despejar" dinheiro sobre os problemas que ele próprio criou, para limitar os danos políticos de uma governação errática e desastrada.
É do senso comum que os portugueses não sentem nada destas melhorias no seu dia a dia. Que, pelo contrário, vivem cada vez com mais dificuldades. O próprio Ministro da Economia, António Costa Silva, diz que “a melhoria significativa da economia […] ainda não chegou ao bolso dos portugueses”. O problema desta declaração está na utilização do advérbio de tempo. "Ainda" não chegou, e dificilmente chegará!
Na realidade o crescimento de 2022 - o tal maior deste século - decorre da quebra provocada pela pandemia. Em 2020, no primeiro ano da pandemia, o PIB nacional teve uma quebra de 8,7%, e foi dos que mais caiu na Europa. E o fascinante crescimento deste ano está apenas alavancado no turismo.
Os "números dizem" que o PIB está a crescer pelo crescimento das exportações, e que o consumo privado, e o investimento, estão a cair. Os menos atentos poderão ser levados a pensar que não é bom que o consumo e o investimento caiam, mas que é muito bom que as exportações cresçam. Seria assim se as exportações não fossem pouco mais que o turismo.
Na realidade é este o modelo de "desenvolvimento" da economia portuguesa, onde a produção industrial - com a maior quebra da União Europeia - foi substituída pelo crescimento exponencial da actividade económica relacionada com o turismo. De baixo valor acrescentado, de baixos salários, e de trabalho precário.
O resto, já se sabe. São salários baixos, cada vez mais baixos e cada vez com menos peso no PIB, e preços altos. Pela inflação natural, pela especulativa, e pela que resulta da procura induzida, especialmente na habitação, pelo turismo.
Daí a ilusão do advérbio de tempo na declaração de António Costa e Silva.
Há perto de 10 anos, Luís Montenegro, então líder parlamentar de Passos Coelho, ficou famoso pelo "país está melhor, os portugueses é que não". Hoje, é o Ministro da Economia a dizer que a melhoria da economia não está a chegar aos portugueses. É este o drama de Portugal - um país que parece divorciado dos portugueses!
E tudo isto já sem falar na desigualdade (brutal, escandalosa, e inadmissível no domínio fiscal) com que trata os residentes estrangeiros e os nacionais!
Vem aí o 10 de Junho. Sabe-se que as comemorações só dão em festa e condecorações, mal amanhadas, tantas delas. Mas não ficaria nada mal darem também em reflexão...
O título poderá remeter para o dia mundial sem tabaco, que hoje se assinala. Mas é outro o tema.
Quando a Primavera começa a aquecer e a anunciar que o Verão está à porta, neste ano 2 da pandemia, e Portugal reforça a sua condição de destino turístico privilegiado, agora reforçado pelas condições sanitárias que o diferenciam, percebemos melhor por que o produto turístico nacional nunca será um produto distinto, destinado a consumidores de maior exigência, de carteira mais recheada, e naturalmente de maior retorno.
Percebemos que competimos apenas no domínio do turismo de massas, afinal aquele que nos trouxe até aqui, num modelo em que o país acabou por se viciar, tudo permitindo em cedência ao vício.
Percebemos isto na abertura do país, e do Algarve em particular, há duas ou três semanas. E percebemos isto com as imagens do Porto dos últimos dias. Mas percebemos quanto isso é irreversível quando vemos a indústria a digladiar-se com promoções, e um país de cócoras, tolerando o intolerável, e incapaz de fazer cumprir aos que recebe a lei a que obriga quem cá está. Que recorda a todos os nacionais, até personalizadamente, por sms, mas que não se preocupa em dar a conhecer em momento algum aos que nos visitam.
Ainda ontem, numa reportagem passada numa televisão, pudemos ver no acesso a uma praia algarvia, lado a lado, pessoas com e sem máscara. Estendido o microfone a duas destas, duas cidadãs inglesas, responderam desconhecer ser obrigatório o seu uso. Mas que também não fazia grande diferença, porque simplesmente nunca a usariam.
Tínhamos tudo para ser um destino turístico de excelência. Mas preferimos sempre o mais imediato, e mais fácil. Estamos viciados nisso.
Durante muito tempo a estratégia do país para o Turismo, sempre uma das mais fortes componentes da nossa economia, a par das remessas dos emigrantes, assentava no "Sol e Praia". Muitos entendidos da matéria alertavam para os perigos de uma espécie de mono-produto, e avisavam que era preciso alargar a oferta.
Não sei se foi feita muita coisa para atingir esse desiderato, mas sei o que o terrorismo, e principalmente a instabilidade que se seguiu à Primavera Árabe, de há meia dúzia de anos a esta parte, fizeram por isso. Hoje o turismo português faz gala de apresentar mais um produto - a "Segurança", a acrescentar ao "Sol e Praia". Hoje Portugal é "Sol, Praia e Segurança". Que não é bem a mesma coisa que "sol e praia em segurança", como se sol e praia fosse sexo. Que às vezes também é!
Não. Segurança é, hoje, o mais determinante produto do pacote turístico que temos para oferecer. E valeu-nos mesmo dois dos mais disputados turistas da actualidade. Temos desde ontem em Lisboa dois turistas à procura do que de melhor temos para oferecer - "segurança"!
Os senhores Pompeo e Nethanyahu precisavam de conversar um bocadinho - talvez até uma partidinha de xadrez, quem sabe? (dominó? - não acredito!) - e escolheram Portugal. Claro que, sendo quem são, precisam mais de segurança que de sol. Que também aí está, de mãos dadas com a tradicional hospitalidade portuguesa, também central no rótulo do nosso pacote turístico.
No último dos jonais de ontem - melhor, no primeiro de hoje - da RTP Informação demos por Paulo Portas, depois de uma interminável sequência propagandística da coligação em que alternava com Passos, num jantar debate com a Confederação do Turismo.
A peça seguia-se, no alinhamento do bloco de notícias, a outra de apresentação dos candidatos por Lisboa. O costume, pensei de imediato: participações em actos da governação a confundirem-se com participações em actos de campanha eleitoral.
Estava eu a deixar-me tomar por esta sensação promíscua quando reparo que Portas estava a tentar responder a uma questão colocada pela audiência, a propósito do plano estratégico para o sector. E de imediato percebo que o número dois do governo estava a fazer uma figura igualzinha à que, há dias, víramos a ministra da administração interna fazer a propósito do estatuto da GNR. Nem mais nem menos, exactamente a mesma, o que é de todo surpreendente num dos maiores génios do verbo fácil.
Mas a verdade é que o homem não saía dali, não arrumava uma ideia, não articulava palavra, gaguejava e portantava sem cessar... Só que, com mais sorte que a sua colega de governo, tinha ali ao lado o secretário de estado. E, depois de tanto patinar, lá acabou por endossar o assunto "ao senhor secretário de estado" que, esse sim, trataria de dar a informação que continuava a faltar dar.
A peça já não transmitiu mais que a imagem de Adolfo Mesquita Nunes, feito anjo da guarda, a pegar no microfone sem esconder um sorriso aberto. Não ficamos a saber o que respondeu. Mas ficamos a saber que Paulo Portas não faz a mínima ideia do que seja isso de plano estratégico para o turismo.
Convenhamos que, depois do brilhante trabalho que apresentou para a reforma do Estado, não é surpresa nenhuma. Surpesa mesmo é que o mestre da pantominice tenha ficado sem pio!
Continuo de férias. E férias, nesta altura e para quem preze o cruzamento de consciência nacional com sol e praia, é no Algarve.
Nesse Algarve de que se dizia estar às moscas e onde os estabelecimentos hoteleiros, particularmente os mais luxuosos, teriam tido necessidade de fazer saldos para atingir os níveis mínimos de ocupação.
Na verdade não senti nada disso. Nem moscas nem saldos! Mas não são os saldos que me ocuparam a mente, até porque, provavelmente, existiriam em latitudes que não teria preocupação de atingir. O que me assaltou o espírito foi perceber donde viria a ideia de que o Algarve estaria às moscas quando aquilo era o inferno de gente de sempre. Ou pior. Tenho por hábito, independentemente da zona onde me fixe, dar sempre uma voltinha por Albufeira, à noite. Pois, este Agosto e pela primeira vez, não consegui sair do carro. Tudo o que era estacionamento estava cheio!
Não foi necessário fazer um esforço mental muito grande para perceber por que razão, estando o Algarve cheio, se dizia estar às moscas. Afinal o que estava às moscas era o Allgarve! Eu explico: os bifes não vieram! Eram só tugas!
Claro que os portuguesitos não dão para encher tudo o que é infra-estrutura turística que por lá se plantou ao arrepio das mais elementares regras de planeamento e de bom senso. Mas dão para encher as ruas e os parques de estacionamento. E até dão para salvar o Algarve daquilo que seria um ano verdadeiramente catastrófico.
Se bem me lembro foi o ministro Manuel Pinho que teve a ideia do Allgarve. Se bem que a ideia do Algarve para os ingleses, já vem muito de trás. As cartas de restaurante em inglês, a food, os drinks e os bares ingleses, a par com o mau tratamento de que os portugueses eram objecto, como se fossem gente estranha, são já bem antigos no Algarve. Mas a ideia de Manuel Pinho, e os largos milhões gastos na sua promoção, não raramente em autênticas aberrações de marketing e de estética, apenas reforçou esse estado de coisas.
Ora isto é um erro estratégico dramático. Não é só dramático por menosprezar os portugueses que pagaram impostos para financiar essa campanha. É dramático porque se diz que o turismo é a única actividade económica viável para Portugal. É um desígnio estratégico nacional! É o nosso petróleo!
É um erro estratégico dramático porque não partiu da valorização da nossa diferença e ignorou literalmente todo o nosso potencial cultural e toda a nossa rica diversidade. Pelo contrário, apostou numa imagem de um país servil para o turista, que lhes quer oferecer aquilo que eles já têm. Que aposta nas únicas coisas que eles lá não têm – sol e praia – mas recriadas nos ambientes que lá têm. Que pega na sardinha assada e a serve com chips!
Como é óbvio ninguém sai do seu país para ir fazer turismo noutro que lhe oferece as mesmas coisas. Para isso fica em casa. Quando se sai para outros países vai-se à procura de coisas diferentes. Pois aí está: a nossa estratégia para o nosso maior desígnio não é estratégia – é sol e praias, que são apenas preciosos recursos naturais. E quem não tem estratégia para os potenciar não os merece!
Depois, quando os ingleses não vêm, o Algarve está às moscas!
*Publicado no Vila Forte em Agosto de 2009
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