O Presidente Marcelo vetou e devolveu ao Parlamento o diploma da privatização da TAP. António Costa respondeu que tomou boa nota das preocupações do Presidente, que serão ponderadas.
Tem sido assim muitas vezes. Marcelo tem vetado muita coisa; e António Costa tem sempre registado. Na maioria das vezes muda qualquer coisa para que tudo fique na mesma. Raramente não muda nada para que tudo fique na mesma. No primeiro caso - frequente -, Marcelo fica satisfeito. No segundo - raro - fica furioso.
Tudo indica que volte a ser assim, mesmo quando parecia que, desta vez, não poderia ser assim.
O que António Costa quer deste diploma é que tudo fique em aberto para tudo negociar no processo de privatização. Quer, por isso, que as regras sejam estabelecidas no caderno de encargos. O que o primeiro-ministro quer é que as regras para a privatização sejam as que vierem a ser negociadas. Ao referir-se à transparência, Marcelo quer dizer que as regras devem ser estabelecidas à partida, para que sejam iguais para todos.
Estas duas posições, mais que inconciliáveis, são antagónicas. Nessa medida não seria possível a António Costa mudar qualquer coisa para tudo ficar na mesma. Mas como Marcelo resolveu não ser claro, e transformar a questão fundamental da transparência em apenas uma de três - "pedindo clarificação sobre a intervenção do Estado, a alienação ou aquisição de activos e a transparência da operação" - lá volta a ser possível o que parecia impossível.
Não sei se o veto do Presidente da República ao decreto-lei do governo sobre a recuperação do tempo para efeitos de carreira dos professores, vai agitar a última semana política do ano, normalmente tranquíla e pacata, entre as mensagens de Natal do primeiro-ministro e de Ano Novo do Presidente da República. Mas devia!
É apenas o terceiro veto do presidente Marcelo a diplomas do governo, o que diz bem da estreita colaboração - chamam-lhe cooperação institucional - entre Marcelo e António Costa. Mas, desta vez, teria de vir acompanhado de "puxão de orelhas".
Sim, um puxão de orelhas por mais uma traquinice do governo. Tratou deste problema dos professores - e dos portugueses, porque sobrará sempre todos nós - como tem tratado tantos outros: procurando agradar a gregos e troianos, prometendo sol na eira e chuva no nabal ao mesmo tempo. Depois, quando repara que a quadratura do círculo é imposssível, procura umas habilidades para ir empurrando a coisa.
O último empurrão a esta coisa foi verdadeiramente insólito, com a inscrição no Orçamento do propósito de prosseguir as negociações com os sindicatos. Por mais voltas que dê não percebo que cabimento tem um compromisso desses no Orçamento. O insólito passa a desavergonhado quando, primeiro e de imediato, ensaia uma habilidade a que quis dar forma de reunião falhada com os sindicatos e, depois, logo que o Orçamento foi promulgado, escarrapacha num decreto-lei o que era a sua proposta de partida negocial.
Evidentemente que o Presidente Marcelo, por mais boa-vontade que tenha, não poderia promulgar como facto consumado uma coisa que, dias antes, no Orçamento promulgado, era para negociar na sua vigência. Poderia era dar um valente e público puxão de orelhas ao governo como se faz(ia) aos meninos traquinas que passam a vida a atazanar-nos a cabeça.
Cavaco voltou a fazer das suas. Provavelmente para assinalar a eleição do seu sucessor e associar-se, também ele, ao fim da longa noite cavaquista, com mais uma desnecessária afronta institucional e, mais uma vez, em flagrante violação da Constituição.
Pode simplesmente ter sido porque sim. Porque lhe está na massa do sangue. Mas, ao vetar as alterações à lei da interrupção voluntária da gravidez e a lei da adopção por casais do mesmo sexo, depois de esgotado o prazo que a Constituição lhe concede para o efeito, no dia seguinte às eleições, não ficam muitas dúvidas que, não querendo deixar de afrontar a actual maioria parlamentar, não quis que isso atrapalhasse a campanha de ninguém.
Mais uma cavaquice. Não terá sido certamente a última... Mas antes ainda vai ter que promulgar o que agora vetou!
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