A VINGANÇA DO TEMPO
Por Eduardo Louro
Suponho que nunca como agora Portugal terá estado tão debaixo de olho da comunidade internacional. O número de correspondentes dos maiores e mais influentes jornais do mundo tem engrossado nos últimos tempos.
O mundo quer saber o que se passa cá. Os credores querem saber o que fizemos ao dinheiro, como vivemos, se temos gosto pelo trabalho, como tratamos das coisas… Não se preocupam se merecemos ajuda, preocupam-se é se merecemos crédito. Se valerá a pena emprestarem-nos o seu dinheiro e, mais do que isso, se teremos condições para lho pagar de volta.
É realmente muita coisa que, aos olhos de toda esta gente que por cá vai passando, está em jogo. São todos estes correspondentes que irão levar a nossa imagem ao mundo. Uma imagem que já está viciada à partida: a maioria destes correspondentes aterra em Lisboa já com uma ideia pré-estabelecida. Com preconceitos, evidentemente! Que, como todos os preconceitos, resvalam muito frequentemente para a caricatura, que nada tem a ver com a realidade. Creio que todos nós tivemos já oportunidade de constatar muitos desses preconceitos: analfabetos, baixíssima educação cívica – o nosso comportamento nas estradas suporta o mais pesado rótulo que nos colam à testa – calões, irresponsáveis, etc.
Estes correspondentes, que se instalam nos nossos melhores hotéis e passam uma ou duas semanas entre os nossos melhores restaurantes e os mais cosmopolitas cantos de Lisboa, levam uma visão de nós que nada tem a ver com aqueloutra dos muitos estrangeiros que se fixam entre nós e connosco partilham vidas. E não me refiro sequer ao típico imigrante, aos que escolheram o país à procura de melhores condições de vida, de condições que os seus países, menos desenvolvidos, lhe não podiam oferecer, refiro-me aos muitos que escolheram Portugal depois de aqui terem vislumbrado, entre as condições naturais do país e a nossa própria cultura, verdadeiros factores de qualidade de vida. Estes, ao contrário dos primeiros, já cá se fixaram despidos de preconceitos – caso contrário não o teriam feito - e têm realmente oportunidade de nos conhecerem. De conhecerem a nossa solidariedade, a nossa forma aberta de receber e de nos relacionarmos, a nossa gastronomia, e tantas outras nossas coisas boas. E as más, evidentemente!
Mas estes poderão, quanto muito, escrever isso numas cartas e juntar umas fotografias que mandam às suas famílias. Os outros fazem chegar a sua visão, as suas experiências e os seus preconceitos a toda a gente, a todo o mundo!
E fazem-lhe chegar que os restaurantes estão cheios, que têm de esperar em fila por uma mesa na Trindade, que à noite, no Bairro Alto, não cabe uma agulha e que, chegada a semana da Páscoa – com praticamente 5 dias de feriados, onde para além dos homens da troika da “ajuda externa”, mais ninguém trabalha – os portugueses correm para o sol e esgotam a capacidade hoteleira do Algarve onde, de papo para o ar, dão uma semana de férias à crise. É isto que vai correr por esse mundo fora. Que vai alimentar as opiniões públicas da Alemanha, da Suécia, da Holanda e da Finlândia… Esses que não acham boa ideia que os seus governos nos emprestem dinheiro!
Quero crer que a meteorologia quis temperar um pouco isto. É a vingança do tempo: já que vocês não se sabem dar ao recato e dão esta imagem a estes tipos, tomem lá chuva e frio em vez de sol!