100º Tour de France VII
Por Eduardo Louro
Não tinha a mínima intenção de regressar ao Tour já hoje, depois da etapa de ontem do Alpe d`Huez. Pensava juntar a etapa de hoje - que ligou Bourg d'Oisans a Le Grand Bornand - com a de amanhã, ambas no pacote das duas últimas grandes e decisivas etapas deste Tour número 100.
O Rui Costa obrigou-me a voltar aqui hoje, a abordar separadamente esta 19ª etapa, com mais de 200 quilómetros e, de todas, a que mais montanhas somava.
Porque voltou a ganhar - a décima terceira de ciclistas portugueses, e a terceira de Rui Costa, a igualar Acácio da Silva e a duas de Agostinho - apenas dois dias depois. Porque voltou a ganhar categoricamente, agora na alta montanha. Porque agora, com mais vitórias que ele neste Tour, apenas o sprinter Kittel e o rei Froome. Porque, com esta segunda vitória, repetiu e fez-nos lembrar Agostinho, logo na estreia, em 1969. Porque confirmou que é um ciclista de eleição, inequivocamente no top ten mundial. Não tem nada que ver com Agostinho - disso já há muito que não há, se é que alguma vez houve -, está mesmo nas antípodas dessa inultrapassável figura do ciclismo nacional. Não tem, nem de perto nem de longe a mesma força, mas tem uma enorme inteligência competitiva capaz de o levar ao topo do ciclismo mundial.
E foi isso que hoje confirmou. Depois da vitória de terça-feira, hoje, dois dias depois, em terreno completamente diferente, a mesma receita: a fuga certa, bem numerosa, e o ataque infalível, na hora certa, não dando a mínima hipótese a quem quer que fosse. Pelo meio, nesses dois dias, uma lição - mesmo para quem, como eu, tendo percebido não tenha gostado - de gestão de esforço em competição: primeiro no contra-relógio, que já não lhe aquecia nem arrefecia, e depois, ontem: ainda experimentou entrar num grupo em fuga, mas rapidamente abdicou quando percebeu que aquilo não iria dar certo, nada preocupado em deixar-se ficar para trás.
Há males que vêm por bem, diz a sabedoria popular. O Rui Costa tinha deixado a ideia que poderia fazer um grande Tour, dizendo que tudo dependeria de como corresse a primeira semana, sempre recheada de incidentes, num pelotão imenso e difícil de entender e gerir. Correu-lhe bem, e parecia que tínhamos homem, até chegar aquela maldita etapa 13. O mal que veio por bem: atirou-o para fora da disputa da classificação geral, mas libertou-o para estes feitos. Que, feitas as contas, são bem maiores que os que conseguiria no outro tabuleiro, condicionado ou não pela sombra de Valverde!
É uma grande vitória, esta de hoje do Rui Costa. Começou por integrar uma fuga madrugadora de 44 ciclistas, que foi gradualmente mingando. Para a frente saíram dois ciclistas, um dos quais o francês Rolland, que persegue a camisola das bolas vermelhas - da montanha, que durante muito tempo vestiu – e grande ganhador dos pontos em disputa nas cinco das seis montanhas. Pouco depois do início da última do dia, quando uma forte trovoada se abatia sobre a corrida, iniciaram-se no grupo os primeiros ataques. Quando o Rui Costa entendeu atacou ele, e deixou logo ali toda a concorrência. Se rapidamente alcançou Rolland, rapidamente o deixou para trás, montanha acima, sempre debaixo de chuva e com a diferença para os perseguidores a crescer. Chegado lá acima ficava a faltar a descida até à meta. Treze quilómetros, sempre a descer e sempre debaixo de chuva.
De cortar a respiração. Até à meta e à festa!
Dez minutos depois chegava o grupo dos primeiros da classificação geral, com todos juntinhos.