Conforme se esperava, e ontem aqui tinha ficado dito, Maurício Moreira ganhou a Volta a Portugal em bicicleta, a 83ª da História, vencendo o contra-relógio de hoje, de pouco mais de 18 quilómetros, entre o Porto e Gaia, ali à volta da foz do Duro. Curto, mas de grande exigência!
Os 7 segundos de desvantagem para Frederico Figueiredo foram rapidamente anulados, logo nas primeiras pedaladas. No fim, com o sétimo lugar na etapa, o ciclista português, que partira para o contra-relógio com a camisola amarela vestida e com a da montanha emprestada ao uruguaio, acabou a perder 1`e 26". E ficou com o segundo lugar na geral, e apenas com a camisola da montanha. Que só vestiu no pódio final!
A Glassdrive acabou por ficar com todos os lugares do pódio, porque António Carvalho, porventura o melhor ciclista desta Volta teve, também ele, um desempenho extraordinário no contra-relógio, logo atrás de Maurício Moreira - e à frente Alejandro Marque, com uma despedida ao nível da sua notável carreira em Portugal - e ultrapassou largamente os 29 segundos que trouxera de desvantagem para Luís Fernandes, nas condições aqui ontem descritas.
Voltando a elas, e à espécie de batotice com que as designara, saliento duas declarações. Em primeiro lugar as de Ruben Pereira, director desportivo da Glassdrive que, antes do contra-relógio, afirmou não ter nada a ver com aquilo, que nem tinha preferências, nem nunca tinha imposto o reboque ao uruguaio. Depois, no final do contra-relógio, as de Frederico Figueiredo, quando disse que Maurício Moreira tinha merecido ganhar a Volta ... pelo que fizera no ano passado.
Todos percebemos onde estava a verdade. Maurício Moreira tinha merecido ganhar a Volta que no ano passado dramaticamente perdeu. Esta, foi a direcção da equipa que decidiu dar-lhe a ganhar. Pode ser um gesto de gratidão apreciável, mas fere a verdade desportiva. Essa teria de ter sido deixar ganhar o melhor deste ano. E deixar que fossem Frederico Figueiredo e António Carvalho a decidir quem era o melhor.
A clara vitória de Maurício Moreira neste contra-relógio de hoje, e a sua própria honestidade no final, não esconde que esta tenha sido uma Volta ganha com mérito diferido.
Claro que não tem comparação com as outras batotas. Nem nada tem a ver com a simples batota de uma equipa ter um nome quando ganhava com batota, e passar a ter outro quando a batota foi descoberta. A Glassdrive fez isto porque podia. Porque, como se viu, só ela tinha corredores para poderem ganhar.
Podia. Mas não devia ter escolhido quem queria para ganhar. Como ficou claro para toda a gente. Até para o honesto Maurício Moreira!
Andava zangado com o ciclismo português, por causa da batota que se revelou ter sido nos últimos anos, e por isso não tinha trazido aqui a Volta a Portugal deste ano. Hoje, com o espectáculo da Senhora da Graça, rompi com essa zanga.
Já me aconteceu noutras ocasiões com o ciclismo, nacional e internacional. Porque afinal o "ciclismo é isto mesmo", zangamo-nos com a batota mas, no fim, a sua espectacularidade acaba sempre por falar mais alto. E por levar os adeptos da modalidade a esquecer essas traições, e a voltar a acreditar.
Foi assim, mais uma vez, hoje na Senhora da Graça. E cá estou reconciliado com este ciclismo, agora - quero crer - expurgado da batota. Que, por cá, chega sempre do mesmo lado.
Com o ciclo da batota do Porto/W52 interrompido, esta foi a Volta da Glassdrive, que vestiu a camisola amarela no prólogo, em Lisboa, e nunca mais a perdeu. Limitou-se a distribuí-la por três dos seus ciclistas, dominando por completo as três etapas decisivas desta Volta.
Na primeira, há uma semana, na Torre, trocou-a de Rafael Reis, que ganhara, como habitualmente, o contra-relógio do prólogo para o uruguaio Maurício Moreira, que ganhou na Serra da Estrela, e que é o eleito da equipa para ganhar a Volta. Que, apesar da batota, só não ganhara a Volta no ano passado por ter sofrido uma queda no contra-relógio final. A meio da semana, Frederico Figueiredo ganhou na inédita passagem pela Serra da Lousã, lá em cima, no Observatório do Parque Eólico de Vila Nova, em Miranda do Corvo, e passou ele a vestir a amarela, com 7 segundos de vantagem.
Na Serra da Estrela ou na da Lousã, sempre com um grande trabalho de António Carvalho. Que era - e é ainda - quarto da geral, e prestou inestimáveis serviços ao uruguaio, que literalmente rebocou na Lousã, evitando que a vantagem de Frederico Figueiredo se tornasse praticamente irrecuperável.
Deste trabalho da Glassdrive tem aproveitado Luís Fernandes, da Rádio Popular/Boavista, para se agarrar ao terceiro lugar. Sempre "na gosma", como se diz na gíria.
Hoje, na Senhora da Graça, tudo foi diferente. Mas não tão diferente assim.
A Glassdrive atacou a corrida e tudo fez para acabar com "a mama" do ciclista da Rádio Popular/Boavista, uma equipa que também nunca fez nada pela corrida. Tudo começou com o ataque de António Carvalho, a que se seguiu, depois, o dos dois colegas de equipa que ocupam os dois primeiros lugares, deixando o boavisteiro nas covas, incapaz de resistir ainda ao espectacular Alejandro Marque, em despedida, e acabando ultrapassado por grande número de ciclistas que vinham de trás.
Na frente, e descartado Luís Fernandes, António Carvalho esperou pelos seus dois colegas de equipa, para chegarem os três lá ao alto do Monte Farinha, ao ritmo conveniente a Maurício Moreira. Que não ao que podiam os outros dois.
Ganhou António Carvalho, repetindo o feito do ano passado, e o único que ainda não tinha ganhado nesta Volta. Mas, para que o uruguaio não tivesse perdido a hipótese de, amanhã, no contra-relógio final, ganhar este ano, em vez de Frederico Figueiredo, bem melhor na montanha e justíssimo vencedor da categoria, perdeu a possibilidade de chegar ao terceiro lugar da geral, e assim fechar um inédito pódio de uma só equipa.
Não fora a decisão de manter a corrida na esfera de Maurício Moreira teria recuperado a diferença que tinha para o terceiro lugar do corredor da Rádio Popular. Ficou a 29 segundos disso. Mas só por isso!
Uma decisão lamentável, e anti-desportiva, a meu ver. Não é a batota de que se fala. Mas não é bonito. Nem racional: ninguém percebe que entregar a vitória na Volta a um ciclista pré-definido seja mais importante que toda a equipa ocupar o pódio, num feito inédito, tanto quanto me recordo.
Amanhã bastará a Maurício Moreira, na sua especialidade, ganhar a Frederico Figueiredo os 7 segundos que tem de desvantagem para ganhar esta Volta. A última dos consagrados Alejandro Marque e Tiago Machado, e de Micael Isidoro, o meu amigo Mika.
Uma volta sem batota mas, ainda assim, com "batotices"!
Está concluída a 80ª Volta a Portugal em bicicleta, com o bis do espanhol Raúl Alarcón, que repetiu o triunfo do ano passado. E deve começar já por dizer-se que justo, e verdadeiramente inquestionável à luz do que é o ciclismo actual.
Em 10 etapas - tantas quantas a Volta tem (e pode ter) actualmente - Alárcon venceu três. E logo as três mais importantes. A primeira logo na terceira etapa, entre a Sertã e Olveira do Hospital, na primeira oportunidade para causar uma primeira boa impressão que, como se sabe, é única. E decisiva para se refestelar no poleiro, para onde havia muitos galos, como se viria a ver. Claramente visto!
A segunda, logo na etapa imediata, a da Serra da Estrela. Que mesmo sem Torre nunca deixa de ser a mais importante. E a última, ontem mesmo, na não menos mítica Senhora da Graça. Em todas ganhou de forma categórica, sem espinhas. Porque isto de ter a melhor equipa, de transformar os mais fortes adversários nos mais fortes aliados, não são espinhas. É assim, e daí a importãncia das "primárias" para decidir quem é o candidato, que Raúl Alarcón resolveu quando tinha que resolver - primeiro que qualquer colega de equipa, logo na tal primeira oportunidade, à terceira etapa.
Raúl Alarcón ganhou na Serra da Estrela e na Senhora da Graça a legitimidade para vencer a Volta pela segunda vez. Hoje, nos 17 quilómetros do contra-relógio final, em Fafe, confirmou-a com uma excelente prova, que lhe deu o terceiro lugar na etapa, logo atrás do excelente João Rodrigues, seu colega de equipa, apenas batido pelo sensacional contra-relógio do espanhol Vicente de Mateos, do Louletano, que quase lhe dava para chegar ao segundo lugar da geral. Já não havia muita coisa para decidir, apenas coisas a confirmar, em particular a superioridade da W52 FCP que, com três ciclistas no top five e cinco no top ten, ultrapassou o Sporting/Tavira e ganhou também, naturalmente, a Volta por equipas.
O pódio acabou no desenho que começara na quarta etapa, a da Serra. Joni Brandão, quarto no contra-relógio de hoje, ficou em segundo, posição que ocupava desde então, quando foi batido pela primeria vez, e com a qual sempre se conformou. E Vicente de Mateos, o mais incoformado e o que mais fez por incomodar a liderança de Alárcon, em terceiro.
Vicente de Mateos ganhou três etapas (2ª, 8ª, e 10ª), tantas quantas Raúl Alarcón, que ganhou também e ainda a montanha, os dois protagonistas maiores da Volta. Ambos ficaram com 60% das vitórias em etapas. E, para além deles, só mais três ciclistas ganharam etapas - Stacchiotti, da Mstina Focus, por duas vezes (o que quer dizer que 3 ciclistas, menos de 2% dos que disputaram a Volta, ganharam 80% das etapas, o que não abona muito a competitividade da prova), Domingos Gonçalves (Rádio Popular/Boavista, a 6ª) e Enrique Senz (Euskadi, a 7ª).
Isto é, apenas um ciclista português ganhou uma etapa!
A 80ª Volta a Portugal em bicicleta está na estrada. E já praticamente resolvida, mas já lá vamos...
Começou em Setúbal, foi direita ao Algarve, subiu para Alentejo, passou pela região martirizada pelos incêndios do ano passado - este ano, como se está a ver, o país arde mais a sul -, e chegou à Serra da Estrela. Com polémica!
As três primeiras etapas foram corridas debaixo das temperaturas recorde destes dias, exactamente nas regiões onde esses recordes têm sido estabelecidos. Acresce que foram das mais longas, em particular as duas primeiras, que atravessaram o Alentejo nos dois sentidos, sempre na ordem dos 200 quilómetros. Isto é, em condições muitos difícieis para os ciclistas, que são pessoas de carne e osso.
Daí que, chegada à Serra da Estrela, logo ao quarto dia e com este histórico, a direcção da prova decidiu abolir da etapa a subida à Torre, e encurtar a etapa em cerca de 30 quilómetros. A intenção terá sido a melhor, mas não deixa de causar polémica, havendo logo quem dissesse que beneficiou uns e prejudicou outros.
Ontem, na etapa solidária que ligou a Sertã a Oliveira do Hospital, o vencedor do ano passado, o espanhol Raul Alarcon, provavelmente para marcar posição na equipa - a W52 FC Porto, cheia de "chefes de fila" - desferiu um ataque surpresa nos metros finais. Que resultou na vitória na etapa e na conquista da camisola amarela, até aí e desde o prólogo de Setúbal, no corpo do setubalense Rafael Reis, que fez parte da formação aqui em Alcobaça. Estabeleceu também as primeiras diferenças entre os da frente, algumas até já significativas.
Se ontem Alarcon provocou o primeiro abanão nas classifcação geral, hoje praticamente arrumou-a.
Dos ditos favoritos, o primeiro a atacar depois da Covilhã, a caminho da meta nas Penhas da Saúde, foi Joni Brandão, do Sporting/Tavira. Era o terceiro da geral, um dos mais revoltados com a falta de resposta ao ataque do espanhol na véspera (como se não fosse competência sua responder-lhe), mas também com a supressão da subida à Torre, e fez questão de puxar dos galões. No grupo dos favoritos, ainda compacto, ninguém reagiu.
Depois de começar a ver ficarem pelo caminho, um a um, os seus colegas de equipa, mas também candidatos, Alarcon saltou à procura do Joni Brandão, que rapidamente alcançou. Quase tão rapidamente como, depois, o deixou para trás, numa demonstração de superioridade que não deixa muitas dúvidas para tudo o que ainda falta da Volta.
Ganhou pela segunda vez, e consecutiva, e acrescentou mais 12 segundos aos 40 que já tinha sobre o português, agora segundo. O anterior segundo, o também espanhol (nos 10 primeiros, 6 são portugueses e 4 são espanhois) Vicente de Mateos, do Louletano, é agora terceiro, já a perto de 2 minutos. Mas, acima de tudo, arrumou com a concorrência interna: Gustavo Veloso, perdeu 16 minutos, e é agora o 45º da classificação, e o colega de equipa mais próximo é Ricardo Mestre, na 12ª posição, a quase 5 minutos.
O que quer dizer que, com o exército agora totalmente ao seu dispor, e com a superioridade de que deu mostras, se nada de anormal acontecer, o vencedor da Volta está encontrado. À quarta etapa!
Está decidida 77ª Volta a Portugal em bicicleta. Ainda não a tinha aqui trazido, mas não significa que não a tenha acompanhado, como sempre. Desta vez até talvez mais, tive até oportunidade de acompanhar um corredor no contra-relógio de hoje - o Mika, o Micael Isidoro que fez a maior parte da sua formação cá em Alcobaça.
E amanhã - mais logo, melhor dizendo - lá estarei em Vila Franca, e depois no Marquês, a fechar a Volta. É isso, quando as coisas correm bem vou no mesmo ano duas vezes ao Marquês... Este ano correu bem!
O galego Gustavo Veloso, que ganhou o contra-relógio, vai ganhar a sua segunda Volta a Portugal, consecutiva. Foi o melhor no contra-relógio, à frente do excelente José Gonçalves, que vinha apenas para preparar a Vuelta mas acabou por fazer uma grande Volta. Foi a segunda etapa ganha pelo galego, depois de ter ganho em Oliveira de Azeméis, na polémica desclassificação do José Gonçalves, que assim perdeu a segunda vitória, depois de ter ganho na véspera no alto de Santa Luzia, em Viana do Castelo.
Ganhar o contra-relógio, entre a praia do Pedrogão e Leiria, com um pouco mais de 34 quilómetros, foi como que colocar o selo de mérito na vitória de Veloso. Vestiu a amarela logo na segunda etapa, e nunca mais a largou. Porque a verdade é que contou sempre com uma súper equipa, pronta a defendê-lo incondicionalmente. Porque verdade é que o seu colega de equipa, e também amigo e galego Delio Fernadez, segundo classificado antes do contra-relógio, tinha até aí sido mais brilhante. Esteve sempre ao seu lado e ainda teve tempo de ganhar duas etapas, a última a sempre raínha, a da Torre, na Serra da Estrela.
Mesmo que nunca se saiba se a ganharia se não fossem da mesma equipa... A lembrar que o Filipe Cardoso, mesmo que brilhante na etapa da Senhora da Graça, também não a ganharia se em vez do Joni Brandão, seu colega da Efapel, tivesse sido outro a chegar-lhe aos calcanhares mesmo em cima da meta.
À partida para o contra-relógio desenhava-se um pódio todo ele galego. O Gustavo era o favorito, mas logo atrás perfilava-se o seu amigo e também galego Alejandro Marque - vencedor em 2013 e ausente no ano passado - que era quarto da geral, poucos segundos atrás do Joni Brandão. E o Delio dificilmente se deixaria afundar...
Afinal o português da Efapel fez uma boa prova - décimo, pouco perdendo para Marque (que subiu a terceiro) - e conseguiu, por escassos 7 segundos, subir ao segundo lugar da geral, e ao pobre do Delio Fernandez, depois de uma volta fantástica, tudo correu mal no contra-relógio. Até uma varia que, mais que o tempo, lhe roubou a moral!
E foram estas as figuras desta Volta a Portugal, mesmo que o Bruno Silva tenha ganho a classificação da montanha. Sem que nunca ninguém o tenha visto na Senhora da Graça, na Serra da Estrela, nem sequer nas etapas que terminavam em chegadas inclinadas...
PS: A fotografia do Mika no contra-relógio é, como se vê, é da Anabela Vieira, que para além de excelente fotógrafa foi, com o pai, o cunhado e o Gomes mau, uma óptima companheira de jornada.
A 75ª edição da Volta a Portugal teve hoje o seu penúltimo mas decisivo dia. Hoje, com o contra-relógio que ligou o Sabugal à Guarda, conheceram-se as últimas decisões da Volta deste ano. Amanhã, como sempre acontece, será a última etapa, a da consagração. Já mais nada acontecerá até Viseu!
Ao longo destes onze dias não a trouxe aqui, o que não significa que, como amante do ciclismo, pudesse ter deixado de a acompanhar. Esta não era só a edição diamante da Volta, era também a do esperado regresso das vitórias portuguesas, depois do longo reinado do agora retirado David Blanco. Quase português, mas galego!
Mas ainda não foi desta que um ciclista português voltou a ganhar a Volta. Nem foi esta que acabou com o domínio galego, os espanhóis que mais portugueses são. E, no entanto, nunca antes – nos últimos anos, bem entendido – tantas e tamanhas oportunidades houve…
Esta foi, antes de mais, uma Volta estranha. Aconteceu de tudo. Logo na primeira etapa, no prólogo – um contra-relógio por equipas no coração da baixa lisboeta, de apenas cinco quilómetros – um dos favoritos (Edgar Pinto) furou e perdeu quase 1 minuto, deixando-o desde logo em maus lençóis. Na seguinte, o insólito: um ciclista asiático, quando seguia isolado com uma vantagem de mais de 11 minutos decidiu parar e aproveitar esse tempo para fazer uma refeição tranquila, à sombra da ponte de um viaduto. Logo a seguir, na terceira etapa, à chegada ao Monte de Santa Luzia, em Viana do Castelo, os dois ciclistas que sprintavam para a meta seguiram o caminho errado e acabaram no chão, longe da meta.
O mais estranho, no entanto, prende-se com as opções de corrida da mais bem apetrechada equipa do pelotão – a Efapel/Glassdrive, de Carlos Pereira (na foto). Bem apetrechada - de mais - com demasiados corredores capazes de ganhar. Nunca se percebeu: estava em tudo o que mexia. Punha corredores em fuga para, depois, lhe mover perseguição. Mais do que uma estratégia, a ideia fixa de entregar a Volta a Rui Sousa, era obsessão. Que deu muito maus resultados!
Na etapa para Oliveira do Bairro, logo a seguir à da Senhora da Graça, em mais uma das coisas estranhas desta Volta, a LA Alumínios/Antarte, para vingar a derrota da véspera de Hugo Sabido – o segundo do ano passado e um dos principais favoritos – colocou sete dos seus nove corredores em fuga. Nesse grupo, que chegou a ter quinze minutos de vantagem, estavam quatro corredores da equipa de Carlos Pereira, sem que lá estivesse nenhum dos adversários. Podia ali ter ganho a Volta, deixando irremediavelmente para traz os corredores da Ofm/Quinta da Lixa – uma equipa em estreia, que teve uma Volta descansada, limitando-se a vê-los lançar os foguetes e correr atrás das canas – mas não. Na frente não fazia nada para ajudar na fuga e, atrás, rebocava o pelotão. Porque era lá que estava o Rui Sousa!
A cena voltaria a repetir-se na véspera da subida à Torre, já na Serra da Estrela. Nas Penhas Douradas era o Nuno Ribeiro – então sexto ou sétimo classificado, vencedor da Volta de há dez anos e grande trepador - quem seguia numa fuga com mais de 10 minutos. Dava-lhe para ganhar a Volta, mas não era o Rui Sousa, e o senhor Carlos Pereira põe a equipa a anular a fuga.
Ontem, na subida à Torre, era então o dia de Rui Sousa, que desde a Senhora da Graça seguia em segundo, exactamente com o mesmo tempo do camisola amarela, o espanhol Sergio Pardilla. Vestiu aí a camisola amarela mas, ironicamente, perdeu aí a Volta. Porque nem ganhou a etapa - voltou, como nos três últimos anos, a ser segundo, atrás de Gustavo Veloso, um dos galegos da Ofm/Quinta da Lixa, que passou para segundo, a apenas 6 segundos – nem ganhou tempo suficiente para se defender do outro, Alejandro Marque. Um contra-relogista, que hoje se superiorizou a ambos, ganhando 36 segundos ao seu colega de equipa (e amigo) e 1minuto e 28 ao Rui Sousa. E ganhou a Volta com 4 - a menor diferença de sempre, creio mesmo que em qualquer prova do género - e 50 segundos de vantagem, respectivamente.
Com o português, também pelo terceiro ano consecutivo, a ser terceiro na Volta a Portugal. É um lugar-comum dizer-se, nos desportos colectivos, que, quando ganham, são os atletas a ganhar e, quando perdem, são os treinadores a perder. Carlos Pereira também o disse - a excepção é Jorge Jesus, mas isso é no futebol – mas, para além de o dizer, deveria tê-lo sentido. Porque foi!
E permitiu que a equipa de José Barros, logo na estreia, ficasse com os dois primeiros lugares da Volta e arrecadasse a maior parte das vitórias em etapas. Restou-lhe a vitória por equipas, e por escassos 11 segundos. Fraco pecúlio para quem teve tudo para ganhar!
David Blanco será o vencedor da Volta a Portugal, pela quinta vez. Feito único na História, e previsível!
Depois da Serra da Estrela, com os dez primeiros separados por pouco mais de um minuto, e com David Blanco e Hugo Sabido, os dois primeiros, separados por oito segundos – ditados pela bonificação de 10 segundos do espanhol mais português do pelotão pela sua vitória na etapa de ontem - seria o contra-relógio de hoje a fazer a diferença. E fez: os dez primeiros são os mesmos que já o eram, mas o décimo ficou já a bem mais de 3 minutos do primeiro. E Davido Blanco, que foi hoje o quarto em Leiria – ganhou o espanhol Alejandro Marque, do Tavira que, perdendo o azarado Ricardo Mestre, vencedor do ano passado e dado como o mais forte adversário para Blanco, obteve a sua primeira vitória nesta Volta – ganhou 14 segundos a Sabido, ficando agora com 22 de vantagem.
Também o pódio ficou definido e como estava, com Rui Sousa a conseguir defender o terceiro lugar que trazia da Serra, onde já garantira a título de melhor trepador. Bem como o Prémio da Juventude, confirmado hoje pelo espanhol David de la Cruz.
Para definir na etapa de consagração de amanhã ficou a camisola dos pontos, que de Sérgio Ribeiro roubara ontem ao sul-africano Van Rensbur (segundo no contra-relógio) para lha devolver hoje.
E pronto. Cai amanhã o pano sobre esta 74ª Volta a Portugal: uma volta a Portugal de D. Afonso Henriques, que não chegou a ser rei de Portugal e dos Algarves, que assim explica porque é que há uma Volta ao Algarve e uma Volta ao Alentejo: porque a Volta a Portugal não chega lá!
Uma última nota marginal mas que me impressiona particularmente e que, de alguma forma, dá conta de um Portugal que é muito diferente do de há alguns anos. Refiro-me à facilidade de expressão dos ciclistas portugueses, na generalidade!
Nas sucessivas entrevistas exprimem-se com grande à vontade, num português escorreito e, com grande lucidez, dizem coisas. Não falam, não soltam banalidades e lugares comuns: dizem! Pronunciam-se sobre fisiologia, sobre os incidentes da corrida, sobre os aspectos técnicos, tudo com a propósito. Tudo com boa fluência, sem pontapés na gramática e com um vocabulário digno!
Como é diferente do futebol… Os jogadores de futebol, que ganham milhões, deveriam pôr os olhos (e os ouvidos) nestes atletas!
Finalmente, e porque vem a propósito – também a carapuça serve aos jogadores de futebol -, quero salientar o esforço dos ciclistas espanhóis em expressarem-se em português. É corrente, e praticamente geral, nos ciclistas que integram equipas portuguesas, mas mesmo nos que representam formações espanholas. Notável!
Mais notável só a parolice dos entrevistadores da televisão portuguesa, que os entrevistam em portunhol. Mais caricato que às perguntas em portunhol eles responderem em português, é - como ainda hoje se verificou na transmissão em directo do contra-relógio – o pivô da emissão, no caso o simpático João Pedro Mendonça, proceder à dobragem. Por cima, traduzir para português a pergunta em portunhol e a resposta do ciclista espanhol ... em português. Com sotaque espanhol, mas em português puro e claro!
Enfim: às vezes parece que há uns portugueses que querem andar para a frente enquanto outros insistem em não sair do mesmo sítio. O grave é que estes sejam os que têm mais responsabilidades!
A Serra da Estrela, o alto da Torre, confirmou a Senhora da Graça. E a superioridade de David Blanco e da sua equipa!
Já sem Ricardo Mestre, que nova, decisiva e espectacular queda - e foram quatro - atirou para fora da corrida precisamente na véspera, o que a subida à Serra tinha para decidir era entre os corredores da Efapel e o camisola amarela desde a Senhora da Graça: Hugo Sabido.
David Blanco (na fotografia, no momento em que cortava a meta) ganhou, Rui Sousa foi segundo e Sérgio Ribeiro foi quarto: três nos quatro primeiros. É obra!
E no entanto nada ficou resolvido. Os dez primeiros na Torre ficaram separados por segundos. Hugo Sabido, o décimo na etapa, perdeu menos de um minuto para David Blanco. O suficiente para, por 8 segundos, perder a amarela para o galego!
E os dez primeiros na classificação geral, na antevéspera do final da prova – onde se arrumam quatro (com três nos quatro primeiros) corredores da equipa que domina a Volta – cabem no espaço de pouco mais de um minuto. O décimo – Virgílio Santos, o companheiro de equipa de Hugo Sabido, que hoje o rebocou serra acima, numa corrida espectacular – está a minuto e meio da amarela…
Quer isto dizer que será o contra-relógio de amanhã, em Leiria, a decidir tudo. Que, em teoria, qualquer um dos actuais dez primeiros poderá ganhar a volta. Mas a verdade é que David Blanco é também – em teoria – o mais forte a correr sozinho contra o cronómetro, não surpreendendo nada que os actuais dois primeiros assim continuem amanhã. E que aos dois se juntará Sérgio Ribeiro – actual quarto classificado mas que provavelmente trocará amanhã com o seu colega Rui Sousa - no pódio, no domingo em Lisboa.
Estava prometido para este fim-de-semana o primeiro ponto alto desta Volta a Portugal, no Monte Farinha, lá bem no alto da Senhora da Graça. E assim foi!
E, depois de dois sul-africanos de amarelo, chegou a vez de um português: Hugo Sabido, que cheirava a amarela desde o primeiro dia e hoje quinto na etapa, que tem agora escassos 8 segundos de vantagem para o segundo, que já o era, César Fonte, da EFAPEL – a equipa de David Blanco - que fez primeiro (Rui Sousa), segundo (Sérgio Ribeiro) e terceiro (David Blanco) nesta etapa mítica da Senhora da Graça. Um resultado anormal, demolidor para toda a concorrência, e demonstrador da enorme superioridade da equipa!
Diz-se que a Senhora da Graça pode não determinar quem ganha a Volta, mas decide quem a não poderá ganhar. E se, no início, as apostas apontavam para David Blanco (regressado á procura do penta) e Ricardo Mestre (o número 1, de vencedor da última edição), a Senhora da Graça decidiu que dificilmente o português conseguirá repetir o êxito do ano passado. Hoje, quando voltou a ser vítima de queda, a terceira em três dias consecutivos, perdeu cerca de um minuto para o galego. Não é que seja muito tempo, só que aconteceu precisamente nos únicos terrenos em que lhe poderia ganhar!
Acresce que a EFAPEL não tem apenas David Blanco, como se viu na etapa. Tem mais três ou quatro que poderão ganhar a Volta, como mostra já hoje a tabela classificativa, com quatro corredores nos cinco primeiros. E que os recursos de que dispõe lhe permitem uma estratégia de corrida deveras singular: colocar sempre corredores nas fugas para evitar qualquer desgaste em perseguições. Integrando permanentemente as fugas, as despesas de perseguição ficam a cargo das equipas adversárias, poupando os seus corredores, que chegam fresquinhos ao momento da decisão da etapa.
Hoje a estratégia voltou a repetir-se e resultou em pleno, como se viu. A vítima foi a equipa de Ricardo Mestre (Prio Tavira) que foi obrigada a controlar toda a corrida, para nos últimos dois ou três quilómetros se afundar, sem condições para acompanhar praticamente toda a equipa adversária!
A Senhora da Graça não disse que será David Blanco a ganhar esta Volta. Mas apenas porque não gosta de dizer quem ganha. Mas lá que disse que se não for ele será certamente um qualquer outro colega de equipa, disse!
Está na estrada – mais tarde que o habitual, para não ser canibalizada pelos Jogos Olímpicos - a 74ª Volta a Portugal em bicicleta. Este ano com naming: “Liberty Seguros”!
As primeiras pedaladas foram dadas ontem, com o prólogo. Que, como em todas as provas, para mais não serve que escalonar a primeira classificação numa tabela separada por décimos de segundo – 2,2 quilómetros não dão para muito mais - e atribuir a primeira camisola da prova, que não tem nada que andar no corpo do último vencedor. Vestiu-a um desconhecido sul-africano – Van Rensburg – pela primeira vez em Portugal!
Tem como novidade o regresso do galego mais português do pelotão ciclista, David Blanco, depois da ausência do ano passado que, se lhe não permitiu confirmar aspirações em provas mais exigentes, permitiu a vitória de um ciclista português – Ricardo Mestre -, coisa que há muito não acontecia.
É de resto à volta deste português da Galiza que gira o maior ponto de interesse desta Volta. Detentor, com Marco Chagas, do maior número de vitórias na Volta – quatro – o interesse maior está em saber se chega ao penta, feito difícil de alcançar na Volta portuguesa. Será também essa a motivação que o levou ao regresso e a adiar por mais um ano a decisão de arrumar a bicicleta!
A competição terá os seus pontos altos – mesmo no sentido literal – na Senhora da Graça, já no sábado, e na Torre, lá no cimo da Serra da Estrela, na próxima semana. O que esses dois dias não resolverem ficará adiado para o penúltimo dia, no contra-relógio de Leiria.
Ao logo destes dez dias iremos dar conta do que de mais relevante se venha a passar.
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