Desta vez o futebolês fixa-se num simples verbo: ligar. Com várias aplicações, mas sempre à volta do mesmo!
A equipa não está ligada, ou não consegue ligar o jogo ou mesmo manter a equipa ligada ao jogo ou voltar a ligar-se ao jogo – que é a mesma coisa - são expressões do futebolês à volta do verbo ligar. Mas não mais do que estas: não ligar ao jogo, por exemplo, já não é futebolês!
Quando a equipa não liga ao jogo, como tantas vezes acontece, deixando toda a gente à beira de um ataque de nervos – por exemplo, o Porto não ligou nada ao jogo com uma equipa de nome Santa Eulália, do passado fim-de-semana para a Taça, e o Vítor Pereira passou-se – o futebolês não se preocupa. Se o resultado der para o torto, o que não foi o caso do Porto – um miserável 1-0 ao tal Santa Eulália, mas ganhou – então lá vêm os tomba-gigantes, a estória de David e Golias e mais umas tantas frases feitas. Mas nada que o futebolês tenha criado!
Não estar ligada, ou não conseguir ligar o jogo - ou o inverso, na afirmativa - é a mesma coisa mas dita de forma diferentes. Não assim tão diferentes, mas diferentes!
Se a equipa não está ela própria ligada, com os diferentes sectores – a defesa, o meio campo e o ataque - a comunicarem fluentemente entre si, ligados que nem elos de uma corrente, não consegue ligar o jogo. O jogo não resulta fluente, consistente, harmonioso e consequente. Pelo contrário, surge como que curto circuitado, aos repelões, sem bola - porque perdida muito rapidamente – e sem nexo, causal ou qualquer outro.
A caixa que comanda a ligação - da equipa e do jogo – é o meio campo – talvez por isso há quem lhe chame o coração da equipa - onde cada peça é como um interruptor. O pivô ou os pivôs – pode ser um ou dois, o 6 ou o 6 e 8 – asseguram a ligação na primeira fase de construção, e o 10 a ligação à segunda fase, a decisiva.
É porque as coisas funcionam assim que o Benfica não está a funcionar. Com as saídas em simultâneo do Javi (6) e do Witsel (8) e com Aimar e Carlos Martins (os dois 10) permanentemente de fora, a equipa não tem sequer interruptores. E sem interruptores não há como ligar a equipa e, se a equipa não está ligada, não consegue ligar o jogo. Bem pode Jorge Jesus ir ao baú cheio de alas para procurar interruptores… Não resulta, como já se viu! E não se vê como é que, assim, Luís Filipe Vieira irá conseguir pagar a promessa dos três campeonatos em quatro anos, já para não falar de uma competição europeia…
Já no Sporting as coisas são diferentes. O Sá Pinto, provavelmente chamado ao comando por fazer faísca com facilidade, nunca conseguiu que a equipa ligasse o jogo, e rapidamente virou passado. O Oceano pegou na equipa, mas continuou desligada, sem fio de jogo. E no entanto os interruptores estão lá, o que não funciona são os próprios circuitos. Acreditam que os engenheiros (electrotécnicos) belgas sejam melhores que os portugueses, mas não é o que se diz por aí…
Manter a equipa ligada ao jogo é outra coisa bem diferente. Tem a ver com a reacção à marcha do resultado, que é preciso não deixar desnivelar.
Quando o resultado começa a pesar – dois, três, quatro – a equipa tende a desligar do jogo, a ficar cada vez mais longe da possibilidade de discutir o resultado. Às vezes basta um golo para trazer de volta a equipa, para a voltar a ligar ao jogo. Para lhe dar a ilusão e a crença de que ainda é possível. E por vezes surgem reviravoltas espectaculares, como sucedeu na semana passada na Alemanha, onde a selecção da Suécia, depois de estar a perder por 4-0, desatou a marcar e ficou de tal forma ligada ao jogo que só parou no último segundo, mesmo a tempo de chegar ao espectacular 4-4 final!
Afinal havia outro dia D. O do limite de inscrições de jogadores na UEFA, que os mercados das horas extraordinárias não deixaram passar. E da Rússia lá chegaram mais uns milhões largos, os suficientes para a cláusula de rescisão de Witsel e para o que Pinto da Costa fizesse mais uma pirueta.
E eu que pensava que já ninguém nos levava o belga de carapinha e olhos azuis…
Que pensava que, com os seus 23 anos, ele acharia que tinha tempo para esperar mais um ano, para rumar a um dos gigantes dos dois maiores campeonatos do mundo, para um daqueles que juntam dinheiro a prestígio. Mas não! Se calhar pensou que mais vale um tordo na mão que duas perdizes a voar…
O Benfica não podia fazer nada?
Podia! Podia ter tido visão estratégica para cuidar a tempo da revisão contratual do seu jogador com mais mercado, com o consequente alargamento da cláusula de rescisão que, como invariavelmente se tem visto – no Benfica e nos outros – serve para nada quando se quer vender e para pouco, mas alguma coisa, quando se não quer. Mas também podia ter tido visão estratégica - para o que não era sequer necessário ser visionário – para, em vez de contratar não sei quantos alas, ter procurado alguém para o meio campo, esse espaço vital do rectângulo agora mais desertificado que o interior do território nacional.
O plantel do Benfica conta agora com três centro-campistas: Matic, Aimar e Carlos Martins. Um sem ritmo de jogo e dois que passam mais tempo lesionados que a jogar. E ambos sem pernas para um jogo inteiro, nos que jogam!
Não importa que o Witsel tenha rendido tanto quanto o Hulk ao Porto. Ou que tenha deixado mais valias bem superiores às que o Incrível deixou nos cofres do Dragão. Não serve de consolação nenhuma que o Zénite tenha duas direcções: uma que oferece 50 milhões a Pinto da Costa, e que ele rejeita liminarmente, e outra que lhe dá 40 milhões e leva o Hulk. Pouco importa que Pinto da Costa faça exercícios de matemática para conseguir o milagre da multiplicação dos números, mesmo que, com isso, se fique a saber que havia umas dívidas por saldar ao jogador. Já se tinha ouvido falar disso, mas pensava-se que era só nas modalidades. Ou apenas coisa de más línguas…
O que importa mesmo é que, agora, o catedrático que está a evoluir para um look à Rod Stewart, tem a oportunidade da sua vida: fazer do Bruno César um trinco, do Gaitan um 10, do Nolito – já que não o consegue despachar para França – um box to box, e do Kardec uma coisa qualquer que jogue à bola!
Depois de uma sexta-feira negra tivemos a nossa super terça-feira. Não que a eliminação do Zenit, e o consequente apuramento para os quartos de final da Champions, fosse um feito épico. Há apenas quinze dias tínhamo-lo como um feito muito provável, praticamente adquirido. O feito foi vencer o Adamastor que entretanto se tinha atravessado à nossa frente, tenebroso como só ele sabe ser!
Depois do jogo jogado, onde Witsel, Maxi Pereira, Luisão, Bruno César e até Jardel e Emerson (que caracter!)foram bravos e destemidos marinheiros, veio o jogo das palavras. Onde Witsel voltou a ser gigante, deixando-nos deliciados com o seu português. Mas onde Jorge Jesus voltou ao desastre ameaçador.
Os responsáveis do Benfica têm rapidamente que encontrar um ventríloquo para falar em vez dele, deixando-o apenas com movimentos labiais, mesmo que desajeitados. Se isso não for possível, peçam ao ministro Vítor Gaspar que lhe explique que não vale a pena escolher adversários, que isso é obra do sorteio que, com a pompa e circunstância habituais, a UEFA faz sempre nestas circunstâncias!
Gesto técnico é uma das principais expressões do futebolês. Tem tudo o que faz do futebolês uma subcultura com expressão própria!
É pretensiosa, mesmo a roçar o pedante, e é redonda, completamente abaulada! Porque poderia muito bem ser apenas gesto. Ou movimento. Ou acção. Ou, mais simples ainda, o que de facto é em cada caso: uma finta, ou um drible, que é a mesma coisa. Um toque de calcanhar, um domínio da bola, com paragem da dita no peito ou na coxa, uma recepção, um passe, a bicicleta, ou o pontapé da dita, enfim…
Quando alguém diz que o Xavi num gesto técnico perfeito colocou a bola nos pés do Messi que, com outro gesto técnico ainda mais perfeito passou por cinco adversários. Ou que o Cristiano Ronaldo num gesto técnico irrepreensível colocou a bola fora do alcance do guarda-redes, ninguém fica a perceber muito bem o que se passou, tanto mais que já todos sabemos que isso é o que cada um desses faz. Sempre e bem! Já quando se ouve que o Helder Postiga, com um gesto técnico desastrado, sozinho à frente da baliza atira a bola para a bancada, todos percebemos o que se passou. E já nem é por estarmos habituados à cena, é porque a bola para a bancada diz tudo!
Os gestos técnicos estão, como tudo ou quase, sujeitos às tendências da moda. E, como se sabe, não faz moda quem quer. Apenas quem pode!
Diz-se que o passe é de letra – ou o remate, porque o gesto é também já utilizado para rematar à baliza – quando é efectuado a partir de um movimento em que o pé que toca a bola está por trás – e não ao lado - do outro, o de apoio, num movimento em que as pernas se cruzam num movimento contrário ao habitual, da frente para trás. Nunca percebi por que lhe chamam de letra - até porque o futebol não é muito dado a estas coisas das letras – mas admito que alguém veja ali o desenho de um L…
Ao evocar estes dois gestos técnicos alguns lembrar-se-ão de um ciganito que por aí andou há uns tempos: Ricardo Quaresma. Bem poderia ter sido ele o criador da moda, mas não fica assim na história. Quando era Nuno Gama no Porto quis ser Roberto Cavalli em Milão! Não resultou (terá sido dos anéis?) e lá vai ele parar à Turquia, que não é exactamente um grande centro mundial da moda. E hoje, trivela e passe de letra, são vulgares, massificados e estão disponíveis em qualquer pronto-a-vestir. Até nos chineses…
Já a bicicleta tem a grife de Cristiano Ronaldo e está tudo dito: sucesso garantido! É o gesto mais estúpido que existe, mas é do CR7, nada a fazer… Ah! Uma ajudinha, também: a bicicleta é aquele movimento em que, simulando o pedalar da bicicleta, se passam uns segundos que parecem uma eternidade sem que nem o jogador que o executa, nem a bola, nem o adversário - que é suposto enganar - saiam do mesmo sítio. Nunca dá em nada, mas pegou moda e é vê-lo por aí repetido por esses campos fora, como se de grande gesto artístico se trate! É o gesto preferido de Hulk, e nem os grandes jogadores do Barcelona o dispensam, como ainda agora se viu no Mónaco!
Já o pontapé de bicicleta não tem nada a ver com isto. É um gesto de elevado grau de dificuldade e de grande espectacularidade. Vale por si mesmo e não entra em modas. Se é moda é intemporal! Precisamente porque é um recurso último, quando só resta rematar com o pé que está mais à mão, como vimos esta semana Witsel (que grande jogador!) exemplificar no primeiro dos seus dois golos e dos três com que o Benfica despachou a equipa de Co Adrianse.
O que já se vê muito pouco é o chamado pontapé de moinho. É um pontapé em que o movimento circular do corpo, todo estendido no ar paralelo ao solo, sugere o de um moinho. Ou o pontapé de tesoura, uma designação sinónima, que associa o movimento das pernas no momento do remate ao de uma tesoura. Artur Jorge, há 40 anos, no Benfica, foi quem em Portugal mais contribuiu para a fama deste gesto, mais difícil de executar e mais espectacular ainda que o pontapé de bicicleta. Executava de forma brilhante, e com muita frequência, este movimento que ficará para sempre ligado ao seu nome: um pontapé à Artur Jorge!
Como ao seu nome ficará também ligado o toque de calcanhar. Porque era ele o treinador do FC Porto que ganharia a Taça dos Campeões Europeus, em 1987 em Viena, com o tal golo de calcanhar de Madjer. A partir daí, e por muitos e bem mais espectaculares golos de calcanhar que tenham acontecido – e muitos foram, incluindo os do agora madrileno Falcao, que me lembre é o único jogador que apresenta no seu cardápio de golos toda esta gama de gestos técnicos – calcanhar e Madjer passaram a ser a mesma coisa.
E, curiosamente, o mais banal de todos os gestos técnicos, continua com a cotação em alta!
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