A Senhora Procuradora Geral da República acha que não tem que se pronunciar sobre nada do que se relaciona com as suas funções e responsabilidades. Tem a casa a arder, mas não tem nada a ver com isso. E deixa arder...
No entanto, sobre o que lhe não diz directamente respeito, não se escusa a comentários. E se for para lançar gasolina para cima do que já está a arder, melhor ainda.
Não se lhe ouviu uma expressão de preocupação sobre os crimes que chocaram o país. Ouviram-se, em vez disso, palavras alinhadas com o discurso de ódio instalado, que alimenta a violência deste tipo de criminosos.
O primeiro voo do programa de Boris Johnson contratado com o Ruanda para deportar refugiados da Síria, Sudão, Eritreia, Irão e Iraque, que pediam asilo político, foi ontem cancelado por decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDT), que obrigou o avião a permanecer em terra. Mas apenas adiado, nas palavras do próprio primeiro-ministro britânico, e da sua ministra do interior, Priti Patel, autora do programa, desapontada mas não dissuadida: "Recursos legais e alegações de última hora fizeram com que o voo de hoje não tenha podido descolar (...) Não nos dissuadiram de fazer o que é certo (...) a preparação para o próximo voo começa agora". “Se não forem neste voo, irão no próximo” - acrescentou a também irredutível ministra dos negócios estrangeiros, Liz Truss, dada como possível sucessora do acossado Boris Johnson.
Nem que para isso tenham de abandonar o TEDT!
Os líderes da Igreja Anglicana denunciam a "política imoral que envergonha o Reino Unido". O príncipe Carlos acha a ideia "horrorosa". A oposição reprova-a, em bloco. E a imprensa dá conta dos custos absurdos do programa. Mas que importa isso quando, acabado de escapar à tangente a uma moção de censura, com o caos na Irlanda do Norte, e com movimentações na Escócia para um novo referendo à independência, Boris Johnson, vê nas sondagens que apontam no reforço do sentido xenófobo, que alimentou o sim ao Brexit, a forma de salvar a pele?
Vi há pouco, numa das televisões, imagens da recepção a duas crianças refugiadas ucranianas numa escola em Itália. Eram apenas duas, as crianças ucranianas e toda a comunidade dessa escola - de crianças a educadores - a recebê-las com palmas, numa manifestação impressionante.
Não faço ideia do que terá passado pela cabeça daquelas duas crianças, mas não me é difícil imaginar o conforto que terão sentido, depois da dolorosa experiência a que foram sujeitas, serem recebidas daquela forma, naquele local desconhecido a que acabavam de chegar, à entrada daquelas portas que cruzavam pela primeira vez. Será certamente uma imagem que jamais apagarão da sua memória, que provavelmente se sobreporá a tantas outras, de angústia e sofrimento, que as marcará para sempre.
São imagens que impressionam. Mais pelo tributo, pelo reconhecimento do estatuto de heróis a estes refugiados da guerra, já que a solidariedade com os ucranianos está a ser amplamente documentada todos os dias, por toda a Europa. Em contraste absoluto com tudo o que conhecemos do nosso comportamento colectivo perante a onda de refugiados que tem chegado doutras partes do mundo, em particular à Europa, na última década. Que são igualmente pessoas, e que igualmente fogem da guerra, do sofrimento, da impiedade e da tirania.
Um contraste que se tem tornado em mais um ponto de clivagem nas sociedades europeias, e particularmente em Portugal. Até aqui era fácil dividir as ideias políticas, as sociedades e, em última análise as pessoas - cada uma - entre universalistas e humanistas, por um lado, e xenófobos e racistas, por outro. Entre os que defendiam a abertura das fronteiras aos deserdados do mundo, e os que lhas fechavam. Entre os que lhes defendiam o acolhimento, e os que levantavam arame farpado para impedir a sua entrada.
A solidariedade e o acolhimento aos ucranianos rompeu com esta divisão. Desde logo a partir dos países fronteiriços, onde o arame farpado era mais leve de levantar. E, depois, no tabuleiro político nacionalista, e até no claramente xenófobo e racista.
Se não deixou de ser claro que boa parte da esquerda não ficou lá muito confortável no seu posicionamento perante a invasão russa, e a guerra, também não deixa de ser claro o seu desconforto com rompimento daquela linha divisória. Custou-lhe a perceber um fenómeno que deixava do mesmo lado quem antes estava do outro, e procurou a explicação na cor da pele e dos olhos.
Alguns poderão ter ficado satisfeitos com a explicação. Mas acredito que tenham sido mais os que não ficaram convencidos, e que terão percebido que a História, a civilização, a cultura e tudo aquilo que faz o que somos, e como vivemos, conta mais que simplesmente a cor da pele, dos olhos ou do cabelo.
Perceber isso não é aceitar o racismo, nem a xenofobia. É simplesmente perceber que há modos de vida que se chocam. E que, isso, é o que é. E não o que gostaríamos que fosse!
Começa a ficar consensual que entramos na temida segunda vaga da epidemia. Os números, de infecções e de óbitos, mesmo que mais os primeiros, voltaram a disparar e confirmam que o que se está a passar já é diferente do que aconteceu entre o primeiro e o segundo trimestre do ano.
Em Espanha, em França, na Itália, no Reino Unido, na Alemanha ou em Portugal, com maior gravidade, como em Espanha, ou menor, como na Alemanha, o vírus não dá tréguas. É justamente um virologista alemão, cientista de referência e assessor do governo para a covid-19, que adverte que a verdadeira pandemia está agora a chegar.
A isto acresce a chegada da gripe sazonal, aí à porta por força do calendário. Mas acresce sobretudo a realidade nas suas múltiplas dimensões. Não é mais possível responder com a resposta dada há seis meses. Não é económica nem socialmente possível voltar ao confinamento de então. As economias não o suportam. E as pessoas já nem sequer suportam medidas restritivas, como se vê por estes dias em Espanha e em França. Pelo contrário, reclamam mais abertura, Nem é garantido que dispúnhamos de melhores condições de saúde, como em Portugal garantem as entidades oficiais. Antes pelo contrário, provavelmente.
É certo que há hoje maior conhecimento do vírus, e mais algumas certezas médicas. Mas a resposta dos profissionais de saúde, que por todas as latitudes emocionou o mundo, não é uma experiência repetível. E em Portugal, por múltiplas e diversas razões, que vão dos bloqueios nas estruturas organizacionais dos serviços de saúde, à falta de reconhecimento dos profissionais, não o é. De todo!
Quando os registos da epidemia já contam com um milhão de mortos e 32 milhões de infectados, é verdadeiramente dramático nestas condições admitir que a verdadeira pandemia possa estar agora a chegar.
Há uma boa notícia no meio de tudo isto. Nas eleições locais e regionais em Itália, no início da semana, a extrema-direita xenófoba sofreu um forte revés. Dizem os estudiosos da matéria porque, justamente, as pessoas perceberam que é aqui que está a razão para ter medo. E que o que os extremistas agitam são falsos medos com que querem apenas espalhar o ódio.
Passou pelas redes sociais, especialmente durante a semana passada, uma moda de franco mau gosto, como a maioria das que por lá passam, deve dizer-se. Como sabemos tudo aí se replica facilmente, e as pessoas começaram a adaptar um certo texto, que se tornou viral, à sua realidade geográfica.
Só mudava a região de cada um, o resto mantinha-se: aqui não há shoppings, não há internet, e o cinema é a preto e branco. Aqui não há nada que interesse, isto é de todo desaconselhável, não venham para cá. Nem pensem nisso!
A pretexto de alguma piada, que logo desaparecia sem deixar rasto quando se percebia o perigo daquela ideia que tantas pessoas difundiam pela rede fora, muitas delas sem o perceber, pensando apenas estar a fazer graça fácil, transmitia-se um conceito de medo e de ignorância, de natureza xenófoba, com requintes de segregação e discriminação. Que sabemos sempre como começam mas nunca como acabam.
Lembrei-me disto quando me deparei com uma notícia que ontem vimos nos jornais. Aconteceu em Espanha, em La Línea de la Concepcion, uma pequena cidade da Andaluzia, na província de Cadiz, onde uma caravana de ambulâncias com um grupo de 28 idosos, despejados de um lar por estarem infectados com o coronavírus, foi recebida à pedrada por um grupo de autóctones.
Chegados à residência onde o governo autonómico da Andaluzia os realojou, os idosos foram cercados por uma pequena multidão em fúria, gritando impropérios contra os pobres e fragilizados "maiores", como por lá lhes chamam. Durante a noite foram arremessados vários engenhos explosivos a partir de casas nas imediações, fechava a notícia.
Não há grande diferença entre este relato que chega de Espanha e aquilo que por cá circulou pelo facebook. É a solidariedade a desaparecer, perdida no meio de todas as perdas que estamos sentir. É a alma a esvair-se na crise sanitária, e a acrescentar-lhe crise moral. Provavelmente de bem mais difícil recuperação….
Acabadas as eleições, contados os votos – não todos, estranhamente, quase uma semana depois, ainda não estão contados os da emigração – analisam-se resultados e perspectiva-se o que estará para vir.
É o que sempre acontece na semana seguinte ao dia da festa dos votos - sim, apesar de tudo continua a ser dia de festa!
E nesta semana ninguém se poderá queixar de falta de tema, até porque os resultados deste domingo dão pano para mangas. Três novos partidos entraram pela primeira vez na Assembleia da República, fazendo aumentar para 10 (em mais de 40%) os partidos com assento parlamentar, e um, à segunda participação, quadruplicou a sua representação. Os dois partidos da anterior direita parlamentar – mais um que o outro - não evitaram um descalabro anunciado; e as coisas também não correram exactamente bem – também mais a um que a outro – aos parceiros do governo na geringonça.
Há sempre contas sobre quem ganhou e quem perdeu, quem votou em quem, e quem deixou de votar em quem, para passar a votar em quem… Há uma maioria para desenhar que sustente politicamente o governo, e há uma guerra de sucessão a vislumbrar-se à volta as feridas abertas nos principais partidos da direita.
No entanto houve gente para quem nenhum destes temas teve suficiente interesse. Houve gente para quem a única coisa digna da sua preocupação foi a eleição de uma afro-descendente, nascida em Bissau e cidadã portuguesa desde os oito anos, em cujos festejos surgiu uma bandeira da Guiné-Bissau. De tal forma que lançaram uma petição pública, ao que dizem já assinada por nove mil pessoas para, por impatriotismo, impedir a sua tomada de posse. Impatriotismo – evidentemente – denunciado pela presença da bandeira daquele país africano a que, como a todos os outros de língua portuguesa, chamamos irmão. Isto é imbecil, mas não é inocente … Nem novo. Nem novidade nos métodos, nem nos meios, nem nos fins…
Há quem não goste que as eleições sejam uma festa. E há, depois, gente que tem especial gosto em estragá-la!
O governo português pronunciou-se finalmente - através do ministro dos negócios estrangeiros - sobre a situação do nosso compatriota Miguel Duarte, ontem aqui trazida. E manifestou-lhe todo o apoio diplomático, esperemos que lhe valha de alguma coisa... Do lado do Presidente Marcelo, o das palavras, é que nem uma ... Continua tudo na mesma.
Mas não é nem pela reacção do governo, nem pela falta de reacção do Presidente, que regresso ao tema ontem aqui trazido. É apenas para dar conta dos trogloditas que invadiram a caixa de comentários e que dão um bom exemplo do que por aí anda. Não é frequente este blogue ser atacado por esta carga de imbecilidade. À excepção dos textos sobre o Bolsonaro - aí é fatal, se falo desse especimen é certo que que "eles" aparecem - é raríssimo surgirem por aqui estes exércitos armados de ignorância até aos dentes, ao serviço do que de mais repugnante possa caber na cabeça de um ser humano.
Não os apaguei porque, por regra, não o faço. E porque, sendo mau que haja gente desta, não podemos ignorar que existem. Tenho é vergonha de vos convidar a dar lá uma espreitadela...
Na América, Trump refinou o que chama de tolerância zero contra os imigrantes ilegais, mesmo que para isso arrancasse crianças às famílias e as prendesse em jaulas, que uma senhora do seu governo, com a pasta da imprensa, comparou a campos de férias. No fundo, são campos de férias para as crianças, garantiu a senhora. Coisa que, rezam as crónicas, lhe valeu sérios incómodos num restaurante em que jantava um destes dias. Se é que é senhora para se deixar incomodar…
Sim, porque nesta administração Trump não há muita gente para se deixar impressionar por estas coisas, havendo até quem, perante hipóteses de comparação com os nazis, negue qualquer semelhança: na Alemanha nazi, eles queriam evitar que os judeus partissem; agora, na América, pretende-se evitar que entrem. Não os judeus, evidentemente… Ou até quem, de mãos erguidas, invoque a Bíblia para justificar as suas monstruosidades. Soube-se que Melanie Trump se sentiu fortemente incomodada mas, como se sabe, não pertence à administração. É apenas primeira-dama. E mesmo assim só quando convém…
Em plena União Europeia, em cujo coração a Srª Merkel, outrora inimiga da Europa e agora sua última esperança, trava uma dura luta de sobrevivência com o seu ministro do interior exactamente por causa destas coisas, o Sr Viktor Orban, anteontem, em pleno dia mundial dos refugiados, fez aprovar no parlamento da Hungria um pacote legislativo que criminaliza, e pune com prisão, qualquer auxílio a qualquer imigrante ilegal ou refugiado. Ou quem ouse auxiliar alguém a pedir asilo.
Na Europa, um país membro da União Europeia, não se limita a inscrever na Constituição que “uma população estrangeira não pode fixar-se na Hungria”. Persegue quem defenda ou preste qualquer tipo de auxílio a estrangeiros que pretendam entrar no país de onde muitos cidadãos tiveram que sair para procurar melhores condições de vida. Como George Soros, hoje um dos maiores investidores e filantropos do mundo, e um dos maiores financiadores das organizações de defesa dos direitos dos imigrantes, também na Hungria.
Mas de tal forma objecto da ira fascista do líder húngaro que o regime não encontrou melhor designação oficial para esta legislação agora aprovada que, justamente, “STOP SOROS”.
Um supermercado em Hamburgo, da cadeia alemã de supermercados Edekana, tomou a iniciativa de, por um dia, colocar nas prateleiras apenas produtos alemães.
Os seus clientes foram surpreendidos com prateleiras, quando não vazias, despidas da variedade a que estão habituados. No lugar em que faltavam os produtos que procuravam, encontravam muitas vezes frases alusivas à circunstância: "tão vazia fica uma prateleira sem estrangeiros"; ou "a nossa seleção conhece fronteiras hoje".
A notável iniciativa deste supermercado não tem apenas o mérito de confrontar os seus clientes com o racismo e a xenofobia. Mostra como estes preconceitos são absurdos, e contrários ao nosso próprio modo de vida. Mostra, de uma forma simples, como o racismo e a xenofobia não cabem no tempo que vivemos.
Marine Le Pen - diria que sem surpresa - ganhou a primeira volta das regionais francesas. Para agora evitar a tomada do poder pela extrema direita francesa é necessário repetir o que aconteceu há anos, quando o pai ganhou também a primeira volta das presidenciais, obrigando à união da esquerda e da direita na segunda volta.
Dessa vez ganhou Nicolas Sarkozy. Desta vez ... também, ao que parece.
A Frente Nacional da extrema direita xenófoba ganhou agora com 30% dos votos, que na região norte, de Calais, passou dos 40%. Resta saber se por ser a região de origem dos Le Pen, se por ser onde estão instalados os desumanos campos de refugiados...
PS: Depois da chamada de atenção num comentário abaixo venho corrigir e apresentar as minhas desculpas: Sarkozy ganhou em 2007, à socialista Ségolène Royal. O episódio referido ocorreu nas eleições anteriores, em 2002 com Chirac.
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