Televisões, comentário e pouca vergonha
Foi com alguma perplexidade que há uma semana dei conta que o Cardeal Américo Aguiar, agora Bispo da Diocese de Setúbal, se tinha também convertido ao comentário televisivo, e disso feito fonte de proveitos, presumo.
No caso, na Now, o segundo canal do Correio da Manhã. Que seria supostamente uma espécie de canal premium.
O lado premium foi perseguido com a introdução do comentário político com assinatura. Lugares de tribuna entregues a tribunos como Nuno Severiano Teixeira, Vasco Rato, Santana Lopes e António Costa, entretanto (pour cause) substituído por Fernando Medina, gente que influencia mas que, mais importante que tudo, dá influência. Talvez por isso esse espaço de chame "Informação Privilegiada".
Depois descampou para pouco mais que uma extensão da CMTV, acabando ambas como que uma espécie de Mr Dupont e Mr Dupond. Enquanto a CMTV se dedica ao debate taberneiro da bola, a Now ocupa-se dos acidentes e dos crimes. E vice-versa, para que o sangue não pare de escorrer. É a fileira há muito descoberta.
É na bissectriz deste percurso que surge a contratação - no mercado de inverno - do Cardeal Américo Aguiar. Não cabendo o comentário de assinatura na taberna da bola - onde bem poderia estar a representar o seu Porto - teria de ir parar ao outro lado, à "Informação Privilegiada". E lá está, á sexta-feira, para comentar todos os acidentes, aéreos ou rodoviários, e todas as facadas da semana.
De ontem, destaco dois desses comentários:
O primeiro sobre o acidente aéreo em em Washington, na quarta-feira. Foi a segunda pessoa, logo a seguir a Trump, a identificar as causas do acidente. Trump encontrou-as nos programas de inclusão e diversidade das anteriores administrações democratas; o Cardeal Américo Aguiar em "falhas graves de equipamentos ou de funcionários" manifestando-se perplexo por isso ter sucedido nos Estados Unidos;
O segundo sobre o que acontecera em Sesimbra na madrugada anterior, para o remeter para o quadro de desvalorização da vida que se instalou na sociedade, desde o seu início, no espaço intra-uterino, ao seu términos, na velhice.
Fui pesquisar e, curiosamente, a propósito de outro idêntico recente episódio mortal ocorrido no início do ano, no Barreiro, também na sua diocese, na sua qualidade de Bispo, refere-se à violência doméstica como “um verdadeiro cancro da sociedade, impossível de ser combatido”, por mais campanhas que se façam, e “por mais vozes que se levantem, incluindo a do Papa Francisco”.
Aquilo que, no exercício das suas funções, "é um cancro" passa, no seu espaço de televisão que mais não é que um direito de antena remunerado (nisso não difere para qualquer dos todos os muitos outros, incluindo os que o fizeram, e os que o continuaram a fazer, com claros objectivos políticos pessoais), a ser uma mera consequência da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, e/ou da legalização da morte medicamente assistida.
E isto é pouca vergonha!