Tour 2014 II
Por Eduardo Louro
Depois de, ontem, o Tour ter chegado a França, com mais uma vitória de Kittel – a terceira em quatro etapas –, e de ter perdido, por queda, na véspera, que não lhe permitiu comparecer à partida, uma das suas grandes figuras dos últimos anos, Andy Schleck – há já algum tempo que, por estas e por outras, deixou de ser um grande favorito –, correu-se hoje a primeira das etapas de elevado grau de dificuldade, uma daquelas que pode marcar a história da corrida.
A etapa de hoje, a quinta, não era corrida em montanha. Nem era um contra-relógio. Era simplesmente o regresso ao célebre pavé, no traçado da clássica Paris-Roubaix, com uma incursão por terras belgas. É o chamado Inferno do Norte!
Eram 155,5 quilómetros, entre Ypres e Arenberg Porte du Hainaut, numa daquelas etapas onde ninguém ganha o Tour, mas onde muitos o podem perder. Previam-se muitas dificuldades, um verdadeiro suplício para os ciclistas. A chuva encarregou-se de a transformar num inferno, com quedas sucessivas, umas atrás das outras.
Uma das primeiras vítimas foi o vencedor do ano passado e principal candidato à vitória deste ano, Chris Froome. Que pouco depois voltaria a cair e a abandonar, ainda antes de chegar ao pavé. Já ontem tinha também sido vítima de queda, depois de também já ter caído no Dauphiné, há três semanas atrás. E o Tour ficava, logo ao quinto dia, sem a sua figura maior. E o maior ciclista do pós Lance Amstrong…
Logo a seguir ao abandono de Froome entrou-se no primeiro troço de pavé, e logo aí o pelotão começou a partir-se em vários grupos. Rui Costa, Valverde e Contador logo ficaram para trás, e nem sempre juntos. Como Nibali logo foi para a frente. E foi sempre assim, com uma outra recolagem, mas com muitos grupos espalhados pelo caminho. E muitas quedas, sempre e em qualquer fase da etapa…
Ler, ou ouvir falar, de pavé pode levar a pensar nos empedrados, nas calçadas. Na Calçada de Carriche de há 30 ou 40 anos por exemplo. Pois, não é disso que se trata… São troços de pequena quilometragem – normalmente à volta de dois – de caminhos rurais, no meio dos campos agrícolas, com pouco mais de 2 metros de largura. Que, com chuva, passam a poucos centímetros, ladeados de poças de água e de lama. Na margem, erva molhada que expulsa violentamente qualquer roda que se atreva a tocar-lhe… E público, muito público de um lado e doutro!
Esperava-se uma etapa importante, o primeiro ponto alto deste Tour. Pois, foi mais – muito mais – do que se esperava. Foi provavelmente a etapa que tudo deixou já decidido. Que a Astana tinha certamente bem preparada, nela apostando a vitória do italiano Nibaldi, que traz a camisola amarela, que se arrisca a não despir mais, desde a segunda etapa, que venceu.
Nibali ganhou hoje mais de dois minutos à principal concorrência. De fora da vitória não ficou apenas Froome. Ficou também Contador e, por que não, Rui Costa, nitidamente sem equipa. Viu-se que só pode contar com Nelson Oliveira – outro dos cinco portugueses em prova. Não pode contar com mais ninguém!
Admitindo que a juventude de Kwiatowsky lhe limita as hipóteses de candidatura à vitória final, Nibali tem agora no australiano Richie Porte (a 1´ e 54´´), que agora, sem Froome, passará a ser a primeira figura da Sky, o único rival a menos de dois minutos. E de eterno candidato no papel passou, de repente, não só a candidato real mas a candidato principal.
O Tour é espectáculo. É disso que se alimenta para ser cada vez mais – e apesar de tudo por que tem passado o ciclismo – uma das maiores competições desportivas do mundo. Mas uma coisa é o espectáculo do ciclismo, a preparação do sprint, o sprint, o ataque e o contra-ataque na montanha. Outra é aquilo a que se assistiu hoje. Não é que não tenha nada a ver com ciclismo. Terá. É também ciclismo. Mas é muito mais que isso… E desse mais, o Tour não precisa. Acho eu!
Mesmo que a média de 47 Km/hora do vencedor – Lars Boom, o holandês da Belkin – deixe a ideia de uma prova normal de ciclismo…