Trocos da vida*
Passou despercebidamente em alguns jornais em notícia de rodapé: "portuguesa assassinada em S. Tomé".
Chamava-se Catarina Barros de Sousa, e tinha chegado há uma dúzia de anos àquelas paragens equatorianas como voluntária de uma ONG integrada num programa de apoio a crianças de rua. Crianças em dificuldades, que por lá é coisa que não falta.
Apaixonou-se por aquele sol, por aquelas tempestades e por aquela gente e, terminado o voluntariado, ficou. E fez de tudo – trabalhou numa roça de cacau, numa companhia de aviação, foi guia turística… Trabalhava há dois anos num resort ecológico, no Norte da Ilha de S. Tomé. Que percorrera de lés a lés, distribuindo sorrisos na sua motorizada, conhecendo-lhe todos os cantos.
Tinha 51 anos, e foi no início da semana encontrada morta a golpes de catana, banhada de sangue no chão do seu gabinete, no hotel em que trabalhava, num cenário dantesco de rara violência, a sugerir a condição de vítima de um ódio que de nenhuma forma casava com o carinho e admiração que toda a comunidade local lhe dispensava.
Após as primeiras investigações as suspeitas recaem sobre um funcionário do hotel, a quem a Catarina tinha instaurado um processo disciplinar por faltar ao trabalho, faltas que lhe terá descontado no vencimento.
Terão afinal bastado uns simples trocos para franquear as portas a um ódio que não tinha por onde entrar. Uns simples trocos acabaram suficientes para pagar o preço que a vida não tem. Como se a vida nunca passasse de trocos…
* A minha crónica de hoje na Cister FM