Um dérbi louco
"No futebol tudo é possível". Ou "futebol é isto mesmo".
O futebolês às vezes tem coisas acertadas. E os dérbis, que são sempre o expoente máximo da emoção no futebol, às vezes atingem o inimaginável.
O dérbi desta noite, na Luz, cheia que nem um ovo, como é frequente apesar das oscilações da equipa, foi futebol. Que é "isto mesmo", e onde "tudo foi possível".
O Benfica começou bem, e foi melhor na primeira metade do primeiro tempo, ao contrário do que, pela fase que atravessa, e pelo que havia sido a semana dos dois rivais (com o Benfica á beira do abismo em San Sébastian, e o Sporting com um jogo-treino em Alvalade, com os polacos do Rákow), seria de esperar. Sempre mais agressivo na disputa da bola, e mais forte nos duelos, numa espécie de papéis invertidos, o Benfica, com João Neves - na sua posição natural, e com três centrais na equipa (António, Otamendi e Morato) mas sem a estrutura de três centrais, com Morato a defesa esquerdo - em grande, ganhou o meio campo e dominou o jogo, com três claras oportunidades de golo nesse período, incluindo uma bola no ângulo superior direito da barra da baliza de Adan. Seriam três as bolas nos ferros na baliza do Sporting, durante o jogo.
Depois, o Sporting começou a equilibrar o jogo e Trubin, por duas vezes, negou-lhe o golo. Às três foi de vez. Em cima do minuto 45 João Mário perdeu na disputa com Edwards, que lançou Gyökeres para marcar, num potente remate de primeira, que Trubin não conseguiu (e pareceu que porventura poderia ter conseguido) defender.
No seu melhor período, em três oportunidades, o Sporting marcou. Precisamente ao contrário do Benfica, que não tirara nada do seu melhor. A conjugação destes dois factores - o crescimento do Sporting (sabe-se que as últimas imagens são sempre as que ficam mais nítidas na memória), e a vantagem no marcador - sugeria grandes dificuldades para o Benfica virar o resultado na segunda parte.
O reinício do jogo confirmava essas dificuldades. E se a expulsão de Gonçalo Inácio, por segundo amarelo, logo aos 6 minutos, abria perspectivas novas para o jogo, a verdade é que, adaptando-se bem à circunstância de jogar com 10, o Sporting parecia ter sempre o jogo controlado. O Benfica tinha esgotado a alma a meio da primeira parte, e a criatividade não abundava.
As substituições de Roger Schmidt - Musa e Florentino por Cabral e Tengstedt - não só não mexeram com a qualidade de jogo da equipa, como irritaram ainda mais os adeptos. E o jogo foi-se arrastando, com uma única oportunidade de golo, num remate "com selo de golo" de Di Maria, que Adan desviou para a trave (terceira bola na trave), e mais uns incidentes de arbitragem aqui e ali.
Só aos 85 Roger Schmidt faria nova - e última - substituição, trocando João Mário por Gonçalo Guedes. Tarde de mais, até porque se viu como Guedes mexeu com o jogo, e como o Benfica voltou a ganhar alma. Então sim, percebeu-se que os jogadores do Benfica não queriam perder o jogo. Até na forma como Trubin subiu à área de Adan, primeiro num livre lateral e, depois, no canto que resultaria no golo de João Neves (que execução!) aos quatro dos seis minutos de compensação.
Se já era incrível, depois foi a loucura. Dois minutos depois, na melhor jogada colectiva do Benfica em todo o jogo: Di Maria desmarcou Aursenes na direita, que ganhou a linha final e cruzou; Rafa deixou passar entre as pernas e, de calcanhar, o mal-amado Tengstedt marcou.
A loucura em dois tempos. O árbitro assinalou fora de jogo. Mal, percebia-se de imediato em jogada corrida. E confirmar-se-ia quase cinco minutos depois, com a validação do VAR, por estranhos 4 centímetros.
Com a festa instalada na Luz ninguém se lembrou mais de Artur Soares Dias. Mas foi uma arbitragem à sua maneira, e à maneira do que nos habituou. Por isso, mas também pelos muitos que já ouvi dizer que o Sporting mereceu ganhar este jogo, ficam aqui apenas duas notas.
A primeira falta assinalada ao Benfica aconteceu já aos 40 minutos, a Rafa. Quando o jogador do Benfica, depois de uma joelhada de Hjulmand na coxa, que não só era falta evidente, como ainda merecedora de punição disciplinar - o dinamarquês deveria mesmo ter sido o primeiro jogador do Sporting a ser expulso - , agarrou a bola com a mão, convicto da falta sofrida.
Ficou um penálti - claro - por marcar, a meio da segunda parte, por cotovelada de Morita sobre Otamendi. Mas foram muitos mais, os lances que, a acontecerem na área do Benfica (basta lembrar-mo-nos do ano passado) Artur Soares Dias apontaria para a marca de grande penalidade.
Por último, Roger Schmidt. Tirou "a cabeça do cepo", mas não a tem no lugar!