Um equívoco grande num grande jogo
Não é costume os clássicos serem grandes jogos de futebol. O dérbi dos dérbis, o clássico maior do futebol nacional, pelo contrário, por vezes dá em grandes espectáculos de futebol. No Benfica-Sporting desta tarde, na Luz, houve espectáculo. Foi um grande jogo de bola, de grande intensidade, aberto, como a gente gosta de ver, sem constrangimentos tácticos. Claramente o melhor do campeonato, com sete golos, que até poderiam ser muitos mais. Mais do dobro!
O Benfica apresentou na primeira parte o melhor futebol da época. Dominando claramente o meio campo - o Sporting, sem Palhinha e João Mário, e com Matheus Pereira e Daniel Proença nos seus lugares pôs-se a jeito - o Benfica partiu para uma exibição que chegou a ser fulgurante, com grandes jogadas ... e grandes golos.
Quando, logo aos doze minutos, Seferovic fez o primeiro golo, apenas aconteceu o que a todo o momento já se esperava. Não que, ao contrário de outros jogos, tivesse criado e desperdiçado outras oportunidades. Apenas porque a sua superioridade no jogo, era óbvia. A concentração e o acerto dos jogadores, e a vertigem do futebol do Benfica atropelava o futebol dos novos campeões nacionais.
À porta da meia-hora o Benfica chegou ao segundo, talvez na mais monumental jogada de futebol da partida, concluída, com grande classe, por Pizzi. E sete ou oito minutos depois ao terceiro, por Lucas Veríssimo, no primeiro golo de canto sofrido pelo Sporting esta época. Pelo meio já o árbitro - Tiago Martins, uma das bestas negras do Benfica, o conhecido "moedas" - tinha assinalado um penalti a favor do Benfica. Desta vez revertido (o assistente assinalou - e bem - fora de jogo) pelo próprio, não foi pelo VAR.
À beira do intervalo já não havia dúvidas que o Sporting não escaparia à primeira derrota do campeonato, e que o sonho leonino de campeão invencível poderia acabar num pesadelo de uma pesada goleada. Só que o golo de Pote - que grande jogo fez, também -, no primeiro remate à baliza, já no período de compensação, abrir-lhe-ia as portas do resgate. E o intervalo daria a Rúben Amorim mais uma oportunidade para mostrar que é mesmo bom naquilo que faz.
O Sporting entrou para a segunda parte já com Palhinha e João Mário no meio campo, retirando Daniel Bragança e João Pereira, passando o Matheus Pereira para a ala direita. Ainda não dera para perceber como, com o novo meio campo, iria tentar capitalizar o golo salvador do fim da primeira parte, e já o Benfica repunha a diferença de três golos. Num penalti - aleluia! - desta vez confirmado, e convertido por Seferovic, à procura de golos para garantir a posição de goleador-mor da prova.
Curiosidade: o segundo penalti assinalado a favor do Benfica; também o segundo assinalado contra o Sporting. E o primeiro golo sofrido dessa forma, depois do também primeiro de canto.
No arranque da segunda parte estava reposta a diferença de três golos e, com ela, o cenário que se desenhara na primeira. O Benfica continuava a jogar bem, a criar boas jogadas e oportunidades de golo. Só que os jogadores entenderam que o jogo estava mais que ganho e, em vez de se preocuparem em controlá-lo, preocuparam-se com os golos para Seferovic. Mantiveram o mesmo frenesim ofensivo, a mesma vertigem mas, na hora do golo, a única preocupação era procurar o internacional suíço. E desperdiçaram assim dois ou três golos.
Estava a ver-se que aquele não era o caminho, e que os jogadores do Benfica estavam a entrar numa perigosa fase de deslumbramento. Repare-se que Helton Leite fez a primeira defesa do jogo - e fácil - aos 61 minutos. Para no minuto seguinte sofrer o segundo golo. Que mudou por completo o jogo.
Os jogadores do Sporting tiveram o mérito de se conseguir salvar do precipício, os do Benfica o demérito de lho terem permitido. A substituição de Taarabt - faz tudo bem, menos a última coisa que tem a fazer - pelo ainda mais inconsequente Gabriel também ajudou. Até porque, como sempre acontece, bastaram-lhe três minutos em campo para ficar limitado por um cartão amarelo, Seguiram-se vinte minutos em que só deu Sporting, tempo para Pote repetir Seferovic, e voltar a marcar, e também de penalti. E para mais três oportunidades, entre elas uma bola no poste, do mesmo Pote, para chegar ao golo do empate, a última negada por Helton Leite, aos 78 minutos, com uma defesa enormíssima.
Em 20 minutos passou-se do espetro de uma goleadoa histórica para o da invencibilidade do Sporting. Repetindo o que já acontecera com o Porto, e com o jogo ainda mais partido, os últimos 10 minutos voltaram a cair para o Benfica. Foi como que a papel químico, incluindo a arbitragem que, para não expulsar (segundo amarelo) o Nuno Mendes, ignorou uma cotovelada em Rafa, isolado em direcção à baliza. Como já ignorara uma agressão a pontapé de Paulinho, para vermelho. Com as entradas de Nuno Tavares, Rafa, Darwin e Waldchmidt, e já sem Seferovic em campo, e com o Sporting já com Coates a ponta de lança, o Benfica acaba com mais duas flagrantes oportunidades de golo.
Mas, do susto, não se livrara. Ou como uma goleada anunciada acaba num jogo de credo na boca. Tudo pelo equívoco dos jogadores do Benfica nessa coisa do melhor marcador do campeonato. É que, de tanto pensarem no colega, se esqueceram que, mais importantes que os golos que Seferovic ainda pudesse acrescentar, eram os que Pote viesse a marcar.
Mas nem por isso deixou de ser um grande jogo de futebol. Só deixou de ser o prémio de consolação que é, sempre, uma goleada sobre o velho rival. Mais a mais no dia em que, a uma jornada do fim, também o segundo lugar, o tal de acesso directo à Champions, deixou de ser possível.