Um jogo tranquilo e as suas circunstâncias
Foi um jogo realmente tranquilo para o Benfica, este que esta noite disputou em Arouca, correspondente à primeira jornada da segunda volta. O mais tranquilo destas três deslocações sucessivas, quando tinha tudo para ser o mais complicado.
Desde logo pela qualidade do adversário. O Arouca, a fazer uma excelente época, o em sexto lugar no campeonato e semi-finalista da Taça da Liga, onde acabou por chegar em vez do Benfica, é claramente superior aos dois últimos. Ainda no último jogo, há precisamente uma semana, na "final four" da Taça da Liga, em Leiria, tinha dado água pela barba ao Sporting, perdendo à tangente o acesso à final.
Mas também pelas circunstâncias em que se realizou o jogo: no dia do fecho do mercado, com o desfecho da novela Enzo Fernandez, que já nem saíra de Lisboa, com a cabeça cheia dos milhões do Chelsea; sem Enzo, portanto, mas também sem Gonçalo Ramos, lesionado em Paços, no último jogo, e ainda sem Rafa; e num campo com mais areia que relva, que claramente acrescenta dificuldades ao jogo de maior requinte técnico do Benfica.
Estas contrariedades acabaram apenas por valorizar o desempenho do Benfica, e por fazer salientar a tranquilidade da exibição. Roger Schemidt pode ter que abdicar de muita coisa, mas não abdica dos seus princípios. Teve que abdicar de Enzo, e viu-se bem a que contragosto - e até a desilusão com a ingratidão do jogador - mas não abdica da sua ideia de jogo.
Por isso entregou os papéis de Enzo, Rafa e Gonçalo Ramos a Chiquinho, a Neres e a Gonçalo Gudes.
Chiquinho, que Schemidt tornou jogador, e que não será ingrato como a personagem que o treinador lhe pediu que representasse, levou o papel a sério. Tão a sério que tentou fazer tudo o que agora jogador do Chelsea vinha fazendo. Não consegue fazer exactamente o mesmo, evidentemente. Mas não tem já nada a ver com o Chiquinho que conhecíamos, e não se saiu nada mal.
David Neres também não fez rigorosamente o que Rafa faz, mas esteve bem melhor nesse papel do que tem estado no seu próprio. No papel que era o seu, e que não vinha desempenhando com grande brilhantismo nos últimos tempos.
Acabou até por ser Gonçalo Guedes quem mais dificuldades teve com o papel do seu homónimo Ramos. Mas aí a equipa ajudou. Todos os outros, a representarem os seus próprios papéis, fizeram-no com brilho. Todos mesmo, à excepção de Vlachodimos que, por "culpa" deles, não teve nada para fazer.
Quer isto dizer que o Benfica fez uma exibição deslumbrante em Arouca?
Não, de todo. Fez a exibição necessária e suficiente para dominar o jogo de princípio a fim, para o ganhar claramente, sem qualquer margem de contestação e, ainda, para oferecer um espectáculo que não se admitia possível naquele areal. Entrou forte, e asfixiou o Arouca praticamente até ao primeiro golo, a meio da primeira parte. Fez três golos - dois do "goleador" João Mário e um de Musa, finalmente, que substituíra Gonçalo Guedes, a dez minutos do fim - com meia dúzia de remates, nos três enquadrados com a baliza, e em três das quatro ou cinco jogadas de golo de grande espectáculo.
Da mesma forma que não se pode secundarizar esta exibição pelo desfecho da situação de Enzo, também não de pode fingir que hoje só houve este jogo. Não, hoje perdemos um jogador como há muito não tínhamos. Mas perdemos mais que isso, perdemos muita ilusão. E perdemos a oportunidade de lembrar este jogador pelo que de bom fez nestes 6 meses com o manto sagrado.
A partir de hoje Enzo será apenas lembrado por ter feito tudo para sair do Benfica sem lisura. Por ter feito crer que tudo o que acontecera naqueles dias da passagem do ano estava resolvido e ultrapassado, apenas para esticar a corda no momento próprio em que ela partisse. No último dia.
Depois de termos sido levados a pensar que o caso Enzo tinha sido exemplarmente gerido pelo presidente Rui Costa, acaba por ficar a ideia contrária. A que fica é que, se era este o desfecho fatal - este é mesmo o adjectivo, é a fatalidade da subversão das cláusulas de rescisão, tão fatal como pagar comissões sobre vendas que não se querem fazer - deixá-lo para a última hora, sem qualquer possibilidade de contratar um substituto, foi uma péssima decisão.