Vandalismos*
O país vem assistindo nos últimos dias – melhor, nas últimas noites - na região da grande Lisboa, a uma daquelas vagas de desordem urbana que fura a muito fina membrana que muitas vezes separa o protesto da delinquência.
Em ambientes de grande complexidade social como é o dos bairros degradados, as pequenas coisas, muitas vezes apenas visíveis à lupa, ganham rapidamente forma em episódios de rara violência. É curta a distância entre o gesto mais simples e a desordem, logo transformada em caos, como curta fica a distância para o vandalismo e para o crime.
Tudo começou no bairro da Jamaica, um espaço altamente degradado, de prédios inacabados desde há 50 anos, na margem sul do Tejo, no Seixal, onde está em curso uma operação de reinstalação, iniciada há cerca de um mês na sequência de um notável trabalho jornalístico, um dos poucos que ainda se fazem em Portugal. E numa desavença entre duas mulheres, com o irmão de uma delas a correr a envolver-se, deixando pelo caminho uma bofetada em cara alheia… Chamada a polícia, a coisa não correu nada bem…
Receber à pedrada não será forma de dar boas vindas. E ser recebido à pedrada não ajuda nada à tolerância…
A partir daí alastrou, como fogo a que não falta pasto. O Bairro da Jamaica saiu de boca de cena, e entraram outros, igualmente ditos problemáticos, com novos palcos e velhas razões. E o mesmo vandalismo de sempre, que acaba como sal em cima das feridas que se não querem, ou se não sabem, fechar.
E não me refiro apenas ao vandalismo que tem por objecto carros, caixotes do lixo e outro tipo de infra-estruturas urbanas. Não. Refiro-me também ao que vandaliza espíritos e consciências, ao vandalismo da ignorância e ao vandalismo verbal que desfila pelas redes sociais e pelos directos das televisões.
* A minha crónica de hoje na Cister FM