Volta sem batota, mas com "batotice"
Andava zangado com o ciclismo português, por causa da batota que se revelou ter sido nos últimos anos, e por isso não tinha trazido aqui a Volta a Portugal deste ano. Hoje, com o espectáculo da Senhora da Graça, rompi com essa zanga.
Já me aconteceu noutras ocasiões com o ciclismo, nacional e internacional. Porque afinal o "ciclismo é isto mesmo", zangamo-nos com a batota mas, no fim, a sua espectacularidade acaba sempre por falar mais alto. E por levar os adeptos da modalidade a esquecer essas traições, e a voltar a acreditar.
Foi assim, mais uma vez, hoje na Senhora da Graça. E cá estou reconciliado com este ciclismo, agora - quero crer - expurgado da batota. Que, por cá, chega sempre do mesmo lado.
Com o ciclo da batota do Porto/W52 interrompido, esta foi a Volta da Glassdrive, que vestiu a camisola amarela no prólogo, em Lisboa, e nunca mais a perdeu. Limitou-se a distribuí-la por três dos seus ciclistas, dominando por completo as três etapas decisivas desta Volta.
Na primeira, há uma semana, na Torre, trocou-a de Rafael Reis, que ganhara, como habitualmente, o contra-relógio do prólogo para o uruguaio Maurício Moreira, que ganhou na Serra da Estrela, e que é o eleito da equipa para ganhar a Volta. Que, apesar da batota, só não ganhara a Volta no ano passado por ter sofrido uma queda no contra-relógio final. A meio da semana, Frederico Figueiredo ganhou na inédita passagem pela Serra da Lousã, lá em cima, no Observatório do Parque Eólico de Vila Nova, em Miranda do Corvo, e passou ele a vestir a amarela, com 7 segundos de vantagem.
Na Serra da Estrela ou na da Lousã, sempre com um grande trabalho de António Carvalho. Que era - e é ainda - quarto da geral, e prestou inestimáveis serviços ao uruguaio, que literalmente rebocou na Lousã, evitando que a vantagem de Frederico Figueiredo se tornasse praticamente irrecuperável.
Deste trabalho da Glassdrive tem aproveitado Luís Fernandes, da Rádio Popular/Boavista, para se agarrar ao terceiro lugar. Sempre "na gosma", como se diz na gíria.
Hoje, na Senhora da Graça, tudo foi diferente. Mas não tão diferente assim.
A Glassdrive atacou a corrida e tudo fez para acabar com "a mama" do ciclista da Rádio Popular/Boavista, uma equipa que também nunca fez nada pela corrida. Tudo começou com o ataque de António Carvalho, a que se seguiu, depois, o dos dois colegas de equipa que ocupam os dois primeiros lugares, deixando o boavisteiro nas covas, incapaz de resistir ainda ao espectacular Alejandro Marque, em despedida, e acabando ultrapassado por grande número de ciclistas que vinham de trás.
Na frente, e descartado Luís Fernandes, António Carvalho esperou pelos seus dois colegas de equipa, para chegarem os três lá ao alto do Monte Farinha, ao ritmo conveniente a Maurício Moreira. Que não ao que podiam os outros dois.
Ganhou António Carvalho, repetindo o feito do ano passado, e o único que ainda não tinha ganhado nesta Volta. Mas, para que o uruguaio não tivesse perdido a hipótese de, amanhã, no contra-relógio final, ganhar este ano, em vez de Frederico Figueiredo, bem melhor na montanha e justíssimo vencedor da categoria, perdeu a possibilidade de chegar ao terceiro lugar da geral, e assim fechar um inédito pódio de uma só equipa.
Não fora a decisão de manter a corrida na esfera de Maurício Moreira teria recuperado a diferença que tinha para o terceiro lugar do corredor da Rádio Popular. Ficou a 29 segundos disso. Mas só por isso!
Uma decisão lamentável, e anti-desportiva, a meu ver. Não é a batota de que se fala. Mas não é bonito. Nem racional: ninguém percebe que entregar a vitória na Volta a um ciclista pré-definido seja mais importante que toda a equipa ocupar o pódio, num feito inédito, tanto quanto me recordo.
Amanhã bastará a Maurício Moreira, na sua especialidade, ganhar a Frederico Figueiredo os 7 segundos que tem de desvantagem para ganhar esta Volta. A última dos consagrados Alejandro Marque e Tiago Machado, e de Micael Isidoro, o meu amigo Mika.
Uma volta sem batota mas, ainda assim, com "batotices"!