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Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

Voto obrigatório? Era o que faltava…

Por Clarisse Louro *

Aí está a campanha eleitoral. Na rua, com os mesmos de sempre, que só aparecem nesta altura a distribuir sorrisos e folhetos, porque nas intervenções públicas, no Parlamento ou na comunicação social, há muito que ela aí anda. Nos partidos do dito arco da governação, nos do governo e no próprio governo itself, há muito que por aí anda, provocadora e na maioria dos casos sem vergonha. E mentirosa!

Vem com tudo – talvez com menos cartazes, esferográficas e sacos de plástico, mas com os mesmos vícios, a mesma mentira pegada, a mesma demagogia e com a mesma falta de respeito pelos eleitores, de quem só se lembram nestas alturas – porque, já se sabe, a abstenção ameaça cada vez mais. Em todos os actos eleitorais, mas então nestes, nas eleições europeias … Porque, a tudo, acresce que a Europa fica também cada vez mais longe.

Os agentes políticos fingem que não percebem as razões deste divórcio entre a população e o voto, que não têm qualquer responsabilidade no fosso enorme e intransponível que criaram entre ditos representantes e representados, e insistem no caminho para o abismo, para a destruição de um sistema que, pegando na famosa máxima de Churchill, é cada vez mais o pior de todos, mas cada vez menos à excepção de todos os outros.

Por isso se volta a falar no voto obrigatório, como Marcelo Rebelo de Sousa fez ainda no passado fim-de-semana. Porque, voltam eles a fingir, o problema está no povo que lhes não reconhece os seus méritos imensos, a sua honestidade sem limites e a incansável generosidade que colocam ao nobre serviço da causa pública. O problema está nessa vasta massa humana, ingrata e insatisfeita por natureza. Não está no que fazem com o poder que lhes entregamos, não está na traição sucessivamente repetida, eleição depois de eleição. Não está na mentira em que transformaram as eleições e a democracia. Nem sequer na sua incapacidade em simplesmente inovarem na mentira. São tão estúpidos – e acham-nos tão estúpidos – que entendem poder insistir no mesmo formato de uma mentira velha e gasta. Desde que, acham agora, nos obriguem a continuar a lá ir de tempos a tempos depositar o voto, tudo pode e deve continuar exactamente na mesma.

O voto é um direito e um dever. É um direito e um dever cívico do cidadão, mas garante apenas direitos aos que são eleitos, impõe-lhes também deveres. Só que eles, os eleitos, guardam e abusam sistematicamente dos primeiros e ignoram os segundos, e querem agora tornar obrigatória a outorga dos seus direitos sem que nada os obrigue ao cumprimento dos seus deveres. Ao tornar o voto obrigatório esta classe política não pretende outra coisa que a legitimação da ocupação do poder que protagonizam, e a isso nunca ninguém conseguirá chamar democracia!

Falar na obrigatoriedade do voto sem falar no sistema eleitoral é uma vigarice, não pode ter outro nome. Tornar o voto obrigatório sem, pelo menos, introduzir no sistema consequências para o voto nulo ou branco é uma fraude que só serve para perpetuar a própria fraude em que o regime se transformou!

Nunca como agora foi tão clara a percepção de que o regime, em Portugal e na Europa, está esgotado.

A União Europeia, ironicamente nascida do mais fantástico espaço de democracia e progresso que o mundo até hoje conheceu, evoluiu ela própria de costas voltadas para a democracia. Nunca qualquer passo da construção do edifício europeu foi sujeito a sufrágio eleitoral. Apenas o Parlamento Europeu – que a enorme crise dada por resolvida, mas que está bem longe disso, mostrou que não serve para nada que não seja a alimentação burocrática da coisa – era objecto de eleições. Que pela primeira vez vão indirectamente servir para a eleição do presidente da Comissão Europeia, que vai substituir o maior carreirista que o regime português pariu.

Em Portugal, os partidos políticos cristalizaram, tomaram conta do país e tornaram os portugueses reféns dos seus interesses e clientelas. Não é mais que meia dúzia de pessoas, que constituem os directórios dos três partidos que se perpetuam no poder, quem escolhe os principais titulares dos órgãos de soberania que, depois, simplesmente submetem a plebiscito popular. Uma meia dúzia de pessoas, agora criada e (im)preparada nas jotas, que tomou conta do regime em nome dos interesses que o bloqueiam. Porque, como está mais que demonstrado, os portugueses rejeitam qualquer potencial expressão de poder que não caiba no espaço político-ideológico que esses três partidos ocupam e seguram com mão de ferro, não permitindo que aí entre quem quer que seja.

Voto obrigatório? Era o que faltava…

 

* Amanhã no Jornal de Leiria

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