Vuelta 2023 - Liberdade na ditadura da Jumbo
Tinha aqui escrito que Vingegaard e Roglic aguardariam ansiosamente um ataque de Ayuso, o quarto da geral e o primeiro fora da Jumbo para, nas últimas altas montanhas desta semana final, atacarem a liderança de Kuss. Queria com isso dizer que tinha por certo que ambos queriam ganhar a Vuelta, mas que, nem eles, nem a direcção da Jumbo, teriam "lata" para atacar directamente o colega. O fiel escudeiro que tanto tem trabalhado para as suas vitórias, e que inesperadamente vira chegar a sua vez de ganhar.
Estava enganado. Nem Ayuso, nem qualquer outro adversário, lhes deram essa oportunidade, e precisaram de outros pretextos. E até de pretexto nenhum.
Ontem, na 16ª etapa, entre Liencres Playa e Bejes lá no alto de La Hermida, bastou a Vingegaard o pretexto de homenagear o colega Van Hooydonck, vítima nesse mesmo dia de um ataque cardíaco, seguido de despiste, quando seguia ao volante do seu carro, na Bélgica, e em crítico estado de saúde. Ganha-la-ia de qualquer forma, sem necessitar de deixar Kuss em dificuldades. Mas não. Atacou a sério, para ganhar a etapa e atacar a liderança. Ganhou mais de um minuto a Kuss e a Roglic, ficando a apenas 29 segundos da vermelha, e retirando o segundo lugar ao esloveno.
Hoje, na etapa mais dura da Vuelta, com a meta no mítico L`Angliru, já nem precisaram de pretexto algum. Simplesmente seguiam os três na frente, e iriam repetir o inédito feito do Tourmalet. Mas não. E desta vez foi Roglic. Atacou e Vinguegaard seguiu-o, deixando Kuss para trás. Era o dia do aniversário do americano, mas nem isso lhe valeu.
Valeu-lhe o espanhol Mikel Landa, um adversário da Bahrein, que se lhe juntou e o levou na roda até à meta, onde Roglic fora primeiro, sem discussão com Vingegaard (também era só o que faltava). kuss até acabou por ser terceiro, repetindo o feito da equipa no Tourmalet. Mas foi um adversário que lhe deu a prenda de anos que os colegas lhe negaram, e que lhe permitiu até manter a camisola vermelha, agora presa por apenas 8 segundos. Para Vingegaard. Para Roglic, é mais um minuto. Nada que não resolvam certamente amanhã, o último dia de alta montanha.
Dizem, da equipa, que os três gozam de liberdade total para fazerem o que quiserem na corrida. Afinal há liberdade na ditadura que a Jumbo instalou nesta Vuelta. Não há é gratidão. Nem sequer respeito.
Também na UAE não funciona essa coisa a que se chama equipa. Já se tinha visto noutras ocasiões, em muitas delas com João Almeida com razões de queixa. Hoje foi ao contrário. Foi o português, com mais uma excelente prestação - sexto na etapa, a 58 segundos de Roglic - que se esteve nas tintas para Ayuso e para Soler. O jovem espanhol ainda se aguentou. Foi nono na etapa e segurou o quarto lugar da geral, se bem que já muito apertado por Landa, a apenas 16 segundos. Soler afundou-se, e caiu de sexto, a apenas 3 minutos de Kuss, para 13º, a 22. E foi justamente à sua conta que João Almeida, a acabar a Vuelta ao seu melhor nível (Kuss deve-lhe a ele não ter perdido já ontem a liderança, pois foi ele a "dar sapatada" que reduziu a vantagem de Vingegaard) subiu a nono, e praticamente garantiu um lugar no top 10.
Ah... E Evenepoel já não é notícia. Mas ainda tem que defender amanhã o primeiro lugar da classificação da montanha.